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Coronavírus

Plano Doria de vacina é uma promessa vazia se não der certo no resto do país também

Governo paulista precisa explicar melhor a crise com a China e o que vai fazer a respeito

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São Paulo

O plano do governo de São Paulo de dar pelo menos uma dose de vacina a todos os adultos até o fim de outubro pode até dar certo. Mas, se der certo, o Brasil inteiro terá sido assim vacinado também, quase na mesma época.

O plano vai funcionar se houver apenas uma frustração pequena do cronograma de recebimento de vacinas do governo federal, o que é muito incerto e está fora do controle paulista. Mais importante seria explicar o motivo de entregas cada vez mais raras de matéria-prima e cobrar o fornecedor da China. Cadê a solução?

Então, qual a vantagem ou novidade do plano? Não tem. Ou seja, tudo vai ficar bem se tudo terminar bem. O plano de João Doria por si mesmo não resolve o atraso na oferta de vacinas. Por ora, é apenas uma aritmética otimista, ponderada por algum fator de risco de frustração de remessas. Se der certo, terá dado para o país quase inteiro, com a exceção talvez da meia dúzia de estados ora mais retardatários na vacinação.

De camiseta preta, máscara preta e cabelos escuros curtos, segurando um microfone, João Doria fala em púlpito preto com os dizeres "Vacina Já"
João Doria em entrevista coletiva sobre resultados da vacinação em Serrana (SP) nesta segunda (31) - Divulgação/Governo do Estado de Sao Paulo

A distribuição nacional de doses é equânime, praticamente proporcional às populações estaduais. Como São Paulo teria mais vacinas? Talvez adiantasse o serviço vacinando antes com as doses disponíveis. Também não vai ser por aí que haverá diferença relevante.

O estado de São Paulo por ora vacina um tanto mais rapidamente do que a média nacional, é verdade. Até esta quinta-feira, aplicou 84,5% das doses entregues (segundo as estatísticas compiladas pelo governo federal). É um resultado bom. Leva tempo para receber as doses, distribuí-las pelas cidades e daí até os postos. Nos Estados Unidos, a taxa nacional está em 81%, segundo os dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Na média brasileira, em 73%.

Dar uma dose a todas pessoas de 18 anos ou mais depende, em primeiro lugar, obviamente, de haver vacinas. Para o plano Doria dar certo, dado o cronograma do governo federal, não pode ter frustração maior do que 15% na quantidade de doses entregues. Por aí.

A conta é imprecisa porque não há previsão para o escalonamento mensal das doses a partir de julho (inclusive), apenas a quantidade trimestral. A conta fica mais ainda mais difícil porque, na previsão oficial, o número de doses disponíveis cresceria de modo relevante a partir de agosto e de modo acelerado a partir justamente de outubro.

Para que o plano dê certo, é preciso que a média diária de aplicação de doses cresça no mesmo ritmo da oferta de vacinas prevista pelo governo federal, além do mais. É a parte menos complicada. Em maio, a média diária foi de 799 mil doses, no país inteiro.

No ritmo atual de distribuição de vacinas, São Paulo poderia dar pelo menos uma injeção a cerca de 72% dos adultos até o fim de outubro (mantida a distribuição de doses entre primeira e segunda injeção).

O problema maior é o de sempre: frustração do cronograma. Nesta quinta-feira, a Fiocruz disse que vai entregar menos vacinas neste ano. É pouca diferença, mas a instituição também vai produzir menos vacina inteiramente nacional, dependendo mais de importação de matéria prima da China, ora nosso grande problema. Aumentou o risco, portanto. Ainda nesta quarta-feira, o governo federal também diminuiu sua estimativa de doses para junho.

A situação está piorando? Não, está melhorando de modo muito lerdo, o que implica ainda mais mortes, ainda assim. Por ora, prevê-se mais doses em junho do que em maio, que já superou abril.

O Butantan entrega menos doses porque não recebe matéria prima. A última remessa da Sinovac foi em 25 de maio. A próxima está prevista apenas para 28 de junho, com o que as vacinas produzidas serão entregues lá pelo meio de julho. Há uma crise muito séria e mal explicada nesse fornecimento. Não é mais pontual.

Mais importante, enfim, é saber por que a China atrasa a entrega de matéria-prima e como dar um jeito nisso. É bem possível que a diplomacia de Jair Bolsonaro atrapalhe muito. Mas, até agora, Butantan e Fiocruz não explicitaram as explicações dos laboratórios da China, não disseram se está havendo burla de contrato e o que pode ser feito a respeito. Quanto a isso, estamos no escuro. Essa é a previsão que mais interessa.

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