Livro discute direito de não ser mãe e expõe feridas da maternidade

Na ficção 'Olha-me Outra Vez', Angélica Franca Padovani desafia estigmas e coloca apoio entre mulheres como remédio contra a opressão

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Ribeirão Preto

"Olha-me Outra Vez" é o primeiro livro da artista plástica Angélica Franca Padovani. A novela traz mulheres como protagonistas para discutir feminismo, relação entre mães e filhas e o direito de recusar a maternidade.

"Uma mulher não tem que se sentir culpada por não querer ser mãe", diz a autora.

A obra narra as histórias de duas gerações de uma mesma família, centradas em Rosa, que em plena ditadura se vê obrigada a abandonar a filha de 7 anos para conseguir tomar o controle da própria vida, e em Ana, que cresce com o sentimento de culpa deixado pela partida inesperada da mãe.

Mulher branca de óculos e cabelo curto encostada na parede
Angélica Franca Padovani aborda feminismo e direito de não ser mãe em seu primeiro livro, 'Olha-me Outra Vez' - Arquivo pessoal

A fotografia é o único elo entre as duas, e também uma conexão das protagonistas com a autora. Quando criança, o passatempo favorito de Angélica era mergulhar numa caixa de fotos antigas da avó. Essa arte a acompanha desde então.

Apesar de não se tratar de uma história autobiográfica, ela diz que há muito de sua própria memória na história das personagens. Sua mãe foi uma das inspirações —só pôde voltar a estudar depois que se separou do marido, quando a autora tinha um ano de idade. O curso que a mãe escolheu foi jornalismo, o mesmo seguido por Rosa e por Ana.

Aos 54 anos e com dois filhos, Angélica desafia os estigmas associados às mulheres que passaram da idade reprodutiva. "Na menopausa eu pari um livro", ela diz.

A obra nasceu durante a pandemia, quando a autora, que desde 2019 vive na Espanha, pôde participar a distância de uma oficina de escrita que, antes, acontecia apenas de maneira presencial na cidade de São Paulo.

Segundo ela, a ideia era escrever uma história que tratasse da relação entre mãe e filha. A autora revela, contudo, que a narrativa que nasceu a partir disso foi uma surpresa para ela.

"Uma mãe, presente ou ausente, sempre deixa uma espécie de ferida", afirma a personagem Ana no livro.

Angélica afirma que "antes existia uma relação de autoridade muito forte" nessa relação familiar. "Existia uma preocupação muito grande com o que os outros diriam. Os filhos eram criados para os outros, não se criavam os filhos para os filhos."

Para a autora, a maior abertura para o diálogo que existe hoje permite uma relação de maternidade mais saudável —algo que ela mesma tenta cultivar com seus dois filhos.

Inquestionavelmente feminista é como ela descreve a novela. Os homens, apesar de não serem retratados de maneira estereotipadamente agressiva, têm papéis minoritários e são as primeiras fontes de opressão. Por outro lado, é em mulheres que as protagonistas encontram afeto e suporte, apesar das relações maternas conflituosas.

Segundo a autora, o apoio e a união entre as mulheres são a cura para essa ferida descrita por Ana e a melhor maneira de lutar contra a opressão. "A sororidade é fundamental".

Quando uma mulher diz que não quer ser mãe, costuma ser questionada sobre quem vai cuidar dela quando envelhecer. Angélica afirma acreditar que um senso maior de comunidade pode diminuir o medo dessa solidão e, consequentemente, diminuir o peso da maternidade.

O título, "Olha-me Outra Vez", é um convite da autora para que, da mesma maneira que as fotos são observadas com cuidado e atenção, as mulheres tenham a chance de serem vistas com outros olhos e recebam mais oportunidades para serem elas mesmas.

"Olha-me Outra Vez"

  • Autor Angélica Franca Padovani
  • Editora Patuá
  • Quanto R$ 45 (116 págs.)
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