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Afastamento do trabalho por Covid dispara, e hospitais criam centros de reabilitação

Tratamento deve ser iniciado durante a internação para enfrentar sintomas que duram meses

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São Paulo

Principal causa de afastamento do trabalho no Brasil neste ano, a Covid-19 e suas sequelas têm levado hospitais privados a criar novos serviços para reabilitar pessoas que continuam com sintomas meses depois da infecção pelo coronavírus.

Nos primeiros seis meses de 2021, foram 64.861 afastamentos por mais de 15 dias relacionados à Covid, contra 37.045 de abril a dezembro de 2020, um aumento de 75%, segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

Problemas na coluna lombar, que antes lideravam os afastamentos, agora estão em segundo lugar, com 17.831 casos.

O bancário Ronaldo Alex Miranda, 47, que teve Covid grave, faz reabilitação no centro do Hospital São Camilo, na zona oeste de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

A maioria dessas incapacidades é temporária, mas é preciso fazer a reabilitação precoce, de preferência iniciada ainda durante a internação, e conduzida por uma equipe multidisciplinar. Quanto mais rápido e coordenado esse trabalho, mais chances o paciente terá de se recuperar.

Estados e municípios também têm criado ambulatórios de reabilitação pós-Covid, mas a oferta no SUS ainda é muito inferior à demanda e há demora no início das terapias necessárias, segundo os médicos.

O Ministério da Saúde não tem dados oficiais do número de sequelados da Covid. Mas estudo recente publicado na revista científica The Lancet, o primeiro a analisar as sequelas da Covid um ano após a contaminação, mostra que metade dos pacientes continua com queixas 12 meses depois de contrair a doença, sendo as mais frequentes o cansaço e a fadiga muscular. Um em cada três também apresenta dificuldade de respirar.

Os programas de recuperação atacam esse problemas e procuram diminuir a taxa de reinternação, que está em torno de 20% em até seis meses. Entre os pacientes que passaram por ventilação mecânica, o índice chega a 40%, segundo estudo multicêntrico brasileiro.

O bancário Ronaldo Miranda, 47, de São Paulo, faz parte desse contingente. Ele contraiu Covid em junho deste ano, ficou 13 dias internado, dos quais oito na UTI. “Saí do hospital com quase 20 kg a menos de massa magra. Não conseguia nem parar em pé”, conta. Duas semanas após a alta, voltou a ser internado com uma dor insuportável no joelho provocada por excesso de ácido úrico no sangue.


Miranda retornou ao trabalho na última sexta (2), depois de dois meses de afastamento, ainda se queixa de muita fadiga e continua com as sessões de fisioterapia, inclusive respiratória. “Se faço uma caminhada de cinco, dez minutos, já sinto falta de ar. Ainda não me sinto 100% recuperado, mas a reabilitação vai te dando mais segurança nessa retomada.”

O bancário é acompanhado em um novo centro de reabilitação da Rede de Hospitais São Camilo, na Pompeia (zona oeste de São Paulo), coordenado pela fisiatra Andréa Thomaz Viana, que também enfrentou os efeitos da Covid e tirou da experiência pessoal aprendizados hoje aplicados no serviço.

Infectada há seis meses, ela ficou 18 dias internada, dos quais dez dias intubada, e saiu do hospital sem força e destreza para segurar um copo de água.

“Escovava os dentes deitada porque não tinha força para ficar de pé. Tentava pegar meus filhos no colo e não conseguia. Essa fraqueza generalizada é muito impactante”, diz ela, mãe de gêmeos de cinco anos e que ficou três meses afastada do trabalho.

Pacientes intubados precisam usar um bloqueador neuromuscular que paralisa completamente os músculos para que ventilador mecânico substitua as funções do pulmão. “Isso faz com que os músculos atrofiem muito rápido”, diz Viana.

“Reabilitação não é só fisioterapia. Muitos desses pacientes, pelo tempo que ficam intubados, sem respirar pelo nariz e sem engolir, têm fraqueza no músculo da deglutição. Então vão precisar de fonoaudiologia para não engasgar, de terapeuta ocupacional para fazer as adaptações temporárias. Como segurar um garfo se eu não tenho força? Engrossando o cabo do garfo”, explica a médica.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz inaugurou no mês passado um centro especializado em tratamento pós-Covid com a meta de unificar condutas médicas.

“A gente começou a ver o paciente chegando depois de ter passado por diferentes serviços, com um monte de exames duplicados, sem uma interação entre as diferentes especialidades”, diz o infectologista Filipe Piastrelli, coordenador do centro do Oswaldo Cruz.

O novo centro der reabilitação do Hospital São Camilo, na Pompeia, zona oeste de São Paulo - Bruno Santos/Folha Imagem

O serviço possui uma equipe composta por infectologistas, pneumologistas, cardiologistas, neurologistas, fisioterapeutas e psicólogos, entre outros.

O Oswaldo Cruz estuda lançar uma telerreabilitação para que o serviço chegue a pessoas que não conseguem ir à instituição. “Esse cuidado pós-Covid tem que ser encarado como medida de saúde pública. É um impacto econômico e na vida das pessoas muito grande. Minimizar o número de reinternações é muito importante também”, diz Piastrelli.

O Hospital Santa Catarina é outra instituição que recentemente reestruturou o centro de reabilitação multidisciplinar, coordenado por um grupo de pneumologistas e infectologistas, mas que conta com outras especialidades, como neurologia, cardiologia e otorrinolaringologia.

"A ideia é que o tratamento seja bem homogêneo, que não tenha controvérsias de condutas. É uma reabilitação mais prolongada, até que a gente consiga devolver o paciente funcional de novo para a sociedade”, diz Milton Inoue, gerente médico do Santa Catarina.

Essa linha unificada de cuidados no pós-Covid tem sido o mote de outros serviços já estruturados, como os dos hospitais Albert Einstein, Sírio-Libanês e Hcor, em São Paulo, e o Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS). Entre os públicos, a Rede de Reabilitação Lucy Montoro, ligada ao Hospital das Clínicas de São Paulo, é uma das referências.

Por meio da EEP (Escola de Educação Permanente), o HC vem ministrando vários cursos a distância de tratamento e reabilitação da Covid-19 destinados a profissionais de saúde de todo o país.

Em parceria com o Ministério da Saúde, por meio do Proadi-SUS, (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS), o Hospital Sírio-Libanês também pilota um projeto de reabilitação do pós-Covid em hospitais públicos.

Segundo a médica Amanda Santos Pereira, coordenadora do projeto, houve melhora de 26% da funcionalidade dos pacientes que tinham limitações causadas pela Covid, como não conseguir se alimentar, tomar banho ou se locomover sozinho.

No projeto estão envolvidos enfermeiras, nutricionistas, fisioterapeutas, médicos infectologistas e intensivistas, além de assistentes sociais que acompanham o paciente no pós-alta.

“O paciente precisa ter consulta de seguimento no posto de saúde e reabilitação. E vai receber ligações do hospital todos os dias para saber se está seguro em casa.”

O cuidado é importante. Levantamento recente do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) com 1,4 milhão de pacientes mostra, por exemplo, que o risco de miocardite (jnflamação do músculo cardíaco) é 16 vezes maior em quem teve Covid em relação a quem não teve. A infecção pelo coronavírus também aumenta os riscos de infarto e AVC (acidente vascular cerebral).

A meta do projeto é a redução do tempo de permanência na UTI. A média de permanência de pacientes nas terapias intensivas do SUS é de nove dias, o dobro das privadas. “Menor tempo na UTI significa menos sequelas”, diz Pereira

Para Sérgio Okane, secretário de atenção especializada à saúde no Ministério da Saúde, o desafio agora é levar esse tratamento de excelência na reabilitação a todos os hospitais do SUS. Nos próximos três anos, o projeto atenderá cinco instituições selecionadas a cada seis meses.

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