Descrição de chapéu Mente

Familiares de pessoas com demência aprovam tratamento com óleo de cannabis

Relatos indicam que pacientes tiveram seus sintomas controlados após uso do produto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Natal (RN)

"Minha mãe reviveu". Jussara Ribeiro resume, com essas palavras, as mudanças que sentiu desde que a mãe, Maria José, começou a ser tratada com óleo de Cannabis Sativa, nome científico da maconha.

São sete anos desde o diagnóstico de Alzheimer, vivendo entre períodos em que a própria casa não era reconhecida. Hoje, aos 79 anos, tem este sintoma controlado. "Ela aponta a casa, a igreja, gosta de conversar, de ir na rua. Eu falo que está serelepe. Vejo que está tendo essa vontade de vida", diz sua filha Jussara.

Respostas positivas ao uso de derivados da cannabis se multiplicam pelo Brasil, e são vistas como reflexo da melhora nos sintomas em diversas condições de saúde, entre elas o Alzheimer e outras demências, afirmam especialistas.

Mãe e filha
Jussara Ribeiro, 45 anos, desempregada. É a principal cuidadora da mãe, Maria José Ribeiro Leme, 79 anos, que foidiagnosticada com Alzheimer e faz tratamento com óleo de cannabis. - Zanone Fraissat/Folhapress

Em 2022, cerca de 80 mil autorizações para importação desse tipo de produto foram concedidas a pessoas físicas com prescrições médicas, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O número é 94 vezes maior que o registrado em 2015, quando as operações passaram a ser admitidas, e não inclui acessos legais em farmácias ou via associações que apoiam o uso terapêutico.

Atualmente desempregada, Jussara já obteve o óleo com a instituição Cultive, e agora recebe apoio da Abrace, que está entre as principais referências no país. O caminho que a levou até a cannabis, o Alzheimer, é a forma mais comum de demência. A síndrome não tem cura e afeta pelo menos 2 milhões de pessoas no Brasil.

Jussara lembra que a mãe "tomava 20 comprimidos por dia. Ficava apática". Após introduzir o óleo da planta "toma banho sozinha, se alimenta bem, dorme bem, tem alegria. A cannabis tem estabilizado os sintomas". O apelido que ganhou na infância é uma das memórias que guarda. "Lia". É como Maria José gosta de ser chamada.

É também a filha a responsável pelos cuidados de Maria de Lourdes Lira, diagnosticada com demência em 2018. A decisão de Valeska Lira de introduzir o óleo ocorreu devido à agressividade da mãe associada à falta de resultado de outros medicamentos.

"Uma amiga me ofereceu o vidro que a mãe, que já havia falecido, tomava", lembra. "No dia seguinte eu disse ‘mãe, a gente vai te dar esse 'oleozinho' para ver se melhora. A mudança foi impressionante".

A demência, seguida de um AVC (acidente vascular cerebral), havia piorado com a morte do pai, que viveu 15 anos com Parkinson. "Se eu tivesse tido a oportunidade de dar o óleo a ele, tenho certeza de que teria sofrido menos", diz a filha.

"Hoje minha mãe vive no mundo dela, tem horas que não sabe quem sou, mas não sente dor. Passou a sair, fazer fisioterapia e coisas que sempre gostou de fazer, como passar o batom e o pó dela. Ela não conseguia ficar três segundos na cadeira e agora está sentada, assistindo. Eu posso estar na lua se eu souber que está bem".

Ana Cristina Cânedo, Secretária Geral da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, observa que os principais estudos sobre uso de canabinóides nas demências são relacionados ao controle de sintomas comportamentais.

"No entanto, os resultados não são uniformes, envolvem grupos pequenos de pacientes e uma duração muito curta de acompanhamento. Na maioria dos estudos há tendência de melhora, porém, as evidências científicas ainda são muito fracas para recomendação formal", pontua.

Sidarta Ribeiro, professor e pesquisador do Instituto do Cérebro, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), afirma que a base científica para tratamentos de Alzheimer e outras demências é crescente.

"E, no caso do Alzheimer, a gente não está falando só de interromper o processo de neurodegeneração que leva à demência, mas até de reverter", frisa o neurocientista, ressaltando ainda o aumento da demanda. "Quando as pessoas precisam daquilo para a própria saúde elas se tornam rapidamente curiosas, corajosas e sem preconceitos. E mesmo pessoas muito conservadoras e anti-maconha mudam de opinião quando aquilo atinge a elas."

Pedro Mello, médico prescritor de cannabis desde 2014, também vê o aumento da demanda e, no Instituto do Cérebro, vai avaliar o impacto da Cannabis Sativa L. em parâmetros como cognição e humor de idosos com Alzheimer e outras demências. "A intenção é registrar, colocar na academia as melhoras observadas em consultório", diz.

O médico conta que "cuidadores chegam exaustos e quando conhecem as possibilidades de melhora terapêutica alguns falam ‘vou querer para mim também’, porque existe um alto nível de ansiedade e comprometimento da qualidade de vida das pessoas que cuidam".

Jussara, filha de Lia, começou a tomar o óleo para aliviar a artrite reumatóide. Já a terapeuta holística Aldilene Antonow, vez ou outra pega gotas emprestadas do marido, José Carlos. Ela usa contra o estresse, enquanto ele trata a demência progressiva há um ano.

"O óleo foi um divisor de águas para a saúde dele e para o nosso casamento", diz Aldilene. O acesso é pela associação Reconstruir. "Eu era totalmente contra a cannabis. Para mim ela era uma droga, mas hoje sou defensora. Meu marido está voltando a estudar, está mais calmo. Está querendo voltar a viver".

O professor universitário Fábio Rodrigues cuida da mãe com Alzheimer, Maria Lúcia, desde 2018. No ano passado, ela começou a apresentar alucinações e "surtos de agressividade". Quando via o filho, que pensava ser um estranho, gritava que "um homem" estava ali.

"Quando o geriatra prescreveu a cannabis, a agressividade foi se reduzindo e ela voltou a me reconhecer, a levantar a cabeça, a prestar atenção nas conversas em volta dela", diz ele. "Mas aí, depois de 60 ou 70 dias, parecia em estado catatônico. Ficava de olho arregalado, olhando para o vazio. O médico associou à cannabis".

O uso da substância acabou reduzido e, depois, foi suspenso. "Ela voltou a ser uma paciente que a gente consegue tratar, sem as dificuldades que a agressividade trazia", afirma. "A cannabis funcionou para ela. A dificuldade de cuidar ficou mais amena."

A vida de cuidador, porém, tem exigido de Fábio "nervos de aço". "Eu encaro como, além de obrigação, um ato de amor. É isso o que acaba sendo."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.