Egito ajuda países africanos a acabarem com hepatite C após quase eliminar doença

Primeiro vizinho a receber ajuda foi Gana, que está investindo na construção de um sistema de saúde nacional

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Stephanie Nolen
The New York Times

Durante sete anos, Sulemana Musah investiu quase todo o dinheiro que recebia em sua luta contra a hepatite C.

Seus empréstimos estudantis para a pós-graduação, seu salário como professor do ensino médio e o dinheiro que ganhava vendendo inhame foram todos destinados a testes e medicamentos para tentar curar o vírus que o debilitava. Musah, 27, que mora em Acra, capital de Gana, deixou de lado o sonho de abrir um negócio, construir uma casa, casar.

Ele juntou dinheiro suficiente –US$ 900, metade de seu salário anual– para comprar um curso de medicamentos que, há uma década, começou a revolucionar o tratamento da hepatite C nos Estados Unidos e em outros países de alta renda.

Profissional da saúde tira amostra de sangue para teste de hepatite C - Tamer/Adobe Stock

Ele era um paciente raro para quem esse tratamento não era suficiente, então, por anos, ele tentou, sem sucesso, economizar o suficiente para outro. "Fiquei apenas esperando que Deus fizesse seus milagres", diz ele.

Então, em março, seu médico deu a ele uma notícia extraordinária: o governo ganês havia recebido uma doação de medicamentos para hepatite C. Ele poderia ter tratamento gratuito. Em questão de semanas, Musah recebeu as pílulas. Em outubro, um exame de sangue mostrou que ele finalmente estava curado.

Ele estava sem dinheiro, exausto e pronto para retomar suas ambições.

A doação veio de uma fonte muito improvável: o Egito, que apenas alguns anos atrás tinha a maior carga de hepatite C do mundo. Estima-se que 1 em cada 10 pessoas, cerca de 9 milhões de egípcios, está afetada cronicamente. Em uma campanha de saúde pública extraordinária tanto em escala quanto em sucesso, o Egito examinou toda a sua população, negociou um acordo para medicamentos com desconto e curou quase todos com o vírus.

"Este é um dos maiores feitos já realizados na saúde pública", diz John W. Ward, diretor da Coalizão para a Eliminação Global da Hepatite no Task Force for Global Health.

O Egito está no caminho certo para ser o primeiro país a alcançar a meta da OMS (Organização Mundial da Saúde) de eliminar a hepatite C e está aproveitando essa vitória em uma campanha de "diplomacia da saúde", comprometendo-se a doar medicamentos e compartilhar conhecimentos, com o objetivo de tratar 1 milhão de pacientes africanos. É um gesto incomum no mundo da saúde global, onde a generosidade geralmente é entregue a países em desenvolvimento por nações de alta renda.

"O governo egípcio viu uma oportunidade de estender sua experiência além de suas fronteiras e contribuir para os esforços de saúde global", afirma Khaled Ghaffar, ministro da Saúde e População do Egito. "Essa diplomacia da saúde permite que o Egito aproveite seu sucesso no tratamento da hepatite para o benefício maior da humanidade, ao mesmo tempo em que melhora sua posição na comunidade global".

Globalmente, cerca de 58 milhões de pessoas estão infectadas cronicamente com hepatite C, de acordo com a OMS, e a grande maioria –50 milhões– vive em países de baixa e média renda. Quatro em cada cinco pessoas não sabem que têm a doença. Cerca de 300 mil pessoas morrem a cada ano de complicações, especialmente cirrose e câncer de fígado.

O vírus é transmitido mais comumente pelo sangue. Em países de alta renda, muitas vezes é disseminado por agulhas não higiênicas usadas para injetar drogas, enquanto em países em desenvolvimento a transmissão frequentemente ocorre em ambientes de saúde, seja por meio de agulhas e instrumentos não esterilizados ou por cortes feitos por curandeiros tradicionais. Cerca de um terço das pessoas eliminam a infecção por conta própria, mas na maioria ela se torna crônica, danificando lentamente o fígado ao longo do tempo.

No entanto, poucos países incluem a doença em seus planos de saúde pública ou realizam testes para rastrear o número de pessoas infectadas. A hepatite C não tem sido o foco de grandes programas internacionais, como o HIV e a malária, e tem sido uma preocupação tão pequena em países de baixa renda que os governos raramente acompanham quantas pessoas a têm, quanto mais tratá-la. Até este ano, em Gana, assim como em outros países africanos, apenas um punhado de pessoas ricas eram tratadas para hepatite C, usando medicamentos que compravam particularmente.

A situação era a mesma no Egito até 2007. Uma campanha de vacinação em massa que começou na década de 1950 e, por 20 anos, usou agulhas inadequadamente esterilizadas, havia espalhado acidentalmente a hepatite pela população. Poucas pessoas podiam pagar pelo tratamento particular. Quando o governo decidiu iniciar seu programa nacional, o vírus estava matando dezenas de milhares de pessoas todos os anos. No início, o Egito usava dois medicamentos antigos que curavam apenas cerca de metade dos tratados com eles. Mas, em 2013, a Gilead Sciences Inc. lançou no mercado um antiviral que se tornou a primeira cura para uma infecção por vírus na história da medicina.

Enquanto a empresa cobrava US$ 1.000 por sua pílula diária nos Estados Unidos, o Egito negociou a compra por US$ 10 por pílula –e depois fez com que empresas farmacêuticas indianas e egípcias produzissem uma versão genérica ainda mais barata em troca de royalties. O Egito tratou mais de 4 milhões de pessoas e reduziu a prevalência da hepatite C para apenas 0,4%.

"As notícias sobre os medicamentos têm sido apenas boas. O problema é que os países não estão disponibilizando os medicamentos para as pessoas que precisam", pontua Ward, diretor da coalizão.

O Egito escolheu Gana como parceiro inicial porque está investindo na construção de um sistema de saúde nacional. Yvonne Ayerki Nartey, médica do Cape Coast Teaching Hospital, juntou-se à Coalizão para a Eliminação Global da Hepatite para elaborar um plano de resposta para Gana. Ela precisava primeiro descobrir quantos ganenses estavam infectados e onde estavam. Um esforço nacional de triagem descobriu que 1 em cada 20 pessoas no norte do país, uma área com taxas de pobreza mais altas e serviços de saúde mais fracos, tinha hepatite C. Ela participou de programas de rádio e espalhou a palavra pelo Facebook e WhatsApp de que o tratamento poderia em breve ser acessível.

Os medicamentos estavam a caminho do Egito, mas o próximo passo foi difícil: enquanto um especialista em fígado trataria a hepatite nos Estados Unidos, Gana tem menos de 20 hepatologistas. Nartey organizou cursos de treinamento para médicos em cada distrito.

"A maioria nunca tratou hepatite C antes porque o tratamento não acontece aqui", diz ela.

Ao expandir o programa em todo Gana, Nartey espera triar 2 milhões de pessoas com um teste de antígeno mais barato, que custa cerca de US$ 1 por paciente, e depois fazer a carga viral para os 200 mil que ela antecipa terem os anticorpos, confirmando a infecção ativa, e acabar com 46 mil pacientes que podem ser tratados, usando a primeira parcela de medicamentos prometidos pelo Egito. Sua pesquisa de prevalência sugere que isso deixará outros 300 mil ainda a serem tratados.

"É muito, mas somos ambiciosos", afirma.

O Egito está trabalhando para estabelecer programas paralelos de hepatite C em outros países, incluindo Chade e Sudão.

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