Descrição de chapéu Coronavírus

Plano de Queiroga para rotular Covid como endemia traz risco às vacinas

Há incertezas sobre o impacto no aval para aplicação de Coronavac e Janssen, imunizantes de uso emergencial

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, quer passar a encarar a Covid como endemia até o fim de março, mas o plano é incipiente e esbarra em dúvidas sobre o impacto da mudança de status nas vacinas com registro de uso emergencial.

Segundo integrantes da Saúde, a ideia de Queiroga é encontrar uma forma de defender o fim de restrições contra o vírus, como o uso obrigatório das máscaras.

A medida seria ainda novo aceno ao presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo um auxiliar do ministro. Queiroga tem apostado em agrados à base de apoiadores do governo para se agarrar ao cargo.

Ministro Marcelo Queiroga, acompanhado do ex-titular da Saúde Eduardo Pazuello, participa de evento de apresentação da vacina contra a Covid-19 totalmente produzida no Brasil - Pedro Ladeira - 22.fev.2022/Folhapress

A equipe da Saúde só deve se debruçar sobre o tema depois do Carnaval. Em discussões preliminares, auxiliares de Queiroga ainda tentam decifrar a vontade do ministro, mas já avaliam que a mudança pode exigir revogar ou mexer na portaria da Saúde de fevereiro de 2020 que declarou a Espin (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional).

Essa medida não teria apenas o impacto de reforçar o discurso do ministro de que o governo deu uma resposta firme à pandemia, pois a portaria dá lastro a uma série de ações tomadas na crise.

A mais sensível delas é a autorização emergencial de uso de vacinas e medicamentos. Pelas regras atuais da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), esse tipo de aval que foi dado a Coronavac e ao imunizante da Janssen, por exemplo, acaba quando a portaria for revogada.

Para evitar esse transtorno, auxiliares do ministro avaliam que uma saída é publicar um instrumento transitório para reconhecer que a doença perdeu força, estimular a redução das restrições, mas deixar margem para manter o uso emergencial das vacinas.

Integrantes da Saúde ainda vão medir se a mudança ou revogação da portaria também impede a continuidade de outras ações liberadas em situações de crise, como contratações sem licitações e a emissão de créditos extraordinários, que não são computados dentro do teto de gastos.

"Determinados contratos foram feitos na vigência da pandemia. As vacinas que têm registro emergencial será que podem continuar sendo usadas fora do caráter pandêmico? Toda essa análise tem de ser feita para conseguirmos levar uma palavra segura à sociedade", disse Queiroga na segunda-feira (22).

Essa não é a primeira investida de Queiroga para reduzir as restrições contra a Covid. Ele planejava lançar um documento recomendando desobrigar o uso de máscaras no Natal de 2021, mas o surgimento da variante ômicron encerrou os planos.

Em nota, a Saúde disse que "avaliará a medida em momento oportuno, sempre considerando o cenário epidemiológico e o comportamento do vírus em território brasileiro". Afirmou ainda que outros ministérios e órgãos competentes vão participar da discussão.

Integrantes da pasta dizem que serão considerados fatores epidemiológicos, econômicos e territoriais antes da decisão. Também será visto o impacto das festas de Carnaval.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), deve anunciar a flexibilização do uso de máscaras depois do Carnaval. Ainda não está definido se elas poderão ser dispensadas somente quando a pessoa caminhar ao ar livre ou em todos os ambientes, como mostrou a coluna Mônica Bergamo.

Gestores do SUS, porém, consideram precipitado abrir a discussão sobre tratar a Covid como endemia e reduzir as restrições.

Para Carlos Lula, presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e secretário de Saúde do Maranhão, não é o momento para falar em terminar com a emergência em saúde pública. Ele afirmou que o cenário de média móvel superior a 800 mortes por dia é desfavorável.

"Não dá para a gente pensar que acabou, ainda não acabou [a pandemia]", disse Lula.

Vice-presidente do Conass e secretário de Saúde do Espírito Santo, Nesio Fernandes acrescentou que não há respaldo epidemiológico para decretar o fim da pandemia. Disse ainda que é preciso esperar o comportamento da subvariante da ômicron, além do período de maior incidência da gripe para tomar qualquer decisão.

Fernandes ressaltou que abrir um discurso de acabar com a pandemia também pode atrapalhar a comunicação e a mobilização da campanha de vacinação, que ainda precisa avançar.

"Nós estamos falando de campanha de múltiplas doses sendo aplicada nas pessoas. Para conseguir um alto grau de adesão da sociedade, ela tem que compreender que existe uma situação pandêmica. Se as pessoas acham que a pandemia acabou porque mudou o status, muitas delas deixam de tomar a vacina achando que não há necessidade."

Para Adriano Massuda, médico, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, a transição da doença para uma endemia deve ser planejada.

"Quando interesses político, partidário e eleitoral ficam à frente do sanitário, atrapalha o processo de saída da pandemia", afirmou Massuda.

O professor disse que é preciso ter atenção à demanda reprimida de serviços do SUS de outras doenças.

"O certo seria ter um plano, metas, monitorar indicadores de testagem, cobertura vacinal, número de internações e óbitos", afirmou.

No começo deste ano, alguns países, como Reino Unido e Dinamarca, decidiram passar a encarar a Covid-19 como uma endemia e relaxar restrições.

Em boletim sobre a pandemia divulgado no último dia 9, o Observatório Covid-19 Fiocruz afirma que a transição de pandemia para endemia não significa a eliminação do vírus. De forma geral, a doença se torna uma endemia quando é recorrente em uma região e não há um aumento inesperado de casos.

"Essa mudança não representa, de nenhuma maneira, a eliminação do vírus e da doença, nem a redução da adoção de medidas de proteção individual e coletiva", afirma o documento.

De acordo com o Observatório, a classificação de "endemia" somente poderá ser pensada após a drástica redução da transmissão pelas novas variantes e por meio de uma campanha mundial de vacinação.

O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse em 12 de fevereiro que a "fase aguda" da pandemia da Covid-19 pode terminar este ano, caso se atinja uma taxa de vacinação de 70% da população mundial.

"Nossa expectativa é do fim da fase aguda da pandemia este ano, desde que 70% da população mundial sejam vacinados até o meio do ano, por volta de junho, ou julho", declarou o diretor-geral à imprensa, durante visita à África do Sul. "Está em nossas mãos. É uma questão de decisão."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.