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'Censo do aborto' de BH pode ampliar constrangimento a mulheres, dizem especialistas

Vereadora afirma que lei vai ajudar a formalizar políticas públicas

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Belo Horizonte

A nova lei de Belo Horizonte que ficou conhecida como "censo do aborto", por reunir as estatísticas de interrupção de gravidez na cidade, pode dificultar ainda mais o acesso aos procedimentos legais por causar constrangimento às mulheres e aos médicos, segundo especialistas em saúde e direito da mulher ouvidos pela Folha.

Bruno Santos - 23.jun.2022/ Folhapress
Ato em frente ao Ministério Público Federal contra juíza que tentou impedir menina de 11 anos de realizar aborto legal - Bruno Santos/Folhapress

Aprovada em abril deste ano pela Câmara dos Vereadores da cidade, a proposta prevê que os hospitais do município devem informar à Secretaria de Saúde informações como:

  • a faixa etária da gestante que interrompe a gravidez;

  • a cor ou raça da gestante.

Em maio, o prefeito Fuad Noman (PSD) sancionou o projeto, mas vetou dois dispositivos. Um deles determinava a exposição do hospital que realizou cada procedimento –este veto foi mantido pela Câmara em votação na última segunda (1º).

O segundo veto, que trata sobre a divulgação das estatísticas de aborto no site da prefeitura e no Diário Oficial do Município, foi derrubado pelos vereadores na sessão desta semana.

Mesmo que o nome dos hospitais onde cada procedimento feito não seja divulgado, a nova lei pode servir como um obstáculo ao direito das mulheres, afirma Maria Cecília Oliveira, da Defensoria Pública de Minas Gerais.

"Belo Horizonte tem cinco hospitais de referência, então essas informações disponibilizadas no portal da prefeitura podem constranger de alguma forma essas mulheres e meninas e os profissionais de saúde, que se veem acuados", diz Oliveira.

Ela afirma que a defensoria estuda entrar com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) na Justiça para limitar os efeitos da nova lei.

Autora do projeto de lei na Câmara, a vereadora Flávia Borja (Democracia Cristã) declara que a proposta tem como objetivo levantar dados para a formalização de políticas públicas.

"O objetivo é ter transparência. Eu sou uma vereadora pró-vida, e quero fazer políticas públicas para chegar antes da violência, antes do estupro, para a gente proteger verdadeiramente essas mulheres e meninas", afirma Borja.

O argumento de transparência é contestado por especialistas da área da saúde, que afirmam que as informações exigidas pela nova lei já estão disponíveis no DataSUS, do Ministério da Saúde, para ser acessado de qualquer cidadão.

O problema da nova legislação está na diferença de metodologia das coletas feitas a nível nacional e municipal, explica Raquel Zanatta, professora do departamento de demografia e pesquisadora do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

"A coleta nacional é feita de forma padronizada, em um instrumento cuja finalidade é financeira –remunerar os hospitais pelos seus serviços prestados, sem juízo de valor em relação aos procedimentos realizados", diz Zanatta.

"Mesmo que os dados [da nova lei] sejam agregados depois e divulgados na totalidade pela Secretaria de Saúde, os hospitais os coletariam de forma individual. A mulher e a equipe médica passariam por constrangimentos e correriam o risco de ter o seu direito à privacidade violado na análise quantitativa."

A médica Sonia Lansky, professora convidada da pós-graduação da Faculdade de Medicina da UFMG, afirma que os formuladores da nova proposta procuram brechas para aumentar a vigilância e a punição contra mulheres e médicos.

"O risco recai mais uma vez sobre as pobres e negras. É a população com maior necessidade e vulnerabilidade e que não tem acesso assegurado e em tempo oportuno para o abortamento seguro e legal previsto em lei, e que muitas vezes morrem por este motivo", afirma Lansky, que chegou a cumprir mandato como vereadora do PT no início da atual legislatura.

Para a vereadora Flávia Borja, as críticas em relação à exposição do médico e da vítima não se justificam. Ela argumenta que, apesar de os dados serem encaminhados pelos hospitais mensalmente à secretaria, eles só serão divulgados pelo município semestralmente.

"Como o médico vai ser exposto a algo que já aconteceu? Não há uma possibilidade de acontecer isso. Essa é só uma tentativa de talvez denegrir o projeto. Se não tem nada errado, está tudo dentro da lei, por que há esse temor?", questiona a vereadora.

Procurados, a prefeitura de Belo Horizonte e o governo de Minas Gerais, que administram os hospitais públicos de referência para o aborto, não retornaram às tentativas de contato.

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