Contagem global de sêmen está diminuindo, e cientista acredita saber por quê

Shanna Swan investiga há décadas o impacto de produtos químicos na fertilidade humana

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Sarah Neville
Financial Times

Em uma noite chuvosa em Copenhague no ano passado, uma mulher baixinha de jeans, botinas e camisa casual esperava fora do palco no Koncerthuset, um vasto local conhecido por sua acústica. Ela havia sido convidada pela Science & Cocktails, uma organização dinamarquesa sem fins lucrativos que combina palestras com bebidas geladas em gelo seco. Muitos na plateia eram décadas mais novos que ela, e o clima era mais de show de rock do que de palestra quando uma voz no alto-falante anunciou: "A primeira e única –Shanna... Fucking... Swan!"

Swan, que completou 87 anos no mês passado, caminhou ao som de música techno, gritos e aplausos. "Uau. Eu tenho que dizer" –ela riu corajosamente– "que nunca tive uma apresentação como essa. É maravilhoso".

À medida que o salão silenciou, ela começou a falar, calmamente e sem anotações, sobre o propósito que anima sua vida profissional. "Vou lhes contar uma história de mistério", disse ela. "E espero que vocês me ajudem a resolvê-la ao longo do caminho."

O mistério é este. Desde o final da década de 1930, a contagem de esperma em todo o mundo parece ter caído significativamente. Embora o declínio tenha sido inicialmente observado nos países ocidentais, há evidências do mesmo fenômeno no mundo em desenvolvimento, e parece estar se acelerando. Swan, uma estatística treinada em Berkeley que se tornou epidemiologista, acredita saber por quê.

Representação de fertilização com óvulo e espermatozoides
Representação de fertilização com óvulo e espermatozoides - Freepik.com/CC

Por mais de duas décadas, ela dedicou sua vida a estudar os efeitos dos produtos químicos "interruptores endócrinos" (EDCs), que podem interferir nos hormônios naturais do corpo. Estes incluem pesticidas, bisfenóis, que endurecem o plástico para que possa ser usado em recipientes para guardar alimentos e em mamadeiras, e ftalatos, que amolecem o plástico para uso em embalagens e produtos como mangueiras de jardim. Nos últimos anos, vestígios de EDC foram encontrados no leite materno, no tecido placentário, em urina, sangue e fluido seminal.

Sob o brilho dos holofotes laranja, Swan levou o público de Copenhague até sua conclusão: que os produtos inócuos em seu armário de cozinha, armário de banheiro ou jardim podem estar diminuindo a contagem de esperma. Eles também podem afetar os sistemas reprodutivos de seus filhos ainda não nascidos. As implicações dos EDCs para a saúde humana não param por aí: eles podem prejudicar a função da tireoide, desencadear câncer e obesidade.

Então Swan chegou ao "conector de bolas e bunda" –uma gíria para a distância anogenital (AGD), a extensão do ânus até a base do pênis, "também conhecida como 'a mácula', 'o gooch' e 'o grundle'", disse ela à multidão em Copenhague. Ela enunciou as palavras com uma inocência que as despojou de lascívia.

O público ouviu atentamente enquanto ela descrevia uma de suas principais descobertas: que a AGD pode atuar como um preditor da capacidade de um homem, anos depois, de conceber um filho. Ela forneceu evidências para sua tese de que a exposição inadvertida a EDCs no útero pode causar danos a um feto em desenvolvimento.

Várias semanas depois, quando visitei Swan em sua casa em Nova York, ela me disse que falar para o público fora de sua área nem sempre acontecia naturalmente: "Às vezes significa dizer coisas como 'mácula', e às vezes significa falar sobre ereções e outras coisas que não saem da minha língua facilmente."

O que a levou à arena pública é a convicção de que o mundo pode estar caminhando como um sonâmbulo para uma crise de fertilidade. Se sua hipótese estiver correta, precisamos rever a forma como cozinhamos, comemos, produzimos e embalamos bens de consumo e repensar os processos industriais.

Mesmo que a contagem média de esperma tenha caído, os motivos ainda são contestados pelos cientistas. Alguns questionam se devemos nos preocupar com isso.

"Eu não diria com certeza, é claro, que seremos reduzidos ao ‘Conto da Aia’", diz Swan, referindo-se ao romance de Margaret Atwood que imagina um mundo em que os poluentes contribuem para uma calamidade reprodutiva. Mas um aumento drástico em barrigas de aluguel e o uso de reprodução assistida são presságios para ela. Ao se aproximar de sua décima década, ela teme que o tempo para alertas sobre o que ela chama de "uma ameaça à humanidade" esteja acabando.

Rudolph Wittenberg, o pai de Swan, era de uma família judia culta de Berlim e escritor, que costumava ler capítulos de seus romances no rádio. No início dos anos 1930, ele se juntou ao movimento antinazista. Um dia, mandou o segurança comprar cigarros e usou sua transmissão para denunciar Hitler.

Quando ele saiu do prédio, o guarda veio correndo atrás dele. Wittenberg ficou apavorado, mas o guarda, que não tinha ouvido a transmissão, apenas queria fazer seu pagamento. Mais tarde, ele escapou para Praga e conheceu uma jovem americana, Goldie Ray Polturak. Ela carregava mensagens para a resistência nos sapatos.

Os pais de Swan se apaixonaram e trocaram a Europa pelos Estados Unidos em 1934. Ela me contou isso tomando copos de água filtrada na cozinha de seu espaçoso apartamento de meados do século em Manhattan. Sempre racionalista, ela temia tratar os elementos cinematográficos da história como fatos puros, alertando que nem ela nem sua irmã mais nova tinham verificado os detalhes de forma independente.

Nascida na Pensilvânia em 1936, Swan estava dolorosamente ciente das diferenças entre ela e as outras crianças, tanto por causa da relativa pobreza da família, que diminuiu somente depois que seu pai se formou como psicanalista, quanto por serem membros do Partido Comunista. "Eu sempre vivi com algum tipo de vergonha sobre minha criação", disse.

Ela tem uma memória clara de andar numa carroça puxada por cavalos com seus pais num desfile de 1º de Maio e rezar para que nenhum conhecido a visse. Brilhante e independente, Swan costumava brincar numa grande caixa de papelão que, por motivos agora obscuros para ela, batizou de Casa de Juxey, e que era seu domínio inviolável. Ela se lembra de repetir, em voz alta e mentalmente: "Eu posso fazer isso sozinha".

Ela começou sua educação numa escola pública para crianças superdotadas, onde fez progressos, e mais tarde estudou matemática com especialização em lógica no City College de Nova York, atraída pela "beleza estética" da disciplina.

Em Columbia, onde fez mestrado, ela trabalhou com a ilustre bioestatística polonesa Agnes Berger, uma das poucas mulheres que atuava na área. Swan chegou ao departamento de estatística da Universidade da Califórnia em Berkeley aos 24 anos, armada apenas de uma carta de apresentação de Berger para seu chefe, um colega polonês, Jerzy Neyman. "Ele era um grande homem, e não uso esse termo levianamente. Foi o pai da estatística."

Após seu doutorado, Swan trabalhou para o braço de pesquisa da seguradora Kaiser Permanente, estudando as ligações entre a pílula anticoncepcional e doenças como câncer cervical e, mais tarde, para o Departamento de Saúde da Califórnia, onde investigou uma série de abortos espontâneos inexplicáveis no condado de Santa Clara. Em 1995, ela foi convidada a participar de um comitê da Academia Nacional de Ciências que examinava o impacto de "agentes hormonais ativos no ambiente" –EDCs.

Como única estatística do grupo, ela foi convidada a revisar um estudo dinamarquês, que alegava mostrar uma queda significativa na contagem de esperma entre 1938 e 1991. "[O comitê] disse: 'Você poderia ver isso, porque não parece muito convincente. Acho que não temos que prestar muita atenção, mas basta olhar e nos avisar'", ela me disse.

O estudo foi realizado depois que um médico sênior notou que a contagem de esperma em amostras de sêmen em seu laboratório parecia estar caindo com o tempo. Ele encomendou uma análise dos estudos existentes, quase metade dos quais se originou nos Estados Unidos.

Swan disse que era "totalmente ingênua" sobre a política interna do comitê, que incluía um representante de uma empresa de lobby que tinha trabalhado para a Monsanto e a Associação de Fabricantes de Produtos Químicos. Acabaria por ser, recordou, "uma experiência extremamente tumultuada".

Como o resto do comitê, ela inicialmente estava cética de que a queda acentuada na contagem de esperma sugerida pelo estudo dinamarquês pudesse ser real. Ela procurou por "confundidores", fatores que poderiam distorcer os resultados. Mas quando Swan obteve os 61 estudos originais e analisou como o esperma foi contado, as idades dos homens, quantos eram obesos, como foram recrutados, de que país eram, os resultados a surpreenderam. "Quando juntei tudo e fiz os números, eles não tinham mudado para a segunda casa decimal... Eu pensei ‘uau’."

Mesmo assim, ela não aceitou as descobertas. Ela se perguntou se os estudos haviam sido selecionados de forma tendenciosa. Ela acrescentou mais 40, publicados desde o trabalho inicial. A conclusão geral "quase exatamente" correspondeu à da equipe original. O processo levou quase cinco anos e a transformou de cética em crente.

Fred vom Saal, professor de ciências biológicas que conduziu alguns dos primeiros estudos sobre desregulação endócrina e também fez parte do comitê, lembrou que, quando Swan apresentou suas descobertas, ela enfrentou resistência de membros que se sentiam desconfortáveis com suas conclusões. O relatório final do comitê, publicado em 1999, refletia essa tensão. A unanimidade foi "prontamente alcançada" em algumas áreas, observaram os autores, confirmando que as exposições a EDCs em altas concentrações "podem afetar a vida silvestre e a saúde humana" e levar a anomalias de desenvolvimento na vida silvestre. Mas provou ser "extraordinariamente difícil em outros", disse, inclusive na questão do declínio da produção de esperma em humanos.

Outro cientista poderia ter voltado a trabalhar em algo menos controverso. Mas Swan sentiu que ela estava no começo, não no fim, de um quebra-cabeça. O estudo dinamarquês original não fez nenhuma tentativa de estabelecer a causalidade, embora tenha levantado a possibilidade de que algo no ambiente pudesse ser culpado.

O que ela sabia era que havia uma tendência, e era rápida –uma queda de 50% na contagem média de esperma em 50 anos. "Isso não é evolução. É muito rápido", ela pensou.

Ela abordou seu chefe no Departamento de Saúde da Califórnia com uma proposta para estudar a desregulação endócrina. Foi devolvido com uma rejeição rabiscada: "Isso não faz meu motor funcionar". Enquanto ela ponderava o que fazer a seguir, Vom Saal sugeriu que se juntasse a ele na Universidade de Missouri. Ele disse: "Vamos criar problemas juntos".

Quando ela era criança, os pais de Swan a apelidaram de "A Dama Vitoriana" e desencorajavam sua participação em esportes, aparentemente por sua estrutura pequena –ela tem 1,50 m– e a constituição delicada. Na verdade, ela irradia uma silenciosa indomabilidade. No tempo que passamos juntos, percebi que ela tem uma curiosidade profunda e subversiva. "Acho que sou uma detetive", disse. "Gosto de pesquisar e descobrir coisas."

No Missouri, ela começou a examinar se a qualidade do esperma variava em diferentes ambientes. Para seu "Estudo para futuras famílias", ela recrutou gestantes de quatro localidades dos Estados Unidos, enquanto colegas dinamarqueses selecionaram de outras quatro na Europa.

Os participantes homens de uma área semirrural do Missouri apresentaram metade do número de espermatozoides em movimento do que os dos centros urbanos. (Motilidade fraca do esperma é um fator conhecido na infertilidade masculina.) Supondo que algum aspecto da agricultura moderna, particularmente pesticidas, estivesse afetando a qualidade do sêmen, Swan lançou um estudo piloto, enviando amostras de urina dos homens do Missouri para os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

Os participantes com baixa qualidade do sêmen apresentaram níveis significativamente mais altos de oito pesticidas em comparação com seus colegas na área urbana de Minneapolis, cuja qualidade do sêmen estava acima da média.

As descobertas aumentaram o consenso crescente de que certos pesticidas eram prejudiciais. Os legisladores falharam em agir de modo suficiente até agora, acredita Swan.

"Até hoje temos restrições muito inadequadas sobre os tipos de pesticidas que podem ser usados e as plantações nas quais eles podem ser usados."

A capacidade da indústria de resistir a regulamentações mais rígidas, seja por ofuscação ou por lobby, seria uma frustração constante para ela nos anos que se seguiram.

Sua missão seguinte começou num voo para o Japão para uma conferência no final dos anos 1990. Ela estava sentada ao lado de um químico do CDC chamado John Brock, hoje professor da Universidade da Carolina do Norte, que lhe disse que os cientistas tinham identificado uma "síndrome de ftalato" em ratos.

Quando os fetos do sexo masculino foram expostos ao di-2-etilhexil ftalato (DEHP), um dos piores agentes entre os ftalatos, não ocorreu um aumento normal de testosterona no início da gravidez. Os efeitos nos ratos incluíram um pênis menor, às vezes malformado, testículos que não desceram e AGD mais curto. Swan ficou fascinada. Era um novo quebra-cabeça: algo como uma síndrome de ftalato poderia afetar os humanos?

Seu sucesso em descobrir uma maneira de medir AGD em bebês e crianças para ajudar a responder a essa pergunta foi uma de suas contribuições mais importantes para o campo. Quando a visitei em Nova York, ela foi até um armário e trouxe um boneco anatomicamente correto —chamado Willy, disse ela, meio travessa— e um paquímetro para demonstrar a simplicidade do procedimento, que é indolor. AGD, ou o comprimento do períneo, ela explicou, pode refletir a quantidade de testosterona ou andrógeno a que um feto foi exposto durante uma janela muito pequena de gravidez.

"Se há muito pouco andrógeno para um menino, ele não fica totalmente masculinizado", disse ela. "Se há muito andrógeno para uma garota, ela fica supermasculinizada."

Uma mãe com síndrome dos ovários policísticos, por exemplo, produzirá um excesso de testosterona, e sua filha pode ter um AGD mais longo e mais masculino.

Pete Myers foi um dos primeiros a alertar o mundo sobre os perigos dos EDCs quando, junto com outro cientista e um jornalista, publicou o best-seller de 1996, "Our Stolen Future" [Nosso futuro roubado]. Um antigo colaborador de Swan, ele elogia sua capacidade de casar epidemiologia com um profundo conhecimento da biologia humana. "A maioria dos epidemiologistas são trituradores de números, pura e simplesmente. Eles não têm a menor ideia da biologia subjacente. Então fazem testes que não têm sentido." Mais cientistas, ele sugere, agora estão combinando essas habilidades, "mas Shanna foi uma verdadeira pioneira".

Ao analisar a urina das mães do projeto Future Families, Swan pôde determinar a que nível de um ftalato específico elas foram expostas e verificar a correlação com um AGD encurtado em seus filhos. Ela descobriu que as mulheres no quartil superior para exposição tinham 13 vezes mais chances de ter um filho com AGD menor que a média do que aquelas no quartil inferior. Mas isso levantou outra questão, de acordo com Swan: "Por que nos importamos se o AGD é um pouco mais curto em alguns homens? Não parece engraçado. Não é uma deformidade".

Determinar se um AGD curto era um preditor de problemas posteriores de fertilidade significava avançar no tempo para prever como os homens seriam afetados na idade adulta. Em 2009, enquanto trabalhava para a Universidade de Rochester, Swan lançou o Estudo de Rapazes de Rochester, envolvendo 126 voluntários com idades entre 18 e 22 anos.

Ele forneceu o elo perdido para mostrar que quanto menor o AGD, menor a contagem de esperma. (Estudantes universitários recebiam uma pequena taxa para passar pelas medições intrusivas, disse Swan, que se lembra de um jovem dizendo a ela: "Farei qualquer coisa por US$ 75".)

A pesquisa foi apoiada por outros. Na mesma época, Michael Eisenberg, professor de urologia na Faculdade de Medicina da Universidade Stanford, realizou uma série de estudos envolvendo homens na faixa dos 30 e 40 anos e, da mesma forma, encontrou uma associação entre AGD mais curto e infertilidade.

Em 2011, Swan e uma equipe de andrologistas, estatísticos, epidemiologistas e um bibliotecário de referência começaram a realizar a pesquisa mais completa da literatura sobre queda na contagem de espermatozoides até hoje. Ao todo, 185 estudos foram examinados em detalhes, usando métodos de meta-análise não disponíveis para os acadêmicos dinamarqueses 30 anos antes.

A conclusão foi profundamente perturbadora. A contagem de esperma parece ter diminuído 52% em 38 anos, ou algo mais de 1% ao ano. Quando o estudo foi publicado em 2017, rendeu "grandes, grandes notícias", lembrou ela, levando-a a publicar o livro "Count Down" [Contagem regressiva], voltado para o público em geral. Pode ter parecido um triunfo, mas a batalha de Swan para persuadir reguladores, legisladores e a indústria avançou em velocidade glacial.

A era dos plásticos que começou no início do século 20, proporcionou conveniência, acessibilidade e higiene aparentemente infinitas. Em meio à abundância de mamadeiras, brinquedos, potes para alimentos, dispositivos médicos e talheres descartáveis, os fabricantes propagaram uma nova narrativa: que os polímeros sintéticos não eram apenas seguros, mas essenciais para uma boa vida.

"Plásticos: uma parte importante de sua dieta saudável", dizia um anúncio da década de 1990 patrocinado pelo extinto American Plastics Council. "Você pode pensar neles como o sexto grupo alimentar básico."

Ironicamente, os humanos acabaram ingerindo plástico, como partículas e vapor. Os produtos químicos dos plásticos vazam dos recipientes para os alimentos, principalmente quando aquecidos. Bebês alimentados com mamadeira estão engolindo milhões de partículas microplásticas por dia, mostrou um estudo de 2020, cujos impactos na saúde são desconhecidos.

Um ingrediente que foi usado no Teflon, o PFOA, tem sido associado ao câncer, colite ulcerativa e deformidades congênitas. (Constatou-se que a DuPont, fabricante do Teflon, sabia dos riscos à saúde há décadas, mas só interrompeu a produção de PFOA em 2013.)

Enquanto eu me sentava com Swan em sua cozinha, ela apontou para o limpador não biológico em sua superfície de trabalho e as panelas de ferro fundido em seu fogão. Ela há muito deixou de cozinhar com a variedade antiaderente revestida quimicamente. Todos nós podemos tomar medidas para reduzir os perigos dos ftalatos e outros produtos químicos em nossas vidas, ela acredita.

Ela tenta comprar frutas e vegetais orgânicos e não embalados, e sua água é sempre filtrada. Ela recomenda o uso de garrafas de água de aço inoxidável ou vidro e alimentos para micro-ondas em recipientes de vidro ou cerâmica –nunca de plástico.

Mas a situação é muito séria para ser amenizada apenas por escolha individual, alertou Swan. "Não é algo que possamos pagar para sair como consumidores", disse ela.

Precisamos de plástico de materiais que não sejam hormonalmente ativos, como um garfo feito de batatas que Swan viu recentemente. Embora sua produção tenha uma pegada de carbono muito alta para ser sustentável, "confio em químicos e cientistas brilhantes que conseguiram nos dar a vacina [Covid-19] em um curto espaço de tempo, por exemplo, para pensar nisso", ela disse.

Uma dificuldade em calcular o impacto dos produtos químicos na reprodução é que uma série de outros fatores estão afetando as taxas de fertilidade em todo o mundo. Richard Sharpe, professor da Universidade de Edimburgo, acredita que a dieta ocidental ultraprocessada e rica em gordura é a principal fonte de exposição ao BPA e a alguns ftalatos.

Dieta, estresse, obesidade, fatores sociais e uma tendência para começar uma família mais tarde na vida são fatores importantes, reconhece Swan, mas isso não significa que os EDCs não estejam desempenhando um papel importante.

Em nenhum lugar a resistência ao seu campo de pesquisa foi mais forte ou consistente do que na indústria química, que sofreria um enorme golpe financeiro com a regulamentação mais rígida de seus produtos. A partir da década de 1990, uma série de artigos de cientistas lançaram dúvidas sobre as descobertas de Swan e seus colegas. Embora algumas das questões levantadas sejam confiáveis –taxas de abstinência na contagem de esperma, por exemplo, podem influenciar os resultados e não foram contabilizadas de forma confiável em alguns estudos iniciais–, outras são menos.

Swan foi um dos cientistas ridicularizados como "bebês chorões desreguladores endócrinos" pelo JunkScience.com, site administrado por um negador da mudança climática e ex-defensor da indústria do tabaco, Steve Milloy. (Swan e seus colegas inscreveram o epíteto em camisetas como um símbolo de orgulho.)

A "fabricação da dúvida" é um manual há muito usado por indústrias que resistem à regulamentação, do tabaco aos combustíveis fósseis, de acordo com David Michaels, um ex-regulador que comandou a Administração de Saúde e Segurança Ocupacional dos EUA no governo de Barack Obama.

Agora professor da Escola de Saúde Pública do Instituto Milken, em Washington, ele me disse que pesquisas realizadas por cientistas aparentemente independentes costumam ser usadas para convencer reguladores, legisladores e até mesmo o público de que não há consenso sobre os danos causados por um determinado químico ou produto.

Andrea Gore, professora de farmacologia da Universidade do Texas em Austin, que liderou o trabalho para a Sociedade de Endocrinologia sobre EDCs, disse que entre os clínicos da área há uma ampla aceitação de que exposições químicas no início da vida podem desempenhar um papel no desenvolvimento da doença.

"Acho que houve uma controvérsia há algum tempo", ela me disse. "E acho que houve um esforço para manter viva a polêmica por parte da indústria química. Mas não creio que seja mais um campo controverso. Há muito conhecimento neste momento."

Nas décadas de 1980 e 1990, Swan foi testemunha especialista em uma série de processos judiciais sobre DES, uma droga desreguladora do sistema endócrino amplamente prescrita até a década de 1970 para diminuir o risco de abortos espontâneos. Passou a causar cânceres devastadores nas filhas de algumas das mulheres que o tomaram. Uma noite, depois de aprimorar seus argumentos para a audiência do dia seguinte, ela jogou algumas de suas anotações na cesta de lixo do hotel.

No dia seguinte, ao ser questionada pelo advogado de uma empresa farmacêutica, ela viu suas anotações descartadas na frente dele. "E a única maneira de consegui-las era revirar o lixo do meu quarto de hotel", ela me disse. "Apenas pense a que isso leva." Ela lembra, com certa satisfação, de ter descoberto que a equipe jurídica adversária se referia a ela como "aquela vadia da Califórnia".

Nem todos os cientistas aceitam a premissa de que a contagem de esperma caiu, embora estudos independentes cobrindo China, França, Brasil e sul da Índia tenham chegado a conclusões semelhantes. Alguns críticos argumentam que, mesmo que a queda seja real, o impacto nas perspectivas de um homem ser pai de um filho foi exagerado. Um estudo de 2021 de pesquisadores de Harvard –vários deles com formação em filosofia e história– sugeriu que, "acima de um limite crítico", mais esperma não é necessariamente um indicador de saúde ou fertilidade.

A contagem de espermatozoides varia "entre corpos, ecologias e períodos de tempo", disseram eles. Eles atribuíram um tom racista e sexista ao trabalho de Swan e seus colegas, observando que ele "situa os corpos e ambientes dos homens rotulados como 'ocidentais' como exemplares, naturais e agora em perigo".

Swan refuta isso, apontando que seu trabalho mais recente, publicado em novembro passado, sugere que a contagem de esperma está caindo em todo o mundo. Os cientistas da mudança climática enfrentaram ceticismo semelhante, observou ela. "As pessoas diziam: 'Oh, bem, está quente agora. Mas [as temperaturas vão] cair. E assim é o clima. Bem, na verdade, esse não é o caso."

Embora ela aceite que uma contagem de esperma abaixo da média não condena necessariamente um homem à esterilidade, há um consenso de que, uma vez que a contagem de espermatozoides atinja um nível específico –menos de cerca de 40 milhões de espermatozoides por mililitro de sêmen–, a fertilidade pode ser prejudicada.

Os produtos químicos que ela conseguiu vincular mais diretamente à saúde reprodutiva são ftalatos e pesticidas, onde ela e outros encontraram evidências convincentes de uma ligação causal entre distúrbios reprodutivos e a categoria "triazina" de herbicidas. Outros pesquisadores, diz ela, encontraram evidências igualmente incontestáveis de danos à saúde reprodutiva de outras classes de EDCs, como os bisfenóis.

"Quando começamos este trabalho, estávamos no deserto médico e científico porque ninguém acreditava em nós", disse-me Myers, que escreveu o best-seller de 1996. "Então, gradualmente, construímos a ciência."

Mas o clima regulatório continua fortemente voltado para a indústria. Algumas empresas declararam orgulhosamente que suas mamadeiras e produtos para bebês são "livres de BPA", referindo-se ao Bisfenol-A, substância química que pode se infiltrar em alimentos e bebidas e, segundo alguns pesquisadores, prejudicar a saúde humana –apenas para depois descobrir que o produto substituto equivalia a "moléculas ligeiramente distorcidas", disse Swan.

Algumas noites, Swan fica acordada, preocupada. "O alarme que sinto é um alarme global", disse ela. "Eu sinto isso igualmente pelas espécies humanas e não humanas." Ela e seus colegas ativistas conseguiram alguns sucessos. Em 2008, por exemplo, brinquedos infantis e itens de puericultura contendo mais de 0,1% de três tipos de ftalatos foram permanentemente proibidos nos Estados Unidos.

Este ano, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos recomendou a redução da "ingestão diária tolerável" de BPA por um fator de cerca de 20.000. (A Agência Europeia de Medicamentos se opõe à mudança.)

Em abril, os ministros do clima, energia e meio ambiente do G7 emitiram um comunicado comprometendo-se a "prevenir ativamente a poluição química, ou (...) minimizar seus riscos associados, inclusive quando causados por liberações de produtos químicos desreguladores endócrinos". Swan caracterizou isso como um momento "muito, muito grande" em sua longa batalha para despertar governos e reguladores para os perigos dos EDCs.

Ao passar um tempo com ela, percebi que o que a faz continuar, acima de tudo, é um hábito vitalício de curiosidade. Agora baseada em San Francisco, ela continua a buscar avanços de pesquisa em seu campo. Enquanto estudava matemática na juventude, ganhou um prêmio depois de conceber a noção de que a lógica não precisa ser binária, com verdadeiro ou falso como as únicas opções, e desenvolver um sistema de lógica de "três valores".

Ela resiste à segurança do status quo e, embora se deleite com a colaboração, também se manteve fiel à garotinha independente, determinada a navegar pelo mundo em seus próprios termos, que encontrou refúgio na Casa de Juxey.

Sua principal preocupação continua sendo como alertar um mundo ainda em grande parte alheio à ameaça dos EDCs. "Você e eu, e todos neste planeta, estamos realmente servindo de cobaias", diz ela. "E ninguém nos perguntou."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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