'Não faz sentido testar todo mundo para coronavírus', diz David Uip

Para infectologista, testes importam para mostrar circulação no país, mas não mudam tratamento

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São Paulo

O infectologista David Uip, que está coordenando um comitê de contingenciamento para enfrentar a chegada do coronavírus em São Paulo, diz que não vê sentido na realização de testes diagnósticos em todas pessoas com sintomas da doença.

Segundo ele, os testes são importantes apenas em dois momentos: para confirmar a chegada do vírus ao Brasil e para checar se está havendo contaminação entre pessoas que não viajaram para o exterior.

 "A testagem é importante em termos epidemiológicos, mas individualmente, não. Não muda nada a assistência a esse paciente."

Não há medicamentos que curem a doença respiratória causada pelo vírus —apenas remédios para os sintomas, como febre, coriza e tosse.

Para Uip, a rede paulista de leitos hospitalares é suficiente para atender um eventual aumento de demanda causada pelo coronavírus, uma vez que eles serão destinados apenas aos casos graves.

Em entrevista coletiva nesta quarta (26), Alberto Hideki Kanamura, secretário executivo da Saúde do estado de São Paulo, afirmou que cerca de mil leitos em hospitais públicos de referência no estado estão destinados a quadros graves de coronavírus, caso eles apareçam.  

"Se todo mundo que tossir e tiver febre procurar a rede pública, não tem sistema que aguenta. Nem no Brasil e nem no mundo", disse Uip.

O infectologista David Uip
O infectologista David Uip - Keiny Andrade/Folhapress

Quantos leitos de isolamento o estado de São Paulo terá para os casos de coronavírus?

O número de leitos no estado passa de 10 mil, dos quais 7.000 são de UTI. Alguns hospitais estaduais estão sendo elencados para fazer o atendimento terciário, como o Emílio Ribas de São Paulo, os Hospitais das Clínicas de São Paulo e da Unicamp e o Hospital Estadual de Bauru. São hospitais que já estão prontos para receber os doentes graves, que têm leitos de isolamento, por exemplo.

Mas a rede está sobrecarregada, faltam leitos. Ou não?

A rede de leitos é suficiente, o que precisa é dar velocidade para essa rede. Doentes de UTI ficam internados mais tempo do que deveriam ficar. Também é preciso entender que a maioria dos casos de coronavírus vai ser resolvida na atenção primária. O que está se vendo com o aprendizado da China é um percentual menor de doentes graves do que se imaginava, em torno de 10%.

No final o que vai valer para rede hospitalar é doente grave. Se todo mundo que tossir e tiver febre procurar a rede pública, não tem sistema que aguente. Nem no Brasil e nem no mundo. Precisamos estar prontos para a demanda da alta complexidade.

E a atenção primária está treinada e capacitada para reconhecer e encaminhar esses casos mais graves?Mais de mil funcionários da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo foram treinados, pelo menos um representando cada unidade de saúde.

O fato de o estado de São Paulo estar registrando muitos casos de dengue não piora a situação, especialmente em relação aos diagnósticos?

Dengue é uma preocupação eterna. As doenças virais, e a dengue está incluída, têm manifestações clínicas iniciais muito parecidas, como dor no corpo, mal-estar geral e febre. Com a evolução da doença, define-se uma e outra. E vamos ter daqui a pouco os vírus sazonais, como o Influenza e o rinovírus. E aí uma boa medida será antecipar a campanha da vacinação da gripe. Com isso, você diminui a prevalência de pelo menos três vírus, os dois Influenza A e um B.

Todo mundo que chegar numa unidade de saúde com sintomas será testado para o coronavírus?

Em um primeiro momento é importante testar para afirmar que o vírus chegou ao Brasil. Em um segundo momento, é importante testar para checar se as pessoas se contaminaram sem ter viajado. Na minha opinião, para por aí. Depois de um número, não tem o menor sentido confirmar o diagnóstico etiológico, mesmo porque não tem resposta terapêutica específica. Você não acrescenta nada. Gestor público tem que ter a sabedoria de saber onde precisa investir e onde não precisa. Se você confirma que tem o vírus no Brasil e que há contaminação entre indivíduos que não viajaram, está bom, não precisa ficar testando. Aí você deixa o exame para casos mais graves. Como rotina, não tem o menor nexo.

Mesmo se tratando de paciente privado não tem sentido fazer a testagem?

Aí são escolhas. A testagem é importante em termos epidemiológicos, mas individualmente, não. Não muda nada em termos de assistência a esse paciente.

Há muitos oportunistas de plantão, inclusive médicos, oferecendo supostas terapias preventivas, como vitaminas? O que sr. pensa sobre isso?

Isso é inadmissível. Merece processo ético nos conselhos regionais e federal de medicina. Eu mesmo vi propaganda de médico receitando vitamina D contra o coronavírus. As pessoas têm que ter seriedade. As medidas protetivas a gente já conhece, como lavar as mãos, proteger nariz e boca quando espirra, ficar em casa se tiver sintomas, ter boa nutrição e boa hidratação. O resto não tem nexo nenhum. 

A taxa de transmissibilidade do vírus no Brasil tende a ser menor levando em conta que estamos no verão?

A taxa que estamos vendo no mundo é de um para dois, um para três. Mas isso serve de referência para clima frio. Se você olhar o mapa, são os países que vivem o inverno agora. Na Itália, é a região mais fria. Como ele vai se portar num clima quente como o nosso, ainda não sabemos, não temos essa definição. 

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