Projeto retrata alimentação de crianças em diferentes países e compara hábitos

Para fotógrafo americano Gregg Segal, dietas se parecem por causa de itens industrializados

Imagem mostra criança indígena com pintura vermelha sobre os olhos e ao seu lado há alimentos como banana e tapioca
Kawakanih Yawalapiti, 9, do Alto Xingu, no Mato Grosso, com os alimentos que costuma comer - Gregg Segal/Daily Bread
Mariana Versolato
São Paulo

Um garoto na Sicília (Itália) e outro em Los Angeles (Estados Unidos) estão a milhares de quilômetros de distância, mas comem as mesmas coisas: pizza congelada, hambúrguer industrializado, massas prontas e barras de chocolate cheias de açúcar. Parecem, inclusive, ter comprado os itens juntos, no mesmo supermercado. 

Os efeitos do acesso fácil e globalizado a alimentos ultraprocessados estão estampados no projeto Daily Bread (pão diário), do fotógrafo americano Gregg Segal (www.greggsegal.com). Também estão lá as peculiaridades preservadas em diferentes culturas, especialmente as indígenas, ainda com pouco acesso a cereais de caixinha e comidas prontas.

Segal começou a investigar semelhanças e diferenças nos hábitos das pessoas com o projeto Seven Days of Garbage (sete dias de lixo), em 2014. Pedia aos seus voluntários que guardassem tudo que jogariam fora nesse período e os fotografava rodeados de sua produção. Viu, então, que muito desse entulho eram embalagens de comida.

“Comecei a pensar que havia paralelos entre a forma que a gente se alimenta e a forma como a gente trata o planeta. E aí me fiz a pergunta: o que tem na comida que a gente come e por que tanto do que a gente come vem em embalagens?”, disse ele à Folha em entrevista por telefone. 

Seus primeiros retratados foram seu filho, de 11 anos, e os colegas dele. Decidiu então expandir o projeto para fora da Califórnia, onde vive. Arrecadou dinheiro via crowdfunding e viajou para Índia e Malásia.

Quando retornou aos EUA, publicou as fotos na revista Time e na alemã Geo. Cada uma decidiu financiar novas sessões de foto no Senegal e na Alemanha.

Foi ainda para Itália, França e Emirados Árabes. Em agosto deste ano, esteve no Brasil. Gastou no total US$ 80 mil (cerca de R$ 323 mil) com o projeto.

A produção requer, primeiro, encontrar crianças com diferentes perfis e pedir que elas anotem tudo o que comerem durante uma semana. Também estão envolvidos cozinheiros para recriar toda a alimentação e um food stylist.

A mesmice na alimentação logo chamou a atenção do fotógrafo. “A globalização traz essas semelhanças assustadoras, essa homogeneização.  Muitas culturas parecem estar se perdendo.”

Outro aspecto do projeto é como crianças ricas e pobres se alimentam —e o que é um padrão saudável em um país inverte-se em outro.

Segal explica: “Nos EUA, os pobres geralmente são os que se alimentam pior porque fast food aqui é muito barata e de fácil acesso. Um hambúrguer pode custar US$ 1. Já na Índia, fast food é algo caro, símbolo de status. Os mais pobres não têm dinheiro para comer frango KFC ou uma pizza Domino’s. Mas, mesmo com pouco dinheiro, os pais indianos vão à feira e compram frutas, grãos, uma variedade de alimentos saudáveis e cozinham um curry em casa, por exemplo. Ironicamente, essa criança sem tantos recursos se alimenta melhor do que a americana de classe média.”

No Brasil, o fotógrafo viu um pouco de Índia e de Estados Unidos, digamos. 

Com a ajuda de Anna Penido, Ana Paula Boquadi e Tainá Förthmann, ele montou base em Brasília, onde fotografou crianças de diferentes origens  —moradoras de favelas, comunidades indígenas e prédios de classe média alta. Viu a presença de industrializados de marcas internacionais na alimentação de muitas delas, exceto na da índia Kawakanih Yawalapiti, 9, e de Ademilson Francisco dos Santos, 10, de uma pequena comunidade em Goiás  (veja foto ao lado) .

Da tribo yawalapiti, na porção sul do Parque Indígena do Xingu, Kawakanih é uma das sete pessoas que ainda falam a língua arawak, por insistência da mãe. Fala também outras duas línguas, incluindo português. Sua alimentação consiste de peixe, tapioca, frutas e castanhas. “Leva cinco minutos para obter o jantar”, disse ela em depoimento a Segal. “Quando você está com fome, simplesmente vai para o rio com a sua rede.”

“Foi revigorante retratar as comunidades indígenas e ver alimentações que não mudam muito ao longo das gerações,  basicamente com o que há disponível por perto”, diz Segal. “Não há açúcar refinado nem embalagens plásticas envolvendo os alimentos.”

O fotógrafo diz ter reparado também em uma espécie de reação à industrialização por parte das classes mais privilegiadas, que lutam por orgânicos e fazem compras em mercados do tipo Whole Foods. São essas mesmas classes, porém, que, segundo Segal, mimam seus filhos e permitem que eles escolham o que querem comer —geralmente, junk food.

“Perguntei aos pais de uma colega do meu filho que eu fotografei onde estavam os legumes. A resposta foi: ‘ela não come’. Claro, porque tudo que é oferecido a ela são sal, gordura e açúcar. As gerações mais novas têm abordagens, digamos, diferentes sobre a criação de filhos”, afirma.

Para ele, grande parte do projeto é sobre parar para pensar no que estamos comendo —a pergunta que o levou a essa expedição e que ele fez a si mesmo. 

“Estamos tão ocupados no dia a dia, correndo de um lado para o outro, que nem pensamos direito no que estamos ingerindo. Quando você repara no que comeu durante uma semana e percebe que a sua rotina não é muito saudável, isso te atinge de uma maneira incômoda.”

Segal propõe a todos o que ele chama de “desafio daily bread”. “Não precisa nem fotografar ou anotar, basta refletir a respeito.”

As fotos do projeto devem virar um livro a ser lançado nos EUA em março de 2019. 

Erramos: o texto foi alterado

Uma versão anterior deste texto citava incorretamente o nome de Anna Penido, que ajudou o fotógrafo Gregg  Segal na produção das fotos no Brasil.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.