Fumar maconha pode causar dependência; conheça o consumo de risco

Usar a droga em maior quantidade do que a intenção inicial e ter conflitos em decorrência da utilização são sinais de alerta

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Dana G. Smith
The New York Times

Fumar maconha sempre havia sido, para Julian, uma atividade social. Ele experimentou a maconha pela primeira vez quando estava no colégio. Já adulto, fumava duas ou três vezes por mês com amigos. Mas isso mudou quando ele foi viver em outra cidade onde não conhecia ninguém. Julian (que omitiu seu sobrenome para falar de uma condição médica delicada) tinha pouca vida social, então começou a fumar sozinho para passar o tempo.

"A maconha virou minha amiga", diz. "Eu saía do trabalho e fumava simplesmente porque estava entediado."

Em pouco tempo sua vida começou a girar em torno da cannabis. Fumar maconha nunca o atrapalhou no trabalho, mas o impedia de fazer praticamente qualquer outra coisa. "Quando você se muda para uma cidade nova, geralmente estabelece relacionamentos novos, e eu não estava fazendo nada disso", conta. "Estava vivendo quase como um recluso."

Ilustração maconha
Ao contrário do que se acredita, a maconha causa tanto vício quando outras drogas, como álcool e cocaína - Nadia Hafid/The New York Times

Foi apenas quando conversou com um amigo que Julian entendeu que talvez tivesse um problema. Ele pensara "que era impossível ficar viciado" em maconha. Mas, quando procurou online a definição de transtorno de uso de cannabis, percebeu que satisfazia quase todos os critérios.

Apesar da ideia equivocada comum em contrário, as pessoas podem criar dependência da cannabis, exatamente como pode ocorrer com outras drogas, como álcool ou cocaína. À medida que mais estados americanos descriminalizam ou legalizam, mais pessoas que nunca a estão usando.

Segundo a Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde, em 2021 cerca de 19% dos americanos de 12 anos ou mais usavam e quase 6% dos adolescentes e adultos atendiam os critérios de transtorno de uso de cannabis, o nome clínico da dependência de maconha. (A título de comparação, 11% dos americanos de 11 anos ou mais têm transtorno de uso de álcool.)

"A maioria das pessoas que usa cannabis não têm problemas relacionados ao uso e não vão desenvolver o transtorno", diz Ayana Jordan, professora de psiquiatria na NYU Langone Health. Mas "o simples fato de a cannabis estar sendo legalizada –e eu, pessoalmente, penso que ela deve ser— não quer dizer que ela não encerre problemas".

As consequências potenciais da dependência de maconha não são tão graves quanto as ligadas a outras drogas como os opiáceos, com os quais o risco de morte por overdose é uma preocupação enorme. Mas a dependência de maconha "pode provocar uma deterioração marcante na qualidade de vida", diz Christina Brezing, professora assistente de psiquiatria na Universidade Columbia.

Veja o que você precisa saber.

Sinais de dependência

Para definir o transtorno de uso de cannabis, a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, usa 11 critérios que se enquadram em quatro conjuntos de sintomas (os mesmos critérios diagnósticos se aplicam a todos os transtornos por uso de substâncias). Se você satisfaz pelo menos dois dos critérios abaixo, é classificado como tendo o transtorno:

Perda de controle

  • Consumir a droga em quantidade maior ou com mais frequência do que era sua intenção
  • Passar muito tempo em posse e usando a maconha
  • Sentir uma ânsia ou desejo incontrolável de usá-la
  • Tentar parar de usar ou buscar diminuir e não conseguir

Consequências interpessoais

  • Abrir mão de outras atividades sociais ou recreativas para fumar maconha
  • Ter conflitos com outras pessoas devido a seu uso
  • Descumprir suas obrigações no trabalho ou em casa em consequência da maconha

Consumo de risco

  • Colocar-se em situações potencialmente perigosas para obter ou usar maconha
  • Continuar a usar maconha, apesar dos efeitos físicos e psicológicos negativos

Dependência física

  • Desenvolver tolerância –ter necessidade de usar mais da droga para alcançar o mesmo efeito
  • Sofrer sintomas de abstinência quando você para de usar a maconha, como insônia, mau humor, ansiedade, depressão e perda de apetite

Fatores de risco

Há alguns fatores de risco que podem aumentar a probabilidade de uma pessoa desenvolver o transtorno de uso de cannabis. Um deles é começar a usar maconha na adolescência.

"O transtorno ocorre em todas as faixas etárias, mas é sobretudo uma doença de adultos jovens", afirma David Gorelick, professor de psiquiatria na Escola de Medicina da Universidade de Maryland. "E há evidências de que quanto mais jovem a pessoa é quando começa a usar maconha, mais rapidamente ela vai desenvolver o transtorno e pior será o transtorno."

Ter outro diagnóstico psiquiátrico, como ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, também está ligado a um risco aumentado. Uma razão possível é que algumas pessoas se automedicam com maconha, e, quanto maior é seu consumo, maior é a probabilidade de desenvolverem dependência química da droga.

"Eu diria que, se você está fumando diariamente e em quantidade elevada, dificilmente vai deixar de desenvolver tolerância e ter sintomas de abstinência", pontua Brezing. "Mas é possível usar maconha diariamente e não ter o transtorno."

Opções de tratamento

Não há medicamentos aprovados para tratar o transtorno por uso de cannabis, mas psiquiatras que trabalham com dependentes químicos às vezes prescrevem remédios que ajudam a aliviar os sintomas de abstinência, incluindo a perda de apetite e a insônia.

A maioria das intervenções para combater a dependência de maconha envolvem diferentes tipos de terapia, como a terapia de aprimoramento motivacional e a terapia comportamental cognitiva. Elas visam ajudar as pessoas a desenvolver estratégias para enfrentar a ânsia de usar a droga.

"Você tenta trabalhar com os gatilhos", diz Jordan. "Você se esforça para entender o que o motiva a querer parar de usar e então procura fortalecer essas motivações."

A terapia também pode ser útil para pessoas que têm outros problemas psiquiátricos que podem os estar levando a usar a maconha.

Foi o caso de Julian. Entendendo que tinha um problema, ele começou a se tratar com uma terapeuta, que diagnosticou ansiedade e o ajudou a controlar seus sentimentos de maneiras mais sadias.

Hoje Julian fuma maconha muito raramente –apenas a cada poucos meses, se estiver com um velho amigo. Disse que não sente falta da droga. "A clareza mental que tenho agora me faz ver que, antes, eu não estava realmente prestando atenção à vida à minha volta."

Tradução de Clara Allain

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