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Não é certo manter patente de uma vacina só para você, diz ministro da Saúde da Indonésia

Budi Sadikin defende aumento da cooperação internacional no combate às doenças

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Rio de Janeiro

Uma das heranças deixadas de aprendizado pela Covid é a importância da colaboração global no combate às doenças endêmicas. É o que afirma o ministro da Saúde da Indonésia, Budi Gunadi Sadikin, que esteve à frente do enfrentamento da pandemia no país asiático.

Durante a crise sanitária, países mais ricos fecharam rapidamente acordos com as farmacêuticas para adquirir as vacinas contra o coronavírus, enquanto nações mais pobres ficaram atrás na corrida pelo imunizante. Foi preciso a criação de um consórcio —o Covax Facility, criado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e outras organizações internacionais— para tentar reparar tal desigualdade.

Ministro da Saúde da Indonésia, Budi G. Sadikin, defende quebra de patente das vacinas e colaboração global no combate às doenças: 'Nosso papel é dizer que humanos são iguais'."
Ministro da Saúde da Indonésia, Budi G. Sadikin, defende quebra de patente das vacinas e colaboração global no combate às doenças: 'Nosso papel é dizer que humanos são iguais' - Divulgação/Ministério da Saúde da Indonésia

Na época, o debate sobre a quebra da patente dos imunizantes se intensificou. Porém, mesmo com um vírus que circulava entre todos os continentes do globo e que deixou mais de 7 milhões de mortos no mundo, as farmacêuticas mantiveram sua exclusividade no uso das vacinas.

"Não é certo de modo científico, ético nem moral manter uma patente só para você", diz Sadikin, em entrevista à Folha.

Não é certo de modo científico, ético nem moral manter uma patente só para você

Budi Gunadi Sadikin

ministro da Saúde da Indonésia

"Você pode achar que está protegido e que só as outras pessoas vão morrer. Mas, não. Elas podem transmitir a doença de volta a você. Então, cientificamente, não faz sentido [manter as patentes]. Já ética e moralmente, você quer ver seu vizinho morrer enquanto você tem a patente da vacina?"

Quatro anos após a pior crise sanitária em um século ter eclodido no mundo, pouco se avançou na colaboração global no combate de doenças. Em paralelo, as mudanças climáticas fizeram com que patógenos tão transmissíveis quanto o coronavírus se alastrassem por mais regiões do mundo.

Um exemplo disso é o aumento dos casos de dengue não só em países tropicais, como Brasil e Indonésia, mas também na Europa e Estados Unidos. Segundo Sadikin, é diante desse cenário que as nações do Sul Global devem tomar a liderança no combate a essas enfermidades e criar uma rede de compartilhamento de informações para conter epidemias e eventuais pandemias.

"A questão das doenças tropicais, como chikungunya, febre amarela, dengue, malária e tuberculose, é que elas acontecem com mais frequência em países em desenvolvimento, do sul e tropicais. Não em países desenvolvidos. Estes costumam ajudar [no investimento em pesquisas e imunizantes], mas o valor do apoio não é tão grande quanto foi com a Covid", diz o ministro indonésio.

"Diferentemente das guerras entre humanos e contra a natureza, o patógeno é sempre uma guerra global. Por isso, devemos nos unir para enfrentá-lo. Não dá para acreditar que é possível deixar o Brasil e a Indonésia por conta própria e achar que Europa e EUA não serão atingidos. Eles foram atingidos pela pandemia, e a dengue também pode afetá-los um dia."

A defesa de Sadikin pela quebra das patentes também se dá no caso da dengue. Apesar de ser uma doença há muito conhecida pelos países tropicais, há hoje poucas vacinas para combatê-la. No Brasil, só há dois tipos de imunizantes, a Dengvaxia e a QDenga, mas não há quantidade suficiente para imunizar a população.

As duas vacinas também já estão presentes na Indonésia, mas, assim como no Brasil, também não são acessíveis a toda população. Enquanto aqui apenas a QDenga foi incorporada ao SUS (Sistema Único de Saúde), na nação sul-asiática, nenhuma delas consta no rol oferecido pelo sistema público.

Os dois países assinaram, no início do mês, um memorando para estreitar as relações na área da saúde. A ideia é fortalecer a parceria entre Brasil e Indonésia, inclusive para a produção de insumos e troca de estratégias para o combate à dengue.

Sadikin vê o G20 —grupo formado pelas maiores economias do mundo e do qual Brasil e Indonésia fazem parte— como uma janela de oportunidade para conscientizar os demais países da importância de uma cooperação global na área da saúde. Ele afirma que o papel das nações do Sul Global é usar a cúpula, que acontece neste ano no Rio de Janeiro, para defender um acesso equânime ao conhecimento e aos imunizantes.

"O G20 é a reunião dos 20 países mais ricos. A maioria deles são países do Norte. O nosso papel, do Brasil, da Indonésia, da Índia e dos demais países do Sul, é levantarmos a voz e dizer: 'ei, humanos são iguais em todos os lugares'", diz o ministro. Ele completa:

"Nesse tipo de guerra, o patógeno é sempre mais forte do que nós. Por isso é preciso compartilhar todas as informações que temos para nos salvar, para estarmos prontos para a próxima pandemia. E os países do Sul Global devem trabalhar juntos para aumentar a nossa capacidade em termos de pesquisa, desenvolvimento e produção de imunizantes. Isso nos trará um equilíbrio e nos permitirá priorizar uma população que, muitas vezes, não tem acesso justo às vacinas e aos medicamentos, isto é, às armas para matar os patógenos".

Sadikin veio ao Brasil, no início deste mês, para participar da reunião do Stop TB Partnership ("Parceria para conter a tuberculose", em uma tradução literal), em Brasília. A coalizão, que faz parte das iniciativas da ONU, tem como objetivo erradicar a doença infecciosa.

O ministro indonésio, junto com a ministra da Saúde do Brasil, Nísia Trindade, presidem o Conselho Acelerador de Vacinas contra Tuberculose, criado pela OMS, que promove o licenciamento e uso de novos imunizantes eficazes contra a doença.

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