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Persistem mistérios sobre origem da Covid, diz relatório da OMS

Há necessidade de mais dados para apurar como vírus se difundiu para seres humanos

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Benjamin Mueller Carl Zimmer
The New York Times

Em seu primeiro relatório, uma equipe de cientistas internacionais reunida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para aconselhar sobre as origens do coronavírus disse na última quinta-feira (9) que morcegos provavelmente foram portadores de um ancestral do coronavírus que teria se espalhado para um mamífero vendido num mercado de animais silvestres. Segundo a equipe, porém, há necessidade de mais dados da China para estudar como o vírus se difundiu para seres humanos, incluindo a possibilidade de vazamento de um laboratório científico.

A equipe, indicada pela OMS em outubro, enquanto a organização tentava redefinir sua abordagem para o estudo das origens da pandemia, disse que cientistas chineses compartilharam informações com eles, inclusive de estudos não publicados, em duas ocasiões. Mas lacunas nos dados chineses dificultam a determinação de quando e onde o surto surgiu, segundo o relatório.

Especialistas independentes disseram que não está claro como a equipe, composta por cientistas dos Estados Unidos, da China e duas dúzias de outros países, poderia ajudar a OMS a romper as barreiras políticas da China, que impediram a publicação da maioria das informações que poderiam situar a origem do vírus no país.

Mercado de frutos do mar em Wuhan, na China, onde foi identificada a primeira pessoa com o novo coronavírus
Mercado de frutos do mar em Wuhan, na China, onde foi identificada a primeira pessoa com o novo coronavírus; o local foi fechado e desinfetado - Noel Celis - 12.jan.2020/AFP

"A falta de cooperação política da China continua sufocando qualquer progresso significativo", disse Lawrence Gostin, diretor do Instituto O'Neill de Direito Nacional e Global de Saúde da Universidade de Georgetown. Ele disse que o relatório oferece um roteiro para se investigarem futuras pandemias em países menos sigilosos.

A OMS pediu assessoria ao grupo não apenas para estudar as origens do coronavírus, mas também para examinar o surgimento de futuros patógenos. A equipe, conhecida como Grupo Consultivo Científico para as Origens de Novos Patógenos, não tem autoridade para realizar investigações na China ou em outros lugares.

Maria Van Kerkhove, líder técnica da Covid-19 da OMS, disse que o relatório era "apenas o começo de seu trabalho".

Esperava-se que o grupo indicasse maior abertura à tese de um vazamento de laboratório do que a equipe anterior enviada pela OMS à China no início de 2021. O relatório conjunto daquela equipe com a China disse que um vazamento de laboratório, embora possível, era "extremamente improvável". O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, chamou essa avaliação de prematura.

Segundo o último relatório, nenhum novo dado indica um vazamento de laboratório. Mas os líderes do grupo disseram que queriam avaliar qualquer evidência que pudesse surgir futuramente.

"Não recebemos nenhum relato que realmente indique um vazamento de laboratório que consideremos forte para acompanhar", disse Marietjie Venter, presidente da equipe e professora de virologia médica na Universidade de Pretória, na África do Sul.

Os esforços para estudar um vazamento de laboratório encontraram resistência de membros da equipe da China, Rússia e Brasil, que não viram a necessidade de tais investigações, disse o relatório.

O documento mencionou uma série de estudos sobre o potencial papel dos animais no surgimento do coronavírus que foram publicados desde o trabalho anterior da equipe da OMS. Por exemplo, uma pesquisa num mercado de animais vivos em Wuhan, na China, indicou que várias espécies conhecidas por serem suscetíveis ao coronavírus estavam presentes no outono de 2019.

Quando as pessoas ligadas a esse mercado começaram a adoecer, a polícia fechou e desinfetou o local, tornando mais difícil para os cientistas identificar possíveis animais hospedeiros que difundem o vírus.

O último relatório disse que se concentrou em estudos publicados e revisados por pares, embora reconhecesse vários estudos não publicados, postados on-line como "pré-impressões". Entre eles estavam dois artigos divulgados este ano, nos quais uma equipe de cientistas argumentou que a pandemia surgiu quando um morcego infectou algum animal silvestre, um guaxinim, por exemplo, que foi vendido no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, em Wuhan.

Michael Worobey, biólogo evolucionário na Universidade do Arizona, que ajudou a realizar esses estudos, disse que é lamentável que a equipe da OMS não tenha analisado de perto a pesquisa não publicada.
"Acho que se vocês lerem nossas pré-impressões e entenderem as evidências", disse ele, "na verdade, há evidências muito fortes de que a pandemia surgiu por meio de animais silvestres no mercado de Huanan."

Worobey e outros pesquisadores disseram que se perdeu uma oportunidade vital em janeiro de 2020 de concentrar a busca pelo coronavírus em fazendas de animais silvestres que abastecem mercados como o de Huanan. Em vez disso, milhões de animais foram abatidos.

Filippa Lentzos, pesquisadora de biossegurança do King's College em Londres, elogiou o último relatório por comentar que as conclusões dos estudos chineses sobre a origem não foram publicadas. Mas ela disse que as propostas deles para futuros estudos sobre a origem da pandemia não levaram em conta adequadamente as investigações sobre "acontecimentos acidentais ou deliberados", que, segundo ela, exigiriam experiência fora da saúde pública.

Jesse Bloom, especialista em vírus do Centro de Pesquisas do Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, disse que o relatório deixou claro que para mitigar futuras ameaças pandêmicas é necessário considerar as origens animais e laboratoriais.

"As duas coisas são possibilidades suficientemente sérias, que precisam ser pensadas juntas", disse ele.
O relatório recomendou estudos de amostras de sangue de trabalhadores em fazendas de animais silvestres e mercados de animais vivos e de dados genômicos de amostras virais iniciais. Mas a equipe anterior da OMS havia proposto estudos semelhantes, sem sucesso.

O último relatório disse que Tedros escreveu duas vezes a autoridades chinesas em fevereiro, solicitando informações sobre a situação desses estudos, bem como sobre um possível vazamento de laboratório.

Mas não havia indício de que a OMS seria capaz de convencer a China a compartilhar os resultados de tal trabalho.

Apesar das dificuldades, no entanto, algumas informações da China vazaram.

Na semana passada, pesquisadores chineses publicaram um pequeno estudo sobre guaxinins e morcegos coletados na região de Wuhan em janeiro de 2020. Em 15 guaxinins os pesquisadores encontraram uma nova espécie de coronavírus relacionada a outra que infecta cães. Em 334 morcegos, os pesquisadores encontraram coronavírus que parecem ser uma mistura de vírus, alguns relacionados ao que provocou a Covid e outros ligados ao que causou a Sars em 2003.

"Esses tamanhos de amostra não são grandes o suficiente", disse Maciej Boni, especialista em vírus na Universidade Penn State. "Precisamos de amostragem feita na escala de dezenas de milhares de morcegos para ter uma imagem completa."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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