Quatro qualidades humanas que a inteligência artificial não consegue copiar

Espontaneidade e ética estão entre as características que a tecnologia não possui

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Agustín Joel Fernandes Cabal
BBC News Brasil

Há centenas de anos, o ser humano vem estudando e tentando elucidar o que o distingue dos animais. A Biologia, a Sociologia, a Antropologia e até a Filosofia se alimentam desta questão existencial. O próprio Direito já estabeleceu que certos grupos de animais, em certas circunstâncias, podem ser considerados "pessoas jurídicas".

E a inteligência artificial? Terá ela direitos? Terá direito... à vida?

O desenvolvimento hipersônico da inteligência artificial fez surgir um novo elemento –talvez O Quinto Elemento, como no filme de 1997– que não é feito nem de terra, nem de fogo, nem de ar e nem de água. Trata-se da antivida –a inteligência artificial que obriga a humanidade a confrontar-se com um superpoder criado por ela própria.

Mulher com robô
A inteligência artificial pode fazer muitas coisas melhor do que nós, mas não consegue copiar certas características humanas - Getty Images via BBC

A inteligência artificial supera sem pestanejar o teste de Turing, a clássica ferramenta de avaliação da capacidade das máquinas de exibir comportamento inteligente.

No filme Blade Runner – O Caçador de Androides (1982), já era difícil diferenciar os seres humanos dos robôs.

Quase sempre, a emoção era o fator humano que fazia com que os robôs e as máquinas caíssem na armadilha e se revelassem, embora as lágrimas na chuva do androide replicante Roy Batty sejam as mais emocionantes da história da ficção científica no cinema.

Mas o que irá acontecer a partir de agora? O que será humano quando a inteligência artificial ocupar tudo? Que teste iremos inventar para detectá-la?

A geração espontânea

Um dos aspectos notáveis que separam os seres humanos da inteligência artificial é a geração espontânea de ações e conhecimento –o impulso.

O ser humano é um criador espontâneo do todo. Uma pessoa pode acordar algum dia e imaginar uma ideia, uma história ou um poema, um pensamento criativo.

A partir da sua história pessoal, o ser humano cria novos conhecimentos, novas histórias e novas experiências. E não existe Inteligência artificial que gere conhecimento ou realize ações espontaneamente.

Em um artigo publicado na revista Nature, os cientistas Miguel Aguilera e Manuel Bedia, da Universidade de Zaragoza, na Espanha, concluíram que é possível chegar a uma inteligência que gere mecanismos para adaptar-se às circunstâncias.

Isso poderia ser similar à ação espontânea, mas está distante de ser um ato produzido pela vontade. Toda ação realizada pela inteligência artificial é projetada e programada por uma pessoa.

Por isso, improvisar em uma banda de jazz continuará sendo privilégio dos seres humanos.

A regra da ética

O que nos leva à segunda grande diferença: a ética.

A inteligência artificial e as máquinas, intrinsecamente, não têm ética. É preciso incuti-la. Elas seguem apenas parâmetros pré-estabelecidos, regras claras e precisas do que precisa ser feito.

O ser humano dispõe de um regulamento (constituição, leis, religião etc.) sobre o que deve fazer e também tem claro o que não deve fazer. Mas a ética é mais do que um regulamento; ela vai além da simples orientação.

A ética é, nada mais, nada menos, o discernimento entre o bem e o mal. Ela é tão importante na nossa espécie que já se descobriu que bebês de cinco meses fazem julgamentos morais e agem de acordo com eles.

Quem tem ética são as pessoas que programam as máquinas e a inteligência artificial.

Uma máquina não é boa, nem ruim. Ela é eficaz. Ela faz o que a mandam fazer e para o que foi programada.

É claro que é possível programar ética. O físico espanhol José Ignacio Lattore explica esta questão no seu livro Ética para Máquinas. Para ele, "a inteligência artificial irá se sentar no Conselho de Ministros".

Atualmente, o ChatGPT está programado para não difundir conteúdo sensível e não oferece acesso à deep web. Por isso, é possível programar com base nas ideias de ser e do que deve ser. No entanto, à medida que o tempo passa e os parâmetros éticos se modificam, eles devem ser corrigidos para que a base normativa da inteligência artificial vá ao encontro à do ser humano.

Robô e humano
Os seres humanos podem transferir algumas de suas características para a IA, mas ela não pode gerá-las sem ajuda - Getty Images via BBC

A intenção só pode ser humana

Outro aspecto importante é a intenção, e a intenção das ações humanas está intrinsecamente relacionada com a moralidade.

No seu livro Intenção, a filósofa britânica Elizabeth Anscombe (1919-2001) defende que a intenção não pode se restringir a meros desejos ou estados psicológicos internos.

Para ela, a intenção é uma característica essencial da ação e está intrinsecamente relacionada com a responsabilidade moral. Por isso, não é possível separar a intenção da ação propriamente dita, determinando se um ato é moralmente correto ou incorreto.

Elizabeth Anscombe critica as teorias éticas centralizadas apenas nas consequências das ações, sem considerar a intenção que as antecipa.

Por não possuir ética e moral, a inteligência artificial não possui intenção. A intenção continua sendo restrita ao programador.

Mas cada um dos três aspectos listados até aqui exige páginas e mais páginas para esclarecimento.

Sem remoer-se e sem problemas psicológicos

É quase provocador perguntar quais são as diferenças e não as similaridades.

As diferenças são claras. A IA não tem experiências, nem história. Não tem psicologia, nem problemas psicológicos. Não fica remoendo suas ações, o que é um aspecto fundamental da sua separação da ética e da moral.

A IA não ama, nem é amada. Não sofre, nem sente dor. Não tem opinião própria, porque nada é próprio dela.

Se o ChatGPT sair de moda (o que duvido) e não for mais consultado, sua existência é inútil. Ele só existe se for útil para o ser humano. Não tem identidade - sua identidade é uma construção humana.

A IA também pode ser destrutiva. Ela pode não só eliminar milhões de empregos em todo o mundo, mas também causar uma posição reduzida no mundo produtivo, sem falar nas especulações apocalípticas da ficção científica.

Por fim, tudo depende do próprio ser humano. A decisão de utilizar a inteligência artificial como ferramenta construtiva ou destrutiva está em nossas mãos.

Mas, se alguém, no futuro próximo, duvidar da sua natureza, vamos incluir na sua alma sintética uma armadilha –um piscar de olhos que nos recorde, em caso de necessidade, que estamos tratando com um elemento não humano: um quinto elemento.

* Agustín Joel Fernandes Cabal é pesquisador em pós-doutorado em filosofia da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente aqui.

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