DNA pode deixar bebês mais vulneráveis ao zika, diz estudo

Pesquisa da USP foi feita com três pares de gêmeos não idênticos

Reinaldo José Lopes
São Carlos

Diferenças genéticas talvez ajudem a explicar por que apenas alguns dos bebês gestados durante a epidemia de zika hoje sofrem com as graves sequelas neurológicas causadas pelo vírus da doença. As pistas a esse respeito vêm de um estudo que comparou o DNA de irmãos gêmeos não idênticos, dos quais apenas um teve o sistema nervoso afetado pela zika ainda na barriga da mãe.

Imagem mostra um mosquito Aedes aegypti dentro de um tubo de ensaio
Mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão da dengue, zika e chikungunya - Apu Gomes/AFP

A pesquisa, publicada por cientistas da USP, do Instituto Butantan e de outras instituições brasileiras, acaba de sair na revista especializada de acesso aberto "​Nature Communications".

"É a primeira vez que esse tipo de comparação direta, envolvendo bebês afetados, indica que há uma susceptibilidade genética ao vírus", disse à Folha uma das coordenadoras do estudo, Mayana  Zatz, do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco da USP.

Originalmente, os pesquisadores tinham mapeado um total de nove pares de gêmeos nos quais ao menos uma das crianças tinha sido afetada pela síndrome congênita do zika, que inclui efeitos como microcefalia (cérebro bem menor que o normal), deficiências visuais e auditivas e problemas na estrutura cerebral.

Desses pares de gêmeos, nascidos em Pernambuco, na Bahia, na Paraíba e em São Paulo, dois eram formados por meninas idênticas (ambas com a síndrome), enquanto os outros sete eram bivitelinos —em geral, casais— e em seis deles havia apenas uma criança afetada.

A situação dessas duplas, chamadas discordantes, era sugestiva porque a semelhança genética entre gêmeos bivitelinos não é maior do que a que existe entre irmãos que nasceram de gestações diferentes. Em média, ela é de 50%, enquanto a que existe entre gêmeos idênticos se aproxima dos 100%.

O primeiro passo do trabalho, portanto, foi conduzir uma análise comparativa de boa parte do DNA de oito dos pares de gêmeos, a partir de amostras de saliva. Esse pente-fino inicial não revelou nenhuma variante genética que parecesse estar associada de modo muito forte à vulnerabilidade diante do vírus, sinal de que provavelmente vários genes diferentes seriam fatores de risco.

Neurônios de Laboratório

Há, além disso, um jeito de simular como o sistema nervoso das crianças, durante a gravidez, reagiu à zika. A partir de células do sangue de três dos pares de gêmeos discordantes, os cientistas desenvolveram células progenitoras neurais, ou seja, as células que dão origem aos neurônios e outros componentes do cérebro. Tudo indica que a zika afeta justamente o processo de multiplicação e especialização dessas células nos fetos, gerando as anomalias em seu sistema nervoso.

Em laboratório, as células progenitoras neurais dos bebês afetados se comportaram de modo característico: o vírus conseguia se multiplicar com facilidade bem maior nelas do que nas células derivadas das crianças sem problemas neurológicos.

Além disso, outro autor do estudo, Sergio Verjovski-Almeida, do Instituto Butantan, coordenou análises do padrão de ativação e desligamento dos genes de ambos os grupos de células. Dezenas de genes parecem ficar ativos ou inativos de forma distinta em cada um dos tipos de células, vários dos quais estão ligados ao desenvolvimento do sistema nervoso e ao processo de especialização das células, como seria de esperar.

Ainda falta muito para elucidar os detalhes que levam à vulnerabilidade de certos fetos diante do zika, mas essas primeiras pistas poderiam ajudar a explicar porque certas populações foram afetadas de forma bem mais severa pelo vírus do que outras.

Casos de microcefalia, embora relativamente comuns no Nordeste e no Rio de Janeiro, não foram registrados durante gestações de mães infectadas pelo zika em São José do Rio Preto (SP). Pequenas diferenças étnicas entre esses grupos —ou seja, sutis variações genéticas— podem ter algo a ver com isso?

"É plausível, embora a gente ainda não tenha investigado isso", diz Zatz. "No futuro, talvez isso nos ajude a identificar populações que correm mais risco."

Em última instância, a ideia é que os dados ajudem tanto na prevenção quanto no combate à doença. Se as variantes genéticas mais vulneráveis forem identificadas, seria possível, em princípio, achar meios de proteger esse tipo de calcanhar-de-aquiles.

Um sinal do que pode ser feito está na nova pesquisa: usando uma droga que interfere com um sistema de sinalização das células ligado a um dos genes estudados, os pesquisadores conseguiram bloquear o espalhamento do vírus.

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