Startup promete saúde renovada com transfusão de sangue de jovens

Sem comprovação de eficácia, empresa cobra US$ 8 mil por tratamento com plasma de pessoas entre 16 e 25 anos

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Los Angeles

Numa terra de unicórnios e carros que se dirigem sozinhos, “garotos do sangue” viraram mais uma lenda urbana para hackear a imortalidade. A ideia, sem comprovação científica, é que receber sangue de jovens pode ser benéfico para a saúde.

Foi assim num episódio da série cômica “Silicon Valley”, quando um jovem atlético chega no meio de uma reunião para doar sangue a um chefão do Vale do Silício

Transfusão de sangue durante reunião na série "Silicon Valley"
Transfusão de sangue durante reunião na série "Silicon Valley" - Reprodução/HBO

Tão estranho quanto a ficção, já existe uma startup para isso, mas está longe de virar um unicórnio (empresas que valem US$ 1 bilhão). O fundador já foi acusado de práticas suspeitas, e o tratamento não tem comprovação de eficácia. 

Com cinco clínicas nos EUA, a Ambrosia vende 2 litros de sangue por US$ 12 mil (R$ 44,6 mil) e 1 litro por US$ 8 mil. O sangue vem de gente entre 16 e 25 anos, comprado de bancos de sangue.

É possível pagar no site da empresa e receber a transfusão numa consulta em Los Angeles, Phoenix, Tampa, Omaha ou Houston. Os endereços não estão listados publicamente, e a firma tampouco os informa aos jornalistas. 

“O tratamento leva algumas horas. Quando acaba, você se sente um pouco mais jovem, dá uma carga de energia”, disse à Folha por telefone o fundador Jesse Karmazin, 34, formado em medicina pela Universidade Stanford e medalha de prata em canoagem nas Paraolimpíadas de Pequim, em 2008. 

“Já atendemos umas 150 pessoas. Queremos expandir para mais cidades, estamos agora focados na comercialização do negócio”, disse o executivo, que se nega a contar se faz uso do tratamento. “Não temos investidores. É financiado pelos próprios pacientes.”

Karmazin criou Ambrosia em 2016, após largar a residência num hospital em Boston. Ele diz que se sentiu encorajado por diversos estudos com ratos de laboratório feitos no começo dos anos 2000, em Stanford, usando uma técnica centenária chamada parabiose: ratos jovens eram costurados a ratos mais velhos de maneira a fazer o sangue circular nos dois corpos.

“Os ratos mais velhos ficavam mais saudáveis e doenças de idade avançada, como problemas do coração começavam a reverter”, disse Karmazin. “Como médico, tinha interesse em saber se o mesmo poderia acontecer entre pessoas. E a resposta é sim.”

A afirmação choca o meio acadêmico, onde estudos publicados em revistas científicas apontam controvérsias nos resultados de uso de sangue jovem entre ratos. 

Em 2014, biólogos descobriram uma proteína no sangue de camundongos jovens, a GDF11, que, quando injetada em roedores mais velhos, trazia benefícios nos músculos, neurônios e memória. Um ano depois, cientistas notaram que altas doses da proteína podem causar perda de massa muscular nos animais.

Seja como for, Karmazin decidiu fazer seu próprio ensaio clínico em humanos, entre 2016 e janeiro de 2018, com resultados sem previsão de publicação. Cerca de cem pessoas participaram —dois terços homens, todos acima dos 35 anos e com média geral de 60. Eles pagaram pelo tratamento de transfusão de 2 litros de plasma e foram analisados um mês depois.

A pesquisa não contou com placebo, nem com aprovação da Food and Drug Administration (FDA), agência americana de fiscalização e regulamentação de alimentos e remédios, já que transfusão de plasma é uma prática segura, ainda que com outros objetivos.

Karmazin afirma que o ensaio foi um sucesso, até com “melhorias em biomarcadores de câncer”. Mas reportagem do site Huffington Post afirmou que um paciente teve reação anafilática e outros quatro, reações alérgicas. Um quinto morreu aos 65 anos, de parada cardíaca (não ficou claro quando recebeu a transfusão). 

O artigo também afirma que a Ambrosia teria usado plasma de um banco de sangue do Texas que fez uma campanha de doação repleta de prêmios para atrair jovens com a promessa de “ajudar a salvar vidas”. A empresa negou ter vendido o sangue doado, mas uma cláusula no contrato assinado pelos doadores avisava da possibilidade de uso em ensaios médicos.

O plasma sanguíneo, rico em proteínas e nutrientes, é a parte líquida do sangue sem plaquetas e glóbulos. Na esteira dos estudos com ratos em Stanford, outra startup surgiu de olho no sangue dos jovens, a Elevian, que já patenteou descobertas ao redor da GDF11. 

Em setembro, levantou US$ 5,5 milhões de investimentos de Peter Diamandis, uma das diversas figuras do Vale que apostam grande em soluções tecnológicas de rejuvenescimento. 

Até pouco tempo, sangue no Vale do Silício evocava uma das maiores histórias de fraude da região, com a falência de Elizabeth Holmes, a promissora estudante que largou Stanford para fundar a fraudulenta Theranos, que prometia uma forma revolucionária de exames de sangue. 

“Não acho que temos similaridades com a Theranos, estamos baseados num procedimento médico já estabelecido”, diz Karmazin.

Quanto à eficácia, ele tem apenas promessas. “Recomendamos um ou dois tratamentos por ano, mas varia”, disse. “Tem gente mais doente que pode precisar de mais, e gente mais jovem que quer ficar saudável por mais tempo.”

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