Descrição de chapéu The New York Times África

Acabar com a tuberculose é possível, mas muitos seguem morrendo no mundo

Doença é evitável e curável, mas voltou a ser a principal causa de mortes por enfermidades infecciosas, superando a Covid

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Stephanie Nolen
Acra (Gana) | The New York Times

Na Policlínica Kaneshie, um centro de saúde num bairro pobre de Acra, capital de Gana (África Ocidental), existe uma regra. Cada paciente que passa pela porta –uma mulher em trabalho de parto, um trabalhador da construção civil ferido, uma criança com malária– é submetido a um teste de tuberculose.

Essa política, de âmbito nacional, pretende abordar um problema trágico: dois terços da população deste país têm tuberculose e não sabem disso.

A enfermidade, que é evitável e curável, recuperou o título de principal causa de morte por doenças infecciosas no mundo, depois de ter sido ultrapassada em seu longo reinado pela Covid-19. Mas em todo o mundo, 40% das pessoas que vivem com a chamada "TB" não são tratadas nem têm diagnóstico, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). A doença matou 1,6 milhão de pessoas em 2021.

Laboratório na Policlínica Kaneshie,  em Acra, Gana, onde todo paciente que entra pela porta precisa ser testado para tuberculose
Laboratório na Policlínica Kaneshie, em Gana, onde todo paciente que entra pela porta precisa fazer teste de tuberculose - Natalija Gormalova/The New York Times

Os números são ainda mais preocupantes porque este é um momento de grande esperança na luta contra a tuberculose: inovações significativas no diagnóstico e no tratamento começaram a chegar aos países em desenvolvimento, e os ensaios clínicos de uma nova vacina deram resultados promissores. Os especialistas em doenças infecciosas que lutam contra a tuberculose há décadas expressam uma nova convicção de que, com verbas suficientes e empenho para levar essas ferramentas às comunidades negligenciadas, a doença poderia ser quase derrotada.

"Esta é a melhor notícia que vimos sobre a tuberculose em décadas", diz Puneet Dewan, pesquisador de saúde pública no programa de tuberculose da Fundação Bill & Melinda Gates. "Mas há uma brecha entre ter um projeto interessante e realmente alcançar as pessoas com essas ferramentas."

Uma visita recente à clínica Kaneshie revelou o progresso feito e também os obstáculos que restam. Apesar da política da clínica de realizar exames de tuberculose, que na maioria das vezes ataca os pulmões, em todos, com algumas perguntas sobre tosse e outros sintomas, os pacientes entravam no edifício térreo de blocos de cimento e eram enviados para atendimento sem qualquer pergunta. Descobriu-se que um membro da equipe estava de férias, outro estava em licença-maternidade e um terceiro estava doente. Restavam apenas dois, ocupados com o processamento de testes e a distribuição de medicamentos.

Por isso, ninguém foi rastreado, nem naquele dia nem em qualquer outro da semana anterior.

"É uma boa política, funciona bem quando podemos fazê-lo, mas o pessoal é um problema", afirma Haphsheitu Yahaya, coordenador de tuberculose da clínica.

Quando a política de rastreio funciona, os novos medicamentos – os primeiros a chegar ao mercado desde a década de 1970 – podem ser tomados em alguns comprimidos por dia, em vez de punhados de comprimidos e injeções dolorosas, como os tratamentos eram administrados no passado.

As pessoas com diagnóstico resistente a medicamentos recebem remédio durante seis meses –um tempo muito menor do que o necessário anteriormente. Durante décadas, o tratamento padrão para tuberculose resistente a medicamentos era ingerir substâncias diariamente durante um ano e meio, às vezes dois anos.

Inevitavelmente, muitos pacientes paravam o tratamento antes de serem curados e acabavam com doenças mais graves. Os novos medicamentos têm muito menos efeitos colaterais indesejáveis do que os antigos, que podiam causar surdez permanente e distúrbios psiquiátricos. Essas melhorias ajudam mais pessoas a seguir com os remédios, o que é bom para os pacientes e alivia a pressão sobre um sistema de saúde frágil.

Em Gana e na maioria dos outros países com alta prevalência da doença, os medicamentos são financiados pelo Fundo Global de Combate à Aids, a Tuberculose e a Malária, uma parceria internacional que angaria dinheiro para ajudar os países a combater essas enfermidades. Mas as contribuições para a agência têm diminuído a cada rodada de financiamento.

Os países que lutam contra a TB estão preocupados com o que poderá acontecer se o aporte terminar. Atualmente, o tratamento para adultos recomendado pela OMS custa pelo menos US$ 150 por paciente em países de baixa e média renda.

Apenas 169 centros de saúde em Gana têm capacidade para utilizar o novo método de teste. Normalmente, as amostras devem ser transportadas, o que pode levar até 3h de carro em algumas áreas rurais. Quando os resultados chegam, pode ser difícil localizar as pessoas que foram testadas.

"A equação é simples: se investíssemos mais recursos em testes de TB, encontraríamos mais TB", afirma Yaw Adusi-Poku, diretor do programa nacional de controle da doença no Gana.

Isso exigirá mais locais de testes moleculares, mais funcionários treinados para detectar a doença, mais pessoas para fazer perguntas na porta da clínica, mais enfermeiros como o intrépido Boadi, que aparece na porta dos pacientes para incentivá-los a fazer testes em suas famílias (e frequentemente vasculha o próprio bolso para ajudar os pacientes a pagar a passagem de ônibus para buscar seus medicamentos).

O diagnóstico molecular é consideravelmente mais caro que o método antigo. A Cepheid, empresa que fabrica cartuchos para as máquinas de testes, concordou recentemente em reduzir o preço de cada um deles de US$ 10 para US$ 8. Uma análise encomendada pelos Médicos Sem Fronteiras concluiu que os cartuchos poderiam ser fabricados por menos de US$ 5. A Cepheid continua cobrando US$ 15 por teste para o diagnóstico da doença extremamente resistente aos medicamentos, a forma mais letal.

O financiamento para serviços de tuberculose em países de baixa e média renda caiu para US$ 5,8 bilhões em 2022, contra US$ 6,4 bilhões em 2018, o que é apenas a metade do que a OMS afirma ser necessário. Cerca de US$ 1 bilhão estão disponíveis todos os anos para a pesquisa, metade do montante que a ONU afirma ser necessário.

Numa reunião especial sobre a doença na ONU em setembro, os governos se comprometeram a gastar pelo menos US$ 22 bilhões por ano até 2027. Mas numa reunião semelhante em 2018 os mesmos doadores prometeram gastar US$ 13 bilhões até 2022, dos quais menos da metade se materializou.

"Estou feliz por termos essas inovações, mas o fato de elas existirem e de a OMS as recomendar não significa que as pessoas tenham acesso a elas", pontua Madhukar Pai, diretor associado do Centro Internacional de tuberculose na Universidade McGill em Montreal (Canadá). "Os custos ainda são muito altos, e é preciso que alguém os forneça."

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