Descrição de chapéu Família

Pandemia muda imaginário de crianças e bicho papão dá lugar ao medo da morte

Estudo indica que temores reais como perder os pais ou ficar doente se tornaram mais prevalentes do que fictícios

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Gabriela Cupani
Agência Einstein

A pandemia tomou o lugar do bicho papão. A crise sanitária mudou o imaginário infantil e, agora, o vírus assusta mais do que qualquer outro monstro.

Em vez de dragões e bruxas, as crianças passaram a temer coisas reais, como o medo de serem infectados pelo coronavírus, de outras doenças, e perder os pais, revela a dissertação de mestrado realizada pela psicóloga clínica Geovana Figueira Gomes.

child whose depression is on a black background with his hands closed
Pandemia fez com que medos fictícios como de monstros dessem lugar a medos reais como o da morte dos pais em crianças - Vovan/Adobe Stock

O estudo, feito no departamento de psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo), tinha como objetivo investigar os medos infantis, sua natureza, as angústias e as defesas empregadas contra ele, além de observar variações de acordo com gênero e nível socioeconômico, por exemplo.

A dissertação começou antes da pandemia e foi finalizada durante a crise sanitária, observando uma mudança nos temores infantis. Foram acompanhadas 40 crianças com idades de 8 a 11 anos, sendo 20 meninos e 20 meninas, 14 deles provenientes de escolas públicas e 36 de escolas privadas.

A autora pediu que elas desenhassem e contassem histórias sobre seus terrores – primeiramente de forma presencial e posteriormente por meio de videochamadas pelo Whatsapp.

"No início apareciam personagens de filmes de terror, algumas lendas urbanas, monstros etc. Com o surgimento da pandemia, passaram a retratar doenças, a perda dos pais e até catástrofes, como tsunamis", conta autora do estudo.

Se por um lado pavores imaginários podem ser muito assustadores, por outro os pequenos têm mais mecanismos para se proteger deles. Isso porque, da mesma forma que fantasiam perigos através da imaginação, também desenvolvem formas de enfrentá-los.

Com a ajuda dos responsáveis, o lúdico começa a entrar como uma ferramenta para equilibrar o que está no mundo da imaginação para com o mundo real.

"Essa transição entre os medos imaginários para os mais reais acontece de forma gradual. Se isso vem de uma vez, ela ainda vai ter dificuldades de compreender o que ela pode acessar nesse momento", diz a psicóloga.

Por isso os medos reais precisam ser enfrentados com muito apoio dos adultos.

"Quando a gente sofre esse bombardeio de informações, às vezes gera uma angústia maior do que se pode suportar pela falta de recursos para lidar com elas", explica a Gomes. "Pais e responsáveis devem ajudar com muito diálogo de acordo com a idade para que não vire um trauma e desencadeie sintomas precoces de ansiedade, por exemplo", continua ela.

Daí a importância de filtrar as informações que chegam até os mais novos, e de ajudá-los a entender e processar o que estão absorvendo. No caso daqueles avaliados pelas pesquisadoras, trazer esses assuntos à tona ajudou a manter medidas de proteção como o uso da máscara e do álcool gel, por exemplo.

Enquanto imagina, aprende

O estímulo à imaginação é crucial para desenvolver a linguagem e a criatividade. "Enquanto imagina, a criança também aprende. Quando cria mundos desconhecidos, ela elabora sua própria visão de mundo e a amplia com as diversas possibilidades. Quando inventa algo, a criança pensa em uma situação-problema e em estratégias para resolvê-la, contribuindo para atuações futuras frente ao desconhecido", diz a psicóloga Caroline Nóbrega de Almeida, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Quando dão vazão aos medos, as fantasias podem ajudar a encontrar a coragem para lidar com desafios. Mas o papel da imaginação não acaba na infância.

"Em todas as fases da vida, o processo criativo nos ajuda a lidar com problemas, encontrar soluções, construir relações. Ele nos permite ter esperança e nos faz sentir vivos", finaliza Gomes, responsável pelo estudo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.