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Agência americana quer proibir a venda de cigarros mentolados nos EUA

Negros são 85% dos consumidores; homens afro-americanos são os mais atingidos pelo câncer de pulmão no país

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Christina Jewett
The New York Times

A FDA (agência federal americana que regula alimentos e medicamentos) anunciou na quinta-feira (28) um plano para proibir as vendas de cigarros mentolados nos Estados Unidos, uma ação que muitos especialistas em saúde pública saudaram como a medida mais importante tomada pelo governo em mais de uma década de esforços para controlar o consumo de cigarros e afins.

A previsão é que a proibição terá impacto maior sobre fumantes negros, quase 85% dos quais fumam cigarros mentolados, contra 29% dos fumantes brancos, segundo levantamento do governo.

Se for eficaz para reduzir o tabagismo, a medida pode diminuir significativamente a carga de doenças crônicas e o número de vidas ceifadas por um dos produtos legais mais perigosos disponíveis no mercado.

Fumante norte-americano retira cigarro mentolado de maço em Miami, nos EUA - Joe Raedle/AFP

O comissário da FDA, Robert Califf, disse a um comitê do Senado na quinta-feira que a proibição proposta "irá, entre outras coisas, melhorar a saúde e reduzir o risco de mortalidade de fumantes atuais de cigarros mentolados ou charutos saborisados, por diminuir seu consumo substancialmente e elevar a probabilidade de abandonarem o cigarro".

O mentol é um composto químico derivado da planta hortelã, mas que também pode ser produzido em laboratório. Ele é incluído em cigarros para suavizar o ato de fumar, proporcionando uma sensação refrescante na garganta.

Especialistas em saúde pública dizem que os cigarros mentolados são promovidos com ênfase especial para o público negro, com efeito devastador: de acordo com os CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), homens afro-americanos são os mais atingidos pelo câncer de pulmão nos EUA.

A previsão é que a retirada dos cigarros mentolados do mercado reduza os níveis de tabagismo na população e o número de jovens que começam a fumar.

Se a experiência dos EUA espelhar o que aconteceu no Canadá, quando o país proibiu os cigarros mentolados, 1,3 milhão de pessoas podem abandonar o cigarro e centenas de milhares de mortes precoces poderão ser evitadas, disse Geoffrey Fong, pesquisador principal do Projeto Internacional de Avaliação das Políticas de Controle do Tabagismo.

"Esta é potencialmente uma intervenção extraordinária para reduzir a causa número 1 de mortes e doenças evitáveis", disse Fong.

A proibição proposta foi anunciada após uma onda frenética de lobby por parte de interesses tabagistas e do setor varejista. A norma proposta será aberta a comentários públicos por pelo menos 60 dias e então adotada com possíveis revisões. A expectativa é que a medida leve pelo menos um ano para entrar em vigor.

É provável que as empresas de cigarros contestem a medida na justiça, o que poderá levar a uma batalha legal prolongada.

Erika Sward, da ONG (organização não governamental) de defesa da saúde American Lung Association, disse que, uma vez que entre em ação, a proibição dos cigarros mentolados será "a ação isolada mais significativa adotada pela FDA em seus quase 13 anos de história regulamentando produtos à base de tabaco".

A regra proposta não abrange os cigarros eletrônicos mentolados. A FDA está em processo de rever todos os produtos para cigarros eletrônicos vendidos nos EUA, para determinar se permite que continuem no mercado (esses produtos começaram a ser vendidos antes de a FDA exercer autoridade regulatória sobre eles). Até agora a agência aprovou para vendas alguns cigarros com sabor tabaco. Alguns produtos mentolados permanecem no mercado enquanto a FDA estuda o que fará em relação a alguns dos cigarros mais vendidos.

Arquivos da Casa Branca revelam reuniões recentes com proponentes da proibição, entre eles as associações americanas de cardiologistas e de pediatras.

Em 2017, o Centro de Leis sobre Saúde Pública e outros entregaram às autoridades uma revisão da experiência do Canadá com a proibição de cigarros mentolados, que levou 59% dos fumantes de mentolados a passar a fumar cigarros sem sabor, 20% deles a abandonar o cigarro e quase a mesma parcela continuarem a comprá-los em reservas indígenas, onde ainda podem ser vendidos.

Grupos comerciais incluindo o Americans for Tax Reform e a Tax Foundation alertaram a Casa Branca sobre o risco de perder receita tributária federal e estadual no valor possível de até US$ 6,6 bilhões no primeiro ano de uma proibição dos cigarros mentolados.

Os proponentes da medida dizem que ela constitui um passo importante no sentido de reduzir as disparidades de doenças nos EUA, mas ela vem dividindo as comunidades negras, até certo ponto.

O reverendo Al Sharpton a criticou fortemente e recentemente conseguiu marcar uma reunião com representantes da Casa Branca e da firma de lobby Ling & Spalding, que tem histórico extenso de lobby em favor da RAI Services Co., a empresa de cigarros antes conhecida como R.J. Reynolds.

Presidente da organização de direitos civis National Action Network, Sharpton escreveu carta a Susan Rice, diretora do Conselho de Política Doméstica, dizendo que a proibição levará fumantes negros a tentar modificar os cigarros ou usar variedades mentoladas não regulamentadas, algo que "promoverá a atividade criminal". Sharpton reconhece que a Reynolds apoiou sua organização durante duas décadas, mas não revelou o valor das contribuições que recebeu dela.

A Reynolds é uma das maiores fabricantes mundiais de cigarros e produz os cigarros mentolados Newport, que descreve como "a marca de cigarros mentoladas mais vendida nos Estados Unidos".

A fabricante levantou preocupações semelhantes em carta a funcionários da Casa Branca, sugerindo que a FDA estenda o prazo para a proibição entrar em vigor, para que sua implementação ao nível local "não seja feita de maneira que crie efeitos negativos, como impactos diferenciados sobre comunidades não brancas".

"Uma proibição de cigarros mentolados criaria riscos graves", escreveu Sharpton, "incluindo o aumento das vendas de cigarros mentolados contrabandeados, além das vendas nas ruas de cigarros mentolados por unidade, algo que por sua vez exporia os fumantes de mentolados ao risco grande de ingressar no sistema de justiça criminal."

Carol McGruder, co-fundadora do Conselho Afro-Americano de Liderança do Controle do Tabaco, considerou "vergonhoso" que Al Sharpton e outros recebam recursos de empresas de cigarros. Ela disse que a necessidade de reforma policial é real, mas que as vidas ceifadas precocemente pelos cigarros mentolados são em número muito maior.

"Usar nosso sofrimento cinicamente, dizendo ‘oh, queremos proteger vocês disso, deixando no mercado esses produtos que estão matando vocês’, não faz sentido", disse McGruder.

A NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, em português) também apoia a proibição e disse que não é patrocinada pela indústria do cigarro há duas décadas. Portia Reddick White, vice-presidente para assuntos legislativos, disse que a organização rejeita a ideia que uma proibição dos cigarros mentolados vai exacerbar tensões com a polícia, já que a implementação da lei será feita principalmente ao nível da fabricação.

"Isso é uma cortina de fumaça, é enganoso e não ajuda em nada", ela disse, acrescentando que desvia a atenção das pessoas do trabalho para combater as disparidades de saúde e as condições crônicas ligadas ao tabagismo. "Para nós, o que é discriminatório é permitir que os mentolados continuem a ser vendidos."

Tradução de Clara Allain

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