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TDAH pode dificultar relacionamentos; veja como casais lidam com desafios

Estudos sugerem que pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade têm níveis mais altos de problemas interpessoais

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Christina Caron
The New York Times

Quando Chris Lawson começou a sair com Alexandra Salamis, que acabaria se tornando sua mulher, ele era "aquele cara superatencioso", ele contou —o tipo de homem que gosta de comprar cartões e flores sem nenhum motivo a não ser para mostrar o quanto ele aprecia sua amada.

Mas depois de começarem a viver juntos, em 2015, as coisas mudaram.

Chris começou a ficar mais distraído e esquecido. Quer fossem as tarefas domésticas, planejar eventos sociais ou qualquer coisa que tivesse um prazo para ser feito —por exemplo renovar sua carteira de habilitação—, Alexandra, 60, vivia tendo que pressioná-lo para que fizesse o que era preciso. Quase sempre ela simplesmente acabava se encarregando das coisas, ela própria.

Casal se beija contra o sol
Casal durante pôr do sol em Los Angeles - Frederic J. Brown - 10.fev.2022/AFP

"Eu não me responsabilizava por nada", admitiu Chris, 55.

Alexandra, que não costuma medir as palavras, disse que aquele período do relacionamento dos dois foi "como conviver com uma criança" e acrescentou mais tarde: "Francamente, fiquei com ódio dele".

Mas quando ela falava da frustração que sentia, Chris ficava na defensiva. Ela continuava a criticá-lo e começou a sentir-se mais como mãe dele que como companheira, algo do qual nenhum dos dois gostava.

Então, em 2019, atendendo à sugestão de uma amiga, os dois leram um artigo falando de como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, ou TDAH, pode afetar os relacionamentos românticos.

"Olhamos um para o outro e ficamos de queixo caído", contou Alexandra.

O casal, que vive em Ottawa, no Canadá, descobrira uma coisa que milhões de outras pessoas perceberam, muitas vezes após anos de desentendimentos: um deles (no caso deles, Chris Lawson) provavelmente tem TDAH, um transtorno de desenvolvimento neurológico que frequentemente é caracterizado pela desatenção, desorganização, hiperatividade e impulsividade.

Quando uma pessoa de um casal ou ambas as pessoas têm TDAH, o relacionamento geralmente enfrenta desafios singulares, que, dizem especialistas, costumam se exacerbar quando o transtorno não é diagnosticado.

Estudos sugerem que pessoas com TDAH têm níveis mais altos de problemas interpessoais que seus pares e que casamentos que incluem adultos com TDAH têm probabilidade de ser pouco satisfatórios.

Fóruns como o do website A.D.H.D. and Marriage frequentemente trazem relatos de pessoas estressadas e emocionalmente exauridas presas em padrões de comportamento pouco sadios que se arrastam há anos. Mas se o casal faz um esforço real para aprender mais sobre o transtorno, administrar seus sintomas e buscar maneiras mais eficazes de se comunicar, as duas pessoas podem revitalizar seu relacionamento.

ENTENDA OS SINTOMAS

Pessoas com TDAH podem não ter muita autoconsciência, logo, podem ter dificuldade em perceber a impressão que estão transmitindo a outras pessoas ou como seu comportamento contribui para os problemas que estão vivendo em seus relacionamentos. Quem o diz é o psicólogo Russell A. Barkley, autor de "Taking Charge of Adult A.D.H.D." ("Assumindo o Controle de Adultos TDAH", sem versão no Brasil).

As pessoas excessivamente impulsivas podem correr riscos desnecessários ou optar por recompensas imediatas, como o prazer de jogar um videogame, em lugar de concentrar-se nas tarefas mundanas que precisam ser feitas. E pessoas com TDAH frequentemente esquecem o que deveriam estar fazendo e tendem a ter reações emocionais exageradas, que ultrapassam o que a situação poderia justificar. Isso pode levar a desentendimentos explosivos.

Contrariando a ideia comum de que as pessoas com TDAH estão sempre dispersas, muitas delas são capazes de concentrar-se fortemente sobre coisas que despertam seu interesse.

Mas se elas se mostrarem especialmente atenciosas a uma pessoa querida durante a fase de lua de mel do relacionamento e esse interesse intenso depois acabar diminuindo, isso pode criar uma dinâmica em que o parceiro que não tem TDAH não se sente amado.

"Se seu companheiro vive constantemente distraído, quer dizer que também não presta atenção a você", explicou Melissa Orlov, consultora conjugal que promove seminários para casais que enfrentam dificuldades no relacionamento em parte em função do TDAH.

"O parceiro fica confuso e depois indignado, porque sente que a outra pessoa não está lhe prestando atenção realmente. Ele diz algo como ‘quer dizer que você não me ama mais? Não era assim antes.’"

Casal se beija diante do sol no fim de tarde
Casal em Paris - Martin Bureau - 5.fev.2022/AFP

Isso pode ser incrivelmente frustrante para o parceiro que não tem TDAH, mas entender esses sintomas constitui um passo em direção a abraçar sentimentos de compaixão e empatia, em lugar de ressentimento contínuo.

"As pessoas que amamos e que têm TDAH não conseguem evitar os comportamentos que apresentam", disse Barkley. É um transtorno biológico, ele explicou, "não uma escolha de modo de viver. Não é algo sobre o qual a pessoa poderia simplesmente mudar de ideia se quisesse."

ENCONTRAR ESTRATÉGIAS DE SUPERAÇÃO

A médica de clínica geral Alicia Hart, 34 anos, conheceu seu marido quando tinha 18 anos. Eles declararam seu amor um pelo outro depois de três dias, e "daquele momento em diante passamos a viver um relacionamento sério e comprometido", ela contou. "As pessoas nos achavam doidos. Afinal, nos conhecemos numa festa da faculdade."

Hart e seu marido vivem em Portland, Oregon, com seus três filhos. Ambos têm TDAH.

A médica disse em e-mail que a maioria dos conflitos entre eles se deve a problemas de horários e agendamento de compromissos.

"Ele ameaça gravar nossas conversas para provar que aconteceram, ou eu começo outro projeto ambicioso demais sem pensar direito nas implicações ou no impacto que terá sobre ele. Outra coisa é que odeio atrasos e já desenvolvi um milhão de estratégias para evitá-los, sendo que ele literalmente não tem conceito de tempo e não consegue chegar na hora por nada neste mundo."

Mas, fazendo bom uso de seus pontos fortes individuais, eles vêm conseguindo manter a casa funcionando. Ele paga as contas e administra as finanças da família. Ela cuida da rotina diária, colocando alarmes no alto-falante inteligente para ajudá-lo a lembrar de coisas como a hora do almoço. Eles usam uma agenda conjunta online e também um calendário de parede.

Instalação de guarda-chuvas suspensos em rua de Liverpool (ING) para atrair a atenção para a TDAH
Instalação de guarda-chuvas suspensos em rua de Liverpool (ING) para atrair a atenção para a TDAH - Phil Noble - 22.jun.17/Reuters

Robyn Aaron tem 36 anos, é mãe de dois fil hos e no ano passado recebeu o diagnóstico de TDAH. Contou que hoje ela e seu marido fazem uma reunião semanal para se organizar, mas procuram tornar a reunião o mais divertida possível.

"Fazemos como se fosse um encontro romântico —tomamos um vinho, acendemos uma vela", contou Robyn, que vive em Lisbon, Iowa. "Ele apresenta um relatório das nossas finanças, e eu repasso a nossa agenda com ele."

Os dois também discutem os projetos de reformas que estão fazendo na casa, viagens que têm pela frente e quaisquer necessidades ou desejos.

"Desde que a pandemia começou, tornou-se ainda mais importante nos comunicarmos dessa maneira. E também ajuda muito com minhas estratégias para lidar com o TDAH", ela disse.

MOSTRE A SEU COMPANHEIRO QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO UM ESFORÇO

No livro "A.D.H.D. After Dark: Better Sex Life, Better Relationship" ("TDAH Depois do Anoitecer: Melhor Vida Sexual, Melhor Relacionamento", sem versão no Brasil), o autor, psicólogo e terapeuta sexual Ari Tuckman entrevistou mais de 3.000 adultos em casais nos quais um dos parceiros tem TDAH.

Constatou que as pessoas que sentem que seu companheiro se esforça mais para controlar seu próprio TDAH ou para apoiar o companheiro que tem TDAH fazem sexo com quase o dobro da frequência que aquelas que disseram que seus parceiros se esforçam menos.

Para alguns parceiros com TDAH, pode ser difícil aceitar a necessidade de mudar. Às vezes também é difícil acreditar que novas estratégias podem fazer uma diferença. Esse é o caso especialmente quando medicamentos ou estratégias tentadas no passado não surtiram efeito.

Mas, acrescentou o psicólogo, vale a pena continuar a buscar informações sobre as diversas opções disponíveis para pessoas com TDAH ou talvez buscar ajuda de um profissional diferente daquele que vem lhe dando assistência.

Outro conselho de Tuckman é que ambos os parceiros escolham suas batalhas.

"O TDAH não cria problemas novos —apenas exacerba os problemas universais", ele destacou. "São as mesmas coisas sobre as quais outros casais discutem —só que vocês discutem mais."

Você tem todo o direito de insistir que seu companheiro leve as crianças à escola no horário certo, por exemplo, e, idealmente, você encontrará uma maneira de fazer com que isso aconteça. Mas, aconselhou Tuckman, "é limitar o número de coisas sobre as quais você marca posição e fica irredutível".

Tradução de Clara Allain

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