Descrição de chapéu Projeto Saúde Pública

Homeopatia resiste no SUS, mesmo sem comprovação de eficácia

Em 2023, foram 32.561 atendimentos no país; em São Paulo, terapia está disponível em 12 equipamentos da rede municipal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Shyrley Gândara, 55, diz ter melhorado dos sintomas de ansiedade após ter sido tratada com carcinosinum, remédio homeopático cuja preparação é feita a partir de células cancerosas.

Ela rejeita medicamentos tradicionais e, ao em vez disso, trata problemas de saúde com a homeopatia há sete anos, desde alergias até problemas intestinais e mesmo Covid. "Eu uso para testar. Em casos mais extremos, o médico prescreve a medicação e me pede para dar um retorno em três ou quatro dias, para saber como eu reagi a ela."

Para Shyrley, as substâncias homeopáticas— que podem ser feitas a partir de origem vegetal, mineral e de produtos patológicos, e compradas em farmácias específicas para isso— são uma certeza de que ela está ingerindo algo que não vai atacar nenhuma parte do seu corpo. "Sempre tive ojeriza a medicações comuns, a gente usa para resolver uma coisa e estraga outra", diz.

Embora tenha a eficácia questionada por especialistas, que argumentam que seus efeitos não passam de placebo, a homeopatia ainda é querida por pacientes, defendida pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) e, assim, resiste no SUS (Sistema Único de Saúde).

Mão segura frasco de vidro com tampa branca. Atrás, uma planta pode ser vista em segundo plano
Criada no século 18 pelo médico alemão Samuel Hahnemann, a homeopatia baseia-se no princípio da similaridade - Oliver King/Pexels

Criado no século 18 pelo médico alemão Samuel Hahnemann, o tratamento baseia-se no princípio da similaridade: substâncias que causam determinados sintomas em indivíduos saudáveis podem curar sintomas semelhantes em pessoas doentes quando diluídas em altas doses.

Hoje, o serviço é ofertado na atenção primária, média e de alta complexidade, como parte das Pics (Práticas Integrativas e Complementares em Saúde). Somente em 2023, houve 32.561 atendimentos relacionados à prática no país, de acordo com o Ministério da Saúde. Em São Paulo, a homeopatia está disponível em 12 equipamentos da rede municipal.

Apesar do alto número de atendimentos, o Ministério da Saúde afirma que não há orçamento federal específico para as Pics. A falta de dados específicos mostra, segundo a microbiologista Natália Pasternak, que o Brasil não sabe quanto gasta com as práticas.

De acordo com Pasternak, as Pics "funcionam à parte do sistema", por não terem sido incorporadas da mesma maneira que os tratamentos convencionais —que exigem avaliação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias)— , em 2006.

"Acaba fazendo mal não só para o paciente, mas para o sistema como um todo. Para o paciente, porque pode levar a negligenciar tratamentos que podem salvar sua vida e, para o sistema, porque você está desperdiçando recursos limitados para promover tratamentos que não funcionam", afirma.

Por outro lado, Rosylane Rocha, segunda vice-presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), afirma que prática não só é válida, como não deveria ser considerada apenas como complementar pelo Ministério da Saúde.

"É algo que a gente não compreende. A homeopatia é consagrada, praticada por médicos formados, é uma especialidade como outra qualquer. O paciente, na relação com o médico, vai ter oportunidade de receber o tratamento. Ela não é terapia complementar", diz ela.

Por que a homeopatia resiste?

A prática chegou no Brasil por volta de 1840 e se enraizou nos círculos médicos desde muito cedo, diz Lenin Bicudo, doutor em sociologia pela USP (Universidade de São Paulo).

"Houve uma série de alianças bem-sucedidas que os homeopatas fizeram que ajudaram a enraizá-la, uma delas no âmbito de médicos das Forças Armadas e uma com o espiritismo, conexão chancelada pela autoridade máxima do espiritismo, o Allan Kardec", afirma Bicudo, que estudou a persistência da homeopatia no doutorado.

O motivo da popularidade pode ter a ver com a uma falta de acesso a serviços de saúde de qualidade, diz Pasternak. O SUS só foi implantado em 1988, com a Constituição Federal.

Para seus pacientes, a homeopatia conta com um diferencial em relação às demais especialidades médicas. "É um tratamento bastante acolhedor, a gente se sente visto como indivíduo que precisa de atenção, que está ali porque está sofrendo de alguma forma. O médico nos vê não como um sintoma, mas como um indivíduo", diz Shyrley.

O que dizem os estudos

Entre 1997 e 2017, meta-análises publicadas nas revistas Systematic Review e Lancet agregaram resultados de estudos independentes e apontaram que não há um efeito da homeopatia sobre doenças específicas.

Uma revisão sistemática de 2023, que conta com os resultados mais favoráveis à prática, diz que "não houve suporte para a hipótese alternativa de nenhuma diferença de resultado entre a homeopatia e o placebo".

Uma das críticas de médicos homeopatas a ensaios clínicos reside no fato de que, segundo eles, o tratamento adequado deve priorizar a individualização do medicamento único de acordo com os sinais e sintomas de cada paciente e, nos estudos, os princípios são desrespeitados, ou seja, o mesmo medicamento é administrado para diversos indivíduos com a mesma doença.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.