Descrição de chapéu Financial Times

Qual é a probabilidade de uma pandemia de gripe aviária humana?

Apesar de a ameaça ser baixa, especialistas se dizem preocupados e indicam ações a serem tomadas para evitá-la

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Donato Paolo Mancini Clive Cookson
Londres | Financial Times

O pior surto de gripe aviária de todos os tempos fez com que a doença se tornasse endêmica em algumas aves, infligiu enormes custos à indústria avícola, se espalhou para mamíferos selvagens e cativos e, em alguns casos raros, infectou seres humanos.

A Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH na sigla em inglês) disse este mês que um número crescente de casos foi relatado em mamíferos, "causando morbidade e mortalidade" em espécies como lontras e focas. Relatos de infecções em visons de criação na Espanha aumentaram as preocupações, disse a WOAH, porque os casos envolvendo um grande número de animais mantidos próximos uns dos outros exacerbaram o risco de transmissão mais ampla.

Se o vírus H5N1, principal cepa responsável pelo último surto do final de 2021, desenvolver mutações que facilitam sua transmissão para humanos, especialistas temem o surgimento de uma pandemia que traga mais riscos para a saúde global do que o surto de Covid-19. Embora a gripe aviária tenha infectado relativamente poucos seres humanos, sua taxa de mortalidade é de cerca de 50%, de acordo com o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC na sigla em inglês).

Homem carrega frangos em Phnom Penh, no Camboja
Homem carrega frangos em Phnom Penh, no Camboja; autoridades do país asiático informou nesta quinta (23) a morte de uma menina de 11 anos por gripe aviária - Tang Chhin Sothy - 1º.mar.13/AFP

O H5N1 é "uma grande preocupação", disse Jeremy Farrar, especialista em gripe e diretor do Wellcome Trust. "Você odiaria olhar para trás no meio de uma pandemia de H5N1 e dizer: 'Espere, não vimos essa população de aves morrer em todo o mundo, começamos a ver mamíferos morrendo, e o que fizemos a respeito?'", disse ele numa entrevista coletiva em Londres esta semana.

Segundo ele, é necessária uma ação mais vigorosa para aumentar os estoques de vacinas para H5N1 e prevenir a circulação do vírus entre os mamíferos. "Se houvesse um surto amanhã de H5N1 em humanos, não poderíamos vacinar o mundo em 2023", acrescentou Farrar, que se tornará cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde em maio.

Qual é a probabilidade de uma pandemia humana de H5N1?

Especialistas em doenças infecciosas dizem que o risco permanece amplamente contido para a população animal —50 milhões de aves, incluindo de corte, foram mortas pelo vírus ou abatidas neste surto, de acordo com o ECDC. O abate em larga escala foi realizado em dezenas de países, incluindo Japão, França e Estados Unidos.

A OMS disse este mês que a gripe aviária "ainda é um vírus aviário" e que a ameaça, incluindo a transmissão entre humanos, "é baixa".

A gripe aviária é um "problema recorrente" caracterizado por surtos sazonais esporádicos, de acordo com Gregorio Torres, chefe do departamento de ciências da WOAH. Mas muitos países com surtos relataram casos ao longo do ano, disse ele. "A sazonalidade que [costumávamos] observar não existe mais."

As mudanças nos métodos de criação de aves e o aumento das temperaturas globais que forçam as aves selvagens a alterar seus padrões de migração, bem como o aumento do movimento de animais e humanos entre países, estão por trás do aumento dos casos, disse ele.

"O vírus pode ser transmitido por rações contaminadas, alimentos contaminados e também caminhões contaminados", acrescentou Torres.

Um fator crucial é como o H5N1 evolui, o que os cientistas dizem que pode acontecer de duas maneiras: por meio de uma série linear de mutações que tornam o vírus mais eficiente em se espalhar por uma determinada espécie animal; ou por recombinação, quando duas cepas diferentes do vírus afetam as células hospedeiras ao mesmo tempo e trocam genes, levando a maiores saltos evolutivos.

"Ninguém pode prever quando ou onde [uma mutação] acontecerá", disse David Heymann, professor de epidemiologia de doenças infecciosas na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. "O importante é você ficar de olho nas infecções."

O que está sendo feito para conter a propagação?

Os especialistas concordam que as medidas de vigilância em vigor têm sido adequadas para identificar e isolar doenças, apesar do enorme custo para os produtores de alimentos e outros grupos.

Torres disse que o foco deve continuar na "biossegurança", ou seja, procurar ativamente animais doentes para isolá-los dos saudáveis.

"É definitivamente a ferramenta mais eficaz para evitar que os animais sejam infectados", disse Torres. Ele acrescentou que o risco para os seres humanos, embora ainda baixo em geral, "provavelmente nunca foi tão alto".

Ele alertou que o público deve ter cuidado ao lidar com aves mortas na natureza, uma das rotas comuns de transmissão para humanos. Em Londres e em muitas outras cidades, os conselhos municipais alertaram contra a alimentação de pássaros em parques.

E que outras medidas devem ser tomadas?

Richard Ebright, professor de química e biologia química na Universidade Rutgers, disse que é "claro" que outras medidas deveriam ser tomadas para reduzir o potencial zoonótico do H5N1.

Ele pediu o fim de duas atividades que poderiam permitir que os vírus da gripe aviária saltassem para os humanos —criação de peles e pesquisa de ganho de função, na qual os patógenos são manipulados para ajudar os cientistas a entender como eles se comportam.

"A primeira, com efeito, reproduz seletivamente novos vírus influenza H5N1 que podem ser transmitidos eficientemente em mamíferos", disse Ebright. "A última, por definição, cria deliberadamente novos vírus influenza H5N1 razoavelmente antecipados para transmissão eficiente em mamíferos."

"Ambos não são naturais. Nenhum dos dois oferece benefícios que compensem os riscos", acrescentou.

Que contramedidas estão disponíveis?

Segundo a OMS, vacinas para uso em humanos contra a infecção por H5N1 foram desenvolvidas, mas não têm sido amplamente utilizadas.

"Vários fabricantes desenvolveram protótipos de vacinas H5 que podem ser autorizadas quando e se surgir uma cepa pandêmica de H5N1", afirmou, acrescentando que a ferramenta mais importante é a identificação de casos positivos e o monitoramento de seus contatos como parte das investigações rotineiras de surtos. Antivirais contra influenza também estão disponíveis.

Apenas alguns países, como Rússia, China e Egito, vacinaram animais contra a gripe aviária nos últimos três anos, de acordo com WOAH. Mas as vacinas são incapazes de oferecer imunidade ou proteção completa contra doenças, e muitos especialistas dizem que a medida mais segura é separar os animais doentes dos saudáveis.

Para proteger os seres humanos em longo prazo, Farrar defende a formação de uma reserva global de vacinas "para cada cepa de influenza que existe no reino animal até pelo menos estudos de fase 1 e fase 2 [em humanos], para que se saiba que as vacinas são seguras e imunogênicas, e que é possível fabricá-las bem".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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