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Probióticos vaginais não têm eficácia comprovada na prevenção de doenças

Os produtos podem ser usados como pílulas orais ou supositórios

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Rachel E. Gross
The New York Times

​​Antes dos probióticos vaginais, houve a ducha de iogurte. Nos anos 1970, um remédio caseiro comum para a candidíase e outros problemas que provocavam coceira consistia em mergulhar um absorvente interno em iogurte e inseri-lo na vagina. A ideia era que as mesmas bactérias vivas que tornam o iogurte benéfico ao intestino também podiam fazer bem à vagina.

As duchas de iogurte nunca ganharam popularidade comercial, mas o conceito de infundir uma vagina doente com bactérias boas, sob a forma de probióticos vaginais, vem tendo aceitação crescente.

Vendidos online e em farmácias, divulgados no Instagram e em anúncios no metrô, muitos desses suplementos (que podem ser tomados por via oral ou vaginal) supostamente infundem na vagina bactérias beneficiais que seriam capazes de "restaurar o equilíbrio feminino", "prevenir problemas íntimos" e "criar um ambiente propício para a propagação da microflora saudável".

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Probióticos vaginas não têm eficácia comprovada - Personare

Muitos dos benefícios propalados são vagos, mas a publicidade de alguns desses produtos é mais ousada, prometendo que os probióticos podem prevenir ou tratar problemas vaginais comuns como candidíase e vaginose bacteriana. Mas será que funcionam de fato?

Como o ecossistema vaginal fica desequilibrado?

Pense no microbioma vaginal como uma floresta tropical: um ecossistema singular, repleto de vida microscópica que inclui bactérias, vírus e fungos. No caso de muitas mulheres que ainda não chegaram à menopausa (mas não de todas), os micróbios dominantes são certas espécies do grupo dos lactobacilos. Outros membros desse grupo vivem no intestino e fermentam laticínios como iogurte e queijo.

Mas os lactobacilos presentes na vagina são especiais. Provavelmente se adaptaram ao longo de milhares de anos para digerir açúcares liberados pelas células vaginais e expelir ácido láctico, criando um ambiente levemente ácido que é inóspito para invasores bacterianos. Isso ajuda a formar uma barreira crucial entre você e elementos externos, protegendo seu trato reprodutivo de infecções e doenças.

Várias coisas podem desequilibrar os lactobacilos vaginais, entre elas antibióticos, menstruação, lavagens com duchas vaginais, infecções sexualmente transmitidas e sêmen. Quando o número de lactobacilos cai, outras bactérias ou fungos normalmente presentes na vagina podem multiplicar-se em excesso, criando vários tipos de desequilíbrio.

Um dos estados de desequilíbrio mais comuns é a vaginose bacteriana –que ocorre quando o nível de lactobacilos presentes no ecossistema vaginal cai, propiciando uma diversidade de outros micróbios que prosperam em ambientes com baixo nível de oxigênio.

Os sinais típicos da vaginose incluem prurido na vulva, um corrimento fino e esbranquiçado, e um odor que lembra peixe. A vaginose bacteriana também pode deixar a mulher mais suscetível a DSTs como clamídia, gonorreia e HIV, além de ter sido associada a partos prematuros.

Atualmente o único tratamento recomendado para a vaginose bacteriana sintomática são antibióticos, mas especialistas dizem que essa é uma solução imperfeita. Como um incêndio florestal, os antibióticos tendem a eliminar não apenas a infecção, mas também a maioria dos habitantes microbianos da vagina, provocando um desequilíbrio que pode levar a infecções futuras.

Os probióticos vaginais, afirmam os fabricantes desses produtos, podem ser uma alternativa simples e eficaz, aumentando a parcela de micróbios "bons" e fortalecendo o ecossistema vaginal antes e durante uma infecção.

Probióticos vaginais são a solução para candidíase e a vaginose bacteriana?

Podem ser uma solução no futuro. Mas os comprimidos e supositórios disponíveis hoje ainda não têm sua eficácia comprovada.

Com base no que dizem especialistas, probióticos vaginais precisam satisfazer dois critérios para serem eficazes: devem conter uma cepa vaginal que proteja contra infecção, como por exemplo a Lactobacillus crispatus; e devem ser inseridos diretamente na vagina.

Mas a maioria dos produtos no mercado não satisfaz esses dois requisitos. Muitos probióticos orais ou em forma de supositórios contêm espécies bacterianas cultivadas do intestino ou de alimentos fermentados que não são habitantes naturais da vagina.

"Não faz muito sentido biológico, a meu ver", comentou Catriona Bradshaw, especialista em saúde sexual na Universidade Monash, em Melbourne, Austrália, que estuda a vaginose bacteriana.

E a maioria dos probióticos vaginais no mercado são cápsulas orais, que, segundo sugerem os estudos, têm pouca probabilidade de alterar a flora vaginal. Isso porque as bactérias teriam que percorrer uma trajetória arriscada, passando pelo intestino, saindo pelo ânus e depois deslocando-se até a vagina.

"Isso não acontece", disse o microbiólogo Jacques Ravel, da Escola de Medicina da Universidade de Maryland e estudioso do microbioma vaginal. (O dr. Ravel também é cientista chefe da LUCA Biologics, empresa de biotecnologia que está desenvolvendo probióticos para uso contra a vaginose bacteriana e parto prematuro.)

Alguns poucos produtos devem ser colocados na vagina, entre eles os supositórios probióticos vaginais FloraFemme (US$50 por seis cápsulas), os supositórios VagiBiom (30 unidades por US$66) e as pílulas vaginais Physioflor (US$27 por duas pílulas).

Alguns dos supositórios vendidos contêm as cepas corretas, mas não todos. Porém, há um problema maior, tanto com os produtos para ingestão oral quanto com os supositórios (além do mercado mais amplo de suplementos): nenhum desses produtos passou pelo crivo dos testes rigorosos de segurança e eficácia exigido para ser aprovado pela FDA (agência federal americana que regula alimentos e medicamentos). Os poucos estudos que existem sobre o tema geralmente envolveram amostras pequenas, não contaram com grupos de controle e não foram ensaios cegos ou randomizados.

"A maioria desses produtos não passou pelos controles de qualidade que são exigidos para produtos farmacêuticos reais", disse Bradshaw. "Portanto, você não vai saber realmente o que está colocando na boca –ou na sua vagina."

Uma revisão feita de 2020 de estudos sobre 22 probióticos vaginais tomados como supositórios indicou que todos eram seguros. Alguns até mostraram potencial de prevenção e tratamento de vaginose bacteriana. Mas nenhuma das cepas permaneceu por muito tempo na vagina, de modo que é pouco provável que fossem benéficas no longo prazo. Além disso, não preveniam a candidíase.

"Parece uma ideia tão boa, não? Parece tão lógico", comentou a microbióloga Sharon Hillier, do Magee-Womens Research Institute, que estuda o microbioma vaginal e as ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), falando dos probióticos vaginais. "Mas estudos sucessivos não conseguiram identificar algum benefício real proporcionado pela maioria desses produtos."

A ginecologista e obstetra Carolyn Ross, assessora médica da Stix, empresas que vende probióticos vaginais e outros produtos para a saúde feminina, disse em e-mail que, embora as evidências sobre os probióticos vaginais sejam limitadas, estudos publicados sugerem "um efeito benéfico dos probióticos sobre a prevenção da vaginose bacteriana". Ela citou duas meta-análises que observaram efeitos benéficos, mas ressalvou que estudos grandes e de alta qualidade são urgentemente necessários antes que se possa chegar a conclusões maiores.

O microbiólogo Bobban Subhadra, executivo-cyefe da Biom Therapeutics, que produz supositórios probióticos vaginais, diz que sua empresa ainda não publicou nenhum estudo sobre a eficácia dos probióticos, mas que há vários em andamento.

Alguns pesquisadores têm a expectativa de que estudos melhores venham a comprovar o potencial dos probióticos vaginais.

"Acho que essa é uma área altamente promissora", disse Janneke van de Wijgert, pesquisadora sobre doenças infecciosas na Universidade de Utrecht, na Holanda, e autora principal da revisão de 2020. "Mas ainda não chegamos lá."

O que fazer para ter um microbioma vaginal saudável?

No futuro, pode haver formas comprovadas de fortalecer as defesas bacterianas da vagina, possivelmente pela combinação de probióticos com antibióticos ou até mesmo por transplantes de microbioma vaginal.

Por enquanto, porém, os cientistas não sabem o suficiente sobre o microbioma vaginal para poder fazer recomendações confiáveis. Os probióticos vaginais provavelmente não vão prejudicar você, mas também é pouco provável que a beneficiem, quer você tenha uma infecção ou não. E, a não ser que você esteja realmente doente, a melhor maneira de conservar um bom equilíbrio feminino é também a mais simples: não faça nada de especial. Definitivamente não gaste dinheiro com tratamentos de valor não comprovado para sua paisagem mais íntima.

"As mulheres já têm o suficiente com que se preocupar na vida", disse Hillier. "Em última análise, a vagina é a porta de entrada para seu trato reprodutivo. Trate-a com respeito e amor."

Tradução de Clara Allain

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