Prefeitura de SP enfrenta desafios para cuidar de idosos que sofrem de solidão

Programa da prefeitura oferece atendimento domiciliar a 6.000 pessoas em programa com 50 equipes

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Caio Reis
São Paulo

A solidão e o isolamento estão associados a piores performances cognitivas em idosos brasileiros, segundo estudo publicado em agosto no periódico American Journal of Geriatric Psychiatry.

A partir de uma amostra representativa da população idosa brasileira, os pesquisadores identificaram que indivíduos com menor contato e suporte sociais apresentavam resultados piores em testes de memória, fluência verbal e orientação temporal. Participaram cientistas da USP, da Fiocruz, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e dos hospitais Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz.

A solidão é definida como uma experiência emocional de insuficiência das relações e pode estar presente mesmo que se conviva com muitas pessoas.

Antenor dos Santos, 85, atendido pelo PAI (Programa Acompanhante de Idosos), da Prefeitura de SP
Antenor dos Santos, 85, atendido pelo PAI (Programa Acompanhante de Idosos), da Prefeitura de SP - Lucas Seixas/Folhapress

A cidade de São Paulo tem 1,8 milhão de pessoas idosas, segundo a etapa mais recente do estudo Sabe (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento), da Faculdade de Saúde Pública da USP. Dessas, 350 mil viviam sozinhas em 2020.

Durante a pandemia, quase 20% relataram distanciamento dos familiares, e 10% tiveram problemas financeiros. Além disso, quase 100 mil idosos não tinham com quem contar durante a crise sanitária.

O Brasil está envelhecendo, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) divulgada em junho mostram que o percentual de pessoas com 60 anos ou mais na população brasileira cresceu de 11,3% para 15,1% entre 2012 e 2022. São cerca de 9 milhões de idosos a mais no país.

Para Yeda Duarte, coordenadora do Sabe, esse cenário agrava a fragilidade clínica e a vulnerabilidade de um grupo que está envelhecendo mal.

"As pessoas estão chegando aos 60 anos agora piores do que as gerações anteriores".

Segundo Marília Berzins, presidente do Olhe (Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento), morar sozinho não é ruim. "O problema é a falta de políticas públicas que sustentem a autonomia dentro do espaço residencial".

Berzins foi a autora do projeto que instituiu o PAI (Programa Acompanhante de Idosos), da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, em 2007. O intuito da iniciativa, implementada no ano seguinte, é reabilitar e desenvolver o autocuidado e promover a socialização dos idosos. Atualmente, 50 equipes atendem 6.000 pessoas em toda a cidade.

As equipes do PAI são vinculadas a uma unidade básica de saúde (UBS) e contam com 17 profissionais, incluindo um médico e dez acompanhantes, que realizam os atendimentos semanais.

Rosa Marcucci, coordenadora da Área Técnica de Saúde da Pessoa Idosa da Secretaria municipal de Saúde, diz que que "o foco do PAI é retardar a perda de capacidade funcional e, consequentemente, a institucionalização do idoso".

Nem sempre é possível manter o cuidado no ambiente residencial. Se um idoso apresenta um grau maior de dependência em atividades diárias de autocuidado, como alimentação, mobilidade e higiene, ou algum comprometimento cognitivo, uma opção são as instituições de longa permanência para idosos.

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social conta hoje com 17 locais do tipo, totalizando 630 vagas. Em 2023, 114 pessoas foram acolhidas, e ainda há pelo menos 165 idosos na fila de espera.

Apesar de necessárias, essas instituições não devem ser o foco da assistência, segundo Berzins. "Idoso tem direito a ter autonomia na sua moradia. Tirar uma pessoa idosa da sua casa pode levá-la à insegurança e à depressão".

Duarte, do Sabe, diz que é necessário ampliar o PAI para o país todo, especialmente em regiões mais vulneráveis. Na cidade de São Paulo, o desafio é aumentar o número de atendidos.

Maria Isabel Mateus, 74, é uma das atendidas pelo grupo da UBS Wamberto Dias Costa, na Vila Mazzei, zona norte da capital. Há um ano, ela perdeu a cachorra de estimação, Mel, e teve depressão. "Eu parei de comer e não tinha força para andar até o portão".

A equipe iniciou o acompanhamento logo após ser notificada de que ela havia sido atendida em um pronto-socorro por causa de um mal-estar e não tinha condições de manter um autocuidado adequado.

Hoje, Maria Isabel vive com outro cachorro, Magrão, e recebe visitas de uma acompanhante do PAI uma vez por semana. Também participa de encontros com outros atendidos no Horto Florestal, também na zona norte.

"Faz muita diferença para a gente (...). Eu falo que o programa devia ser estendido para todo mundo", diz ela.

Antenor dos Santos, 85, é atendido há dois anos. À época, ele vivia com a mulher, diagnosticada com Alzheimer. Viúvo há quase um ano e sem filhos, ele recebe a visita de uma acompanhante semanalmente.

"Se você se isola dentro de casa, você sai na rua e não consegue conversar com ninguém".

A prefeitura informou que pretende ampliar o PAI. Até o fim de 2024, a promessa é de 15 novas equipes, com capacidade para atender 1.800 pessoas. Quanto às instituições de longa permanência, a previsão é de abertura de mais de 200 vagas, distribuídas em sete unidades, no mesmo período.

Esta reportagem foi produzida durante o 8º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que conta com o apoio do Instituto Serrapilheira, do Laboratório Roche e da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein

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