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Mulheres ficam sobrecarregadas durante o recesso de cuidadores profissionais

Somar as tarefas da vida profissional ao cuidado com familiares, sem tempo para descansar, pode levar à estafa

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São Paulo

Nas férias escolares, Steffany Gomes, 33, acorda mais cedo, adianta os afazeres de seu trabalho para quando sua filha de três anos acordar, iniciar sua jornada nas tarefas de cuidado. No dia a dia, Gomes trabalha dois dias presenciais e faz home office nos outros três. Sua filha fica na creche entre 7h e 17h.

Ela conta que, durante os recessos, precisa lidar com o cuidado da filha e seu trabalho profissional. "Eu fico em casa e é um caos a rotina, preciso parar no horário dela para dar almoço, para dar café, acordou a gente tem que dar atenção, é bem difícil", afirma.

Cintia Gerard, 34, cuida da sogra que está acamada devido ao Alzheimer, ao Parkinson e à fibromialgia. Sua sogra mora, atualmente, em um lar de permanência de idosos por necessitar de cuidados intensivos e em tempo integral.

Fotografia mostra uma mãe asiática falando ao celular ao lado de duas crianças
Mulheres que adicionam as tarefas da vida profissional com as de cuidados com filhos e outros familiares podem sofrer de estafa mental - Jacob Lund/Adobe Stock

A nora narra que diariamente visita o lar para levar alimentação, que é por meio de sonda, medicamentos e itens de higiene pessoal. Para a nora, a rotina é cansativa, mas "no final de ano, fica um pouco mais complicado, porque as agendas de trabalho se intensificam e os profissionais [do lar de permanência de idosos] saem de férias".

Gerard conta que os serviços básicos de cuidado, como a alimentação e o banho, não sofrem interrupções. Porém, a assistência de profissionais de saúde e médicos é mais escassa. "A própria diretoria do lar fala que o quadro está bem reduzido", afirma.

"Mas o cuidado dela e a presença da família têm que ser diários. Até porque a gente tem, pelo estatuto do idoso, que prestar esse serviço. Nós sabemos da responsabilidade afetiva, mas também da responsabilidade legal e social em prestar essa assistência independente da época", diz Gerard.

A psicóloga Aline Couto explica que a divisão do trabalho coloca mulheres muito mais na esfera de trabalho de cuidado. "É o trabalho para o outro, que envolve prestar atenção e organizar detalhes que envolvem outras pessoas e ainda pensar em si próprias", diz.

Para a psicóloga, essas demandas fazem com que as mulheres se sintam cada vez mais sobrecarregas.

Além da atenção diária, Gerard afirma que precisa se planejar para o fim de ano, já que algumas farmácias, que vendem insumos mais específicos também entram de recesso. "Tenho que me antecipar, a dieta dela tenho que comprar em dobro, a fralda tem que ser em dobro. Tenho que estar atenta não só na questão do cuidado, mas na questão de insumos para o cuidado diário dela."

Couto ressalta que esse planejamento também é uma sobrecarga mental para as mulheres. "A gente aprende desde criança a pensar no que é preciso ser feito. Essa é uma divisão que está na sociedade, por mais que você possa tentar diminuir essa carga sobre você, o mundo lá fora vai te cobrar", diz.

Gomes afirma que, mesmo dividindo o cuidado com o pai da filha, "a mãe fica com mais responsabilidade de ficar em casa, de ficar com a criança", conta. "Meu marido busca ela na creche. Às vezes, acontece de ter trânsito, eu já fico preocupada de ele não conseguir chegar no horário."

Ela também destaca que não consegue confiar o cuidado da filha a uma babá, por exemplo. "Eu poderia contratar uma pessoa para ficar com ela o dia inteiro, mas muitas vezes a gente vê em reportagens que o próprio pai abusa das crianças, imagina uma pessoa que a gente não conhece? Eu tenho essa insegurança", diz.

A vida profissional das mulheres acaba sendo afetada por esse turno a mais. Gomes conta que sua empresa entende quando ela precisa fazer home office e sua chefe é flexível. "Mas eu não estou ali na empresa nos dias que o meu time tem que estar, isso me deixa insegura."

Gerard também fez o planejamento de sua vida profissional pensando nos cuidados com a sogra. "Eu optei por trabalhar em um local extremamente perto de onde ela está para dar essa assistência mais intensiva", afirma.

A psicóloga Aline Couto entende que, apesar da sobrecarga, esses trabalhos de cuidado são emocionalmente importantes para as mulheres. "Se fosse só ruim, a gente poderia não fazer. Mas têm outras consequências, tem esse senso de comunidade que geralmente é muito importante para as mulheres também", explica.

Gerard conta que é cansativo o cuidado com a sogra. "Mas o que motiva a gente diariamente é saber que estamos proporcionando o melhor para ela. Um dia, ela não vai estar mais aqui, o tempo dela está acabando, então a gente se esforça ao máximo para dar mais conforto."

Couto ressalta que é importante perceber quando esse trabalho de cuidado sobrecarrega excessivamente. "A estafa tem a ver com a aceleração mental, o sentimento de que você não consegue descansar, quando isso vira uma coisa que você não consegue desligar seu pensamento. É diferente de um cansaço que você descansa e está melhor no outro dia", afirma. A psicóloga afirma que é preciso dar atenção aos sentimentos para evitar esses esgotamentos.

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