Por que sentimos 'borboletas no estômago' quando nos apaixonamos? Veja o que diz a ciência

Sensação não tem a ver com o amor, trata-se de uma agitação no intestino que é subproduto de tensões emocionais

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Trisha Pasricha
The New York Times

Qual é a biologia por trás da sensação de "borboletas no estômago" quando as pessoas estão animadas com um novo relacionamento?

Apaixonar-se pode ser uma experiência turbulenta, desde as pausas desajeitadas durante um primeiro jantar enquanto você não sabe o que dizer a seguir, até a eletricidade de uma paquera e o frio na barriga quando as coisas realmente começam a pegar.

Sentir "borboletas no estômago" –um súbito turbilhão na boca do estômago– acontece com todos e pode ocorrer em situações de alta pressão: apaixonar-se, entrar numa entrevista de emprego ou esperar sua vez no karaokê.

Borboletas rosa
A sensação de 'borboletas no estômago' é um subproduto de tensão emocional - Oleksii/Adobe Stock

Aqui está o que os especialistas dizem que há por trás dessa famosa sensação de vibração.

A conexão do intestino com o cérebro

O cérebro e o intestino estão em constante comunicação através de uma intrincada rede de fibras nervosas chamada de nervo vago. Essa autoestrada da informação, como costuma ser chamada, corre entre o cérebro e o abdômen e é a razão pela qual nossos pensamentos afetam nossas entranhas de maneira tão singular. Lembre-se das aulas de biologia no Ensino Médio: bastou pensar em comida para o cachorro de Pavlov começar a salivar.

O intestino, que às vezes é chamado de "segundo cérebro" porque contém mais de 100 milhões de células nervosas que enviam e recebem mensagens de e para o cérebro, também pode afetar drasticamente nossos pensamentos, diz Laurie Keefer, professora de psiquiatria e medicina na divisão de gastroenterologia do Hospital Mount Sinai, em Nova York.

"As bactérias do nosso intestino têm a capacidade de sinalizar os centros emocionais em nosso cérebro", diz Keefer. "Eles podem afetar quão ansiosos ficamos, quão deprimidos estamos e até mesmo nossa resiliência –quão adaptáveis somos à mudança."

A maior parte dessa sinalização acontece inconscientemente, diz Michael Gershon, professor de patologia e biologia celular da Universidade de Columbia. Isto é, é claro, até que você esteja em dúvida se deve se inclinar para um primeiro beijo com seu namorado e de repente seu estômago começa a girar.

O que o amor tem a ver com isso?

Embora possa ser tentador supor que essas "borboletas" são movidas pelo amor, Keefer pontua que na realidade a agitação no intestino é um subproduto de uma parte menos romântica, mas inevitável de todo o processo: a tensão emocional.

Em um estudo de 1949 que investigou como diferentes tipos de tensão afetam o intestino, por exemplo, os pesquisadores examinaram o cólon de estudantes de medicina saudáveis usando um tubo oco de metal com uma luz e uma lente na ponta. Com um aluno, os pesquisadores sugeriram que haviam descoberto um câncer em seu reto (quando, na realidade, seu cólon parecia normal). Enquanto eles transmitiam essas falsas descobertas –até mesmo mostrando ao aluno uma "biópsia" de seu tumor, que na verdade era um pedaço de batata–, eles viram o cólon do aluno começar a ter espasmos. Depois que eles revelaram a farsa e o aluno percebeu que, afinal, não tinha câncer seu cólon relaxou imediatamente.

Os cientistas também mostraram que palavras e sons altos e cacofônicos tocados em ouvidos diferentes ao mesmo tempo podem perturbar os ritmos de nossas entranhas, assim como podem –o que foi demonstrado em um de meus próprios experimentos– contar uma mentira ou discutir eventos desconfortáveis da vida, como ser rejeitado por um interesse amoroso.

Seria desafiador fazer estudos semelhantes durante um jantar romântico (imagine ter uma sonda em seu cólon enquanto tenta bater um papo num restaurante), mas os cientistas usaram décadas de pesquisa sobre a comunicação intestino-cérebro para teorizar sobre por que o namoro pode agitar as "borboletas" do intestino.

Yvette Taché, neurobióloga e professora de medicina na Escola de Medicina David Geffen da Universidade da Califórnia em Los Angeles, estuda como o estresse afeta a comunicação entre o intestino e o cérebro desde a década de 1980.

Quando você está ansioso para que seu encontro corra bem ou não tem certeza de como o outro se sente em relação a você, esse estresse pode fazer o cérebro liberar uma molécula chamada hormônio liberador de corticotropina, que aumenta a adrenalina da resposta de "lutar ou fugir". (Esse hormônio também é responsável pela aceleração do coração quando a refeição termina e sua paquera brinca com as chaves perto da porta –você será convidado a entrar ou a noite acabou?) Ao mesmo tempo, essa molécula faz crescer os níveis de cortisol, hormônio que aumenta nos primeiros meses depois de se apaixonar, mas depois cai conforme o relacionamento se estabiliza.

A sensação provavelmente ocorre porque, além de tudo, essa molécula também retarda o esvaziamento do estômago e, ao mesmo tempo, acelera o cólon, diz Taché. Isso pode acontecer como um meio de proteção, pontua ela: nossos intestinos se tornam mais permeáveis –ou "vazados"– sob estresse, o que pode ser prejudicial se resíduos dentro de nossas vísceras entrem na corrente sanguínea.

Em teoria, aponta, interromper nossos estômagos e esvaziar nossos cólons pode minimizar as chances de isso acontecer.

Contendo o ‘efeito borboleta’

Se as borboletas pegarem você num momento inoportuno, existem algumas maneiras de enganar seu intestino para que ele volte ao normal, diz Keefer.

Uma solução é usar técnicas de respiração profunda como "respiração na caixa" –quando você inspira lentamente pelo nariz contando até quatro, depois prende a respiração contando até quatro, depois expira contando até quatro e depois prende a respiração repetindo a contagem. Em cada período, imagine-se desenhando o lado de um quadrado até visualizar uma caixa completamente fechada.

Pessoas que têm os distúrbios mais comuns da conexão intestino-cérebro, como indigestão crônica ou síndrome do intestino irritável, sabem que as borboletas podem se tornar um problema real, especialmente se causarem dor de barriga ou vontade de evacuar. Em tais situações, medicamentos prescritos como antidepressivos tricíclicos podem ajudar a evitar uma reação exagerada do intestino. Estudos mostraram que a terapia cognitivo-comportamental e a meditação também ajudam em longo prazo.

Ainda assim, o frio na barriga ocasional geralmente é um fenômeno inofensivo, mesmo que adicione um pouco de caos ao primeiro encontro. Todo mundo tem momentos em que seu estômago e intestino parecem ter vontade própria –e de certa forma eles têm.

Como em qualquer relacionamento, porém, às vezes o cérebro e o intestino só precisam se comunicar bem.

Tradução Luiz Roberto M. Gonçalves

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