Nos EUA, mães solo abrem mão de salário e emprego em tempo integral, vivem desafios e ganham equilíbrio

Apesar de dificuldades financeiras, elas encontram satisfação em ter mais tempo para os filhos

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Sejla Rizvic
The New York Times

Em 2022, Lizzie Saltsman, 43, pediu demissão de seu emprego e levou seus filhos para uma viagem pela Europa. Alugou um carro, e ela e seus quatro filhos, dos quais o mais velho tem 13 anos, passaram dois meses do verão percorrendo o continente, começando em Paris e fazendo escalas em países como a Suíça, Áustria e Itália.

Saltsmann gostava de seu emprego –gerente de tecnologias de negócios numa empresa de produtos para o consumidor—, mas a morte de seu marido, em 2019, a levou a reavaliar como passava seus dias.

"Eu vivia constantemente trocando prioridades, entre ser mãe e profissional. Acho que a morte de meu marido me fez tomar consciência do valor e da urgência da vida", diz ela.

J. Marie Jones ajuda sua filha, Kayia, a se arrumar para a escola
J. Marie Jones ajuda sua filha, Kayia, a se arrumar para a escola, em Roosevelt, Nova York - Kirsten Luce/The New York Times

Saltsman é uma dos milhões de americanos que optaram por largar seus empregos durante a onda de demissões voluntárias que começou durante a pandemia e alcançou o índice mais alto em mais de 20 anos. E ela faz parte dos mais de 10 milhões de famílias monoparentais da América (da qual a grande maioria é chefiada por mães solo), o país do mundo que tem a mais alta taxa de filhos vivendo apenas com a mãe ou apenas com o pai.

Mães ou pais solo que optam por deixar seus empregos enfrentam obstáculos ainda maiores, já que sozinhos, ou quase, precisam cuidar dos filhos, garantir seguro de saúde e enfrentar as preocupações financeiras. Mas também podem conquistar um senso maior de equilíbrio. Veja alguns de seus relatos.

Lizzie Saltsman - Park City, Utah

O seguro de vida que recebeu após a morte de seu marido lhe garantiu um pequeno apoio financeiro, diz Saltsman. Mesmo assim, ela se preparou com cuidado antes de tomar a decisão de largar seu emprego: poupou dinheiro, pesquisou tudo sobre o seguro de saúde que continuaria a receber por um período depois de deixar seu emprego e traçou planos para as piores eventualidades financeiras.

Planejar uma viagem de carro pela Europa, programada para imediatamente depois de deixar seu emprego, acabou representando o incentivo final, ela conta.

"Achei que passar o verão na Europa me obrigaria a estar presente, a conviver com meus filhos e reiniciar minha vida", diz. A viagem valeu a pena, se bem que não teve todos os efeitos curadores que ela imaginou. "Naquela viagem aprendi sem sombra de dúvida que onde quer que você vá, ali você está. A vida é a mesma, só que em outro país."

De volta à sua casa em Park City, Saltsman começou a trabalhar com consultoria em contratos por tempo limitado. Abraçou uma nova rotina, que lhe dava mais tempo para se envolver no dia a dia da vida de seus filhos, e no início de 2023 passou do seguro de saúde remanescente do seu emprego para um convênio médico particular próprio.

Valeu a pena? Apesar de seus receios, Saltsman pontua que a decisão de largar seu emprego valeu muito a pena. "O melhor é ver que não é tão assustador quanto eu imaginava que seria. Ganhei uma nova confiança em mim mesma, a consciência de que podemos dar um jeito, aconteça o que acontecer."

J. Marie Jones - Brooklyn, Nova York

Em 2020, J. Marie Jones, 43, era diretora de comunicações digitais de uma agência governamental em Nova York. Antes da pandemia, ela, que é divorciada, contava com uma equipe de outras pessoas que lhe possibilitavam dar conta de seu trabalho e dos cuidados com sua filha, Kaiya, que hoje tem 12 anos.

Mas quando os isolamentos sociais da pandemia começaram, ela ficou como a única adulta para cuidar de sua filha sozinha. "Eu diria que aquilo foi uma das coisas mais difíceis que já fiz na vida", afirma.

O tempo passado em casa a levou a se preocupar com o desempenho de sua filha na escola, levando-a a um envolvimento maior com os estudos de Kaiya. Esse envolvimento teve um efeito marcante sobre o aproveitamento escolar da menina.

"A situação dela nos estudos deu uma virada total, de 180 graus", conta Jones. Hoje sua filha, que tem transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, está de volta à escola presencial, sua leitura alcançou o nível esperado para o ano em que estuda, e ela conseguiu passar algum tempo sem medicamentos (depois, voltou a tomá-los).

Quando a empresa onde trabalhava começou a exigir que todos os funcionários voltassem a trabalhar no escritório, Jones resolveu largar o emprego e investir em seu novo negócio online, vendendo diários inspiradores que ela encheu de afirmações e versículos bíblicos. Em 2022 a empresa, Affirm the Word Literary, teve vendas brutas na casa dos seis dígitos, e Jones já vendeu cerca de 20 mil diários, conta.

Jones revela que durante os momentos mais difíceis da pandemia ela conservou sua conexão espiritual através da programação virtual do Centro Cultural Cristão, no Brooklyn, do qual é membro. Ela diz que conseguiu superar as dificuldades graças à sua fé e seus hábitos. "Acredito realmente no valor de se escrever um diário. Isso salvou minha vida –simplesmente escrever afirmações diariamente, versículos e orações."

Valeu a pena? Embora conseguir acesso à saúde tenha sido uma grande preocupação, Jones diz que conseguiu encontrar cobertura do Medicaid rapidamente por meio do mercado de seguro de saúde do estado de Nova York. Hoje ela trabalha em regime de tempo parcial para outra agência governamental, seguindo um cronograma híbrido, à distância, enquanto continua a ampliar seu negócio e a passar tempo com sua filha.

"Hoje em dia eu compareço às coisas", ela conta. "Fui a todas as reuniões de pais e mestres. Levo minha filha à escola a pé. Essa sensação –a primeira vez que a acompanhei à escola a pé— foi simplesmente surreal."

Eileen Duncan - Berkeley, Califórnia

Eileen Duncan, 50, largou seu emprego de professora da terceira série numa escola particular de Berkeley no final do ano letivo de 2021.

Quando a pandemia fez com que as aulas tivessem que ser dadas online, ela começou a lecionar de casa, o que complicou sua organização no cuidado de seus filhos. Seu filho Leif, que hoje tem 7 anos, estava começando na escolinha no outono de 2020. Teria sido impossível para Duncan dar suas aulas online enquanto Leif seguia as aulas online dele. Juntamente com algumas outras famílias, Duncan se organizou com a escola de seu filho para o manter na escola por mais um ano, assim ela poderia seguir trabalhando.

Com a pandemia se prolongando, o aumento do número de reuniões ligadas à Covid, as noites passadas trabalhando até tarde para gravar aulas em vídeo, problemas logísticos com as aulas dadas ao ar livre, somado ao estresse de cuidar de mais de 20 alunos ao mesmo tempo, tudo isso começou a deixá-la exaurida.

"Eu não estava aguentando mais. Era difícil. Isso estava afetando como eu exercia meu papel de mãe, minha capacidade de estar presente para meu filho, de estar descansada", ela conta.

Com o apoio financeiro de seus pais e a ajuda de empréstimos federais, Duncan agora está fazendo um mestrado em tempo integral em terapia educacional.

Valeu a pena? Duncan diz que os efeitos sobre sua saúde mental do fato de ter deixado seu emprego valem muito a pena. Ela passou a ter liberdade para desfrutar tempo ao ar livre e a receber orientações de um coach parental.

Mas a decisão também trouxe algumas ansiedades financeiras, incluindo a necessidade de encontrar sua própria cobertura médica e o estresse que ela sente com a necessidade de economizar para sua aposentadoria.

Ela conseguiu encontrar cobertura de saúde pelo mercado de seguro de saúde Covered California e hoje desembolsa cerca de US$300 (R$1.500) mensais para isso, diz Duncan, embora o processo tenha lhe demandado tempo. "Hoje eu acordo todos os dias preocupada com dinheiro, algo que não acontecia antes."

Larissa Vidal - Seattle, Washington

Larissa Vidal, 52, vinha trabalhando havia décadas como assessora financeira para a mesma grande firma de corretagem. Estava insatisfeita nesse papel havia algum tempo quando decidiu largar o emprego.

"Eu gostava do trabalho, mas não curtia o ambiente", diz, citando o que descreveu como uma falta de diversidade, além de outros problemas (Vidal é americana de origem filipina).

Durante a pandemia, ela conseguiu passar tempo em casa com seu filho Leo, 16, cuja guarda é compartilhada com seu ex-marido. Ela conta que se descobriu mais capaz de lidar com as dificuldades de ser mãe.

"É como a noite e o dia", diz Vidal. "Poder chegar ao fim do dia e estar realmente ali presente para ouvir meu filho e perguntar como foi o dia dele é uma delícia."

Quando a empresa começou a exigir que todos os funcionários voltassem para o trabalho presencial em tempo integral, ameaçando atrapalhar o novo estilo de vida que ela havia começado a apreciar, Vidal decidiu pedir demissão.

Ela deixou seu emprego em junho de 2022 e começou em um emprego novo no dia seguinte, sem interrupção a seu plano de saúde. A nova firma pertence aos funcionários. O salário é melhor, os horários são flexíveis, e a firma concordou em dar recursos a Vidal para lançar uma iniciativa de promoção da diversidade.

Valeu a pena? "Foi uma transformação muito profunda", diz Vidal. Ela considera que deixar seu emprego lhe permitiu visualizar toda a gama de opções que existiam para ela. Também lhe deu a oportunidade de dar um exemplo importante a seu filho.

"Não quero que ele se sinta encurralado numa empresa onde não pode se manifestar abertamente. Hoje, vejo que existem empresas alí fora onde ele poderá se expressar mais livremente, espero."

Becky Straub Hillsborough, Carolina do Norte

Antes da pandemia, Becky Straub, 47, era gerente de projetos num grande centro de pesquisas acadêmicas. Mas com a chegada da pandemia, as coisas mudaram em pouco tempo. O centro ampliou sua capacidade de trabalhar com pesquisas ligadas à Covid e Becky passou a trabalhar mais horas diárias e a assumir responsabilidades maiores.

Alguns meses mais tarde, o companheiro de Becky, padrasto de seus dois filhos adolescentes, morreu de câncer. Depois de tirar uma breve licença de luto, ela voltou a trabalhar ainda mais horas por dia, ao mesmo tempo em que tentava se organizar em sua nova vida como mãe solo.

"Meu companheiro morreu em julho, tirei três semanas de licença, voltei, comecei a trabalhar mais horas do que jamais trabalhei na vida, isso com meus filhos de 13 e 16 anos em casa, deprimidos, fazendo aulas pelo Zoom", ela conta.

Em 2022, ela largou seu emprego e começou em outro que lhe permitia trabalhar de casa. Mas depois de apenas seis meses ela percebeu que o novo trabalho também não era exatamente o que ela buscava. Quando um médico com quem trabalhara em seu emprego anterior recebeu financiamento para um grande ensaio clínico, convidou Becky a voltar e chefiar o ensaio, com salário semelhante e a opção de trabalhar de casa.

Valeu a pena? "Hoje meu nível de estresse é tipo 10% do que era antes", ela conta. "Defino limites muito claros, o âmbito do que eu faço é muito claro e tenho que redigir muito menos relatórios diretos. Tenho uma carga de trabalho mais razoável."

Ela poupa tempo por não precisar se deslocar entre sua casa e o trabalho, nem preparar marmitas para ela e seus filhos e tem mais flexibilidade para dar conta das tarefas de mãe. "Recuperei pelo menos umas dez horas por semana para mim", diz Becky. "E isso facilita tremendamente a tarefa de cuidar de meus filhos."

Tradução de Clara Allain

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