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Término de amizade pode doer tanto quanto o de um relacionamento amoroso

Especialistas dizem que é mais difícil manter contatos na vida adulta e que o fim pode exigir um período de luto

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São Paulo

Términos de relacionamentos se fazem presentes em boa parte dos estágios da vida, mas são os amorosos que ganham os holofotes. Quando falamos de amizade, é um tema menos comentado e, por conta disso, é até complicado reconhecer quando é preciso se separar de um amigo.

Na infância, as amizades são mais simples e duradouras, mesmo com mudanças de circunstâncias. Mas na vida adulta, esses relacionamentos exigem afinidades genuínas e trocas significativas. Criar novas amizades é mais desafiador, dadas as complexidades das relações maduras, explica Luana Flor, psicóloga comportamental.

"À medida que entramos na vida adulta, inevitavelmente enfrentamos perdas, algumas delas de amizades, e isso muitas vezes nos pega de surpresa. O impacto dessas perdas pode nos levar a questionar a nós mesmos, a nos perguntar se somos nós que falhamos nas relações", afirma.

Mulher branca olhando para o lado
Letícia Lara, 29, diz que terminou uma amizade que se tornou abusiva - Karime Xavier/Folhapress

Um término de uma amizade pode ocorrer gradualmente, conforme as pessoas envolvidas mudam ao longo do tempo. Os interesses tornam-se outros, o contato diminui e esse tipo de relacionamento para de fazer sentido.

Há alguns anos, a jornalista Letícia Lara, 29, rompeu com uma amiga. "Acho que não estávamos na mesma sintonia e, muitas vezes, ela já não ficava feliz pelas minhas conquistas, o que começou a me fazer pensar muito sobre quão saudável estava sendo aquela relação."

Acho que não estávamos na mesma sintonia e, muitas vezes, ela já não ficava feliz pelas minhas conquistas, o que começou a me fazer pensar muito sobre quão saudável estava sendo aquela relação

Letícia Lara

jornalista

O filme "Frances Ha" conta uma história sobre como pode ser difícil manter certas amizades na vida adulta, especialmente quando a convivência e as vitórias do outro ficam em segundo plano.

A narrativa explora Frances (Greta Gerwig) lidando com uma abrupta separação de uma grande amiga, Sophie (Mickey Sumner), que acaba focando outros setores da vida, como seu relacionamento amoroso, e Frances fica de lado.

O jornalista Kalel Magno, 25, sente maior empatia em amizades femininas. "Às vezes, sinto que homens héteros têm dificuldade em cultivar amizades com homens gays. Parece que há uma preocupação de que nós possamos ter intenções românticas, talvez por fragilidade na masculinidade ou dúvidas sobre sua própria sexualidade", conta.

Magno acredita que essa insegurança os impede de estabelecer conexões significativas com pessoas de diferentes orientações sexuais, criando uma barreira cultural e de percepção. Recentemente, ele também teve um término de amizade e reflete sobre a importância em cultivar pessoas que sejam empáticas.

"Em amizades de homens com homens, principalmente pensando na heteronormatividade, são amizades que são mais difíceis, algumas vezes, de se aprofundar dentro dos sentimentos e das emoções, é uma coisa que tem menos espaço em geral, os homens são menos educados para essas trocas", explica a psicóloga Luana Flor.

Imagem em preto e branco das atrizes Mickey Sumner e Greta Gerwig, no filme 'Frances Ha'
Cena do filme 'Frances Ha', comédia de 2012 roteirizada e estrelada por Greta Gerwig, diretora de 'Barbie' - Divulgação/Vitrine Filmes

Luana Flor comenta também sobre como o término de amizades pode ser agravado por diversos fatores, como ciúmes e até quando uma das partes se envolve romanticamente, levando ao afastamento das amizades existentes. Reconhecer e aceitar esse processo é crucial, pois ambos os lados têm responsabilidades na manutenção da amizade.

Terminar uma amizade também tem uma fase de luto

O rompimento com um amigo pode ter um impacto significativo na saúde emocional, causando sentimentos de isolamento, ansiedade, estresse, tristeza e perda, explica a psicóloga humanista Laila Paes Leme.

"As amizades não são relações que a gente cria para terminar. Não que o namoro seja, mas as relações amorosas já têm, em sua essência, que isso pode acontecer", reflete

Aceitar o fim de uma amizade pode ser mais difícil do que um relacionamento romântico, já que amigos frequentemente representam conexões profundas e duradouras.

A especialista afirma que esse término pode deixar um grande vazio e afetar o envolvimento com outros amigos ou grupos sociais. É importante reconhecer que partes dos amigos são de longa data e têm um grande significado emocional.

"Um fim de amizade pode ser até mais traumático do que o fim de um relacionamento amoroso", completa.

Paes Leme afirma que, durante a fase do luto, é preciso permitir-se a sentir as emoções e buscar apoio de familiares, amigos e profissionais de saúde. Refletir sobre o rompimento é normal, dar tempo ao tempo é um dos melhores remédios, principalmente aliado ao autocuidado.

Sinais de alerta na amizade

Assim como alguns relacionamentos românticos são tóxicos, amizades também podem ser. Luana Flor afirma que é importante colocar em voga algumas questões, para avaliar quando um amigo pode estar sobrando na sua vida.

A psicóloga cita que vale "observar se a relação consome muito da sua atenção e energia, sem espaço para outras interações. É importante que a amizade não seja tão centralizada ao ponto de limitar suas atividades individuais".

Uma relação saudável permite que você mantenha suas individualidades e não monopolize todas as suas interações.

Letícia Lara relata que a amiga com quem cortou contato passou a ter comportamentos abusivos, que a fizeram repensar o rumo da amizade.

"A pessoa passou a fazer chantagens emocionais como, por exemplo, falar que se eu saísse com outra amiga ela iria ficar muito chateada e coisas desse gênero. Isso para mim foi absolutamente inaceitável."

O equilíbrio é fundamental em uma amizade, evitando relações unilaterais, possessivas ou exclusivas. É preciso ter uma genuína torcida mútua pelo sucesso e felicidade um do outro, sem inveja ou competição prejudicial.

"Nas relações entre mulheres, isso é ainda mais importante, porque existe um incentivo de rivalidade", diz a especialista. Construir uma amizade feminina sem isso é verdadeiramente empoderador, completa Flor. "O mundo tenta nos colocar uma contra a outra, nos desencorajando a confiar umas nas outras."

A artista Danielle Cascaes, 28, se separou de um grupo inteiro de amigos por conta de uma pessoa que manipulava as outras, criando um ambiente tóxico. A artista teve um término duro, pois se afastou de amigos que gostava e, após o luto, buscou terapia para lidar com a situação. Hoje em dia, até tem uma relação com parte desses amigos, mesmo que não seja da mesma forma, mas mantém distância de quem causou a discórdia.

Cascaes enfrentou um período delicado de saúde mental, agravado pela pandemia, e percebeu que certas amizades femininas desse grupo demonstravam mais compreensão para outras amigas do que para ela.

"Elas não tiveram compreensão e romperam comigo, como se nunca tivessem se importado. Eu acho que essa parte é que me dói até hoje, pois fica a impressão de que eu não tinha tanta importância, parece que foi tão fácil para elas me tirar de suas vidas. E, para mim, foi tão difícil, porque eu perdi um ciclo inteiro de amizade", conta.

Luana Flor reforça a necessidade de reconhecer que ambos os lados têm papéis a desempenhar na manutenção da amizade. Aqueles que são deixados de lado precisam entender que não podem manter a amizade sozinhos e que o afastamento muitas vezes reflete o processo pelo qual a outra pessoa está passando.

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