Especialista afirma que 8 horas de sono contínuo para atletas é mito

Crédito: Paul Ellis - 4.set.2017/AFP Sports Sleep Coach, Nick Littlehales, speaks during a panel discussion at the Soccerex Global Convention 2017 in Manchester, north-west England, on September 4, 2017. / AFP PHOTO / Paul ELLIS
O especialista em sono Nick Littlehales em Manchester

ALEX SABINO
DE SÃO PAULO

É difícil conseguir horário na agenda de Nick Littlehales. No seu escritório em Nottingham, no leste da Inglaterra, ele é um homem ocupado. Dá consultorias, promove seu livro e atende clientes. Seu papel é desmistificar que o sono é um processo natural para atletas de alto nível. Afirma que os esportistas precisam aprender a dormir. E não é tão simples quanto parece.

"Essa história de que todos devem ter oito horas de sono à noite para recuperar as energias é falácia", afirma.

Littlehales é um "técnico de sono" que presta consultoria para clubes de futebol como Manchester United, Manchester City e Real Madrid, equipes de ciclismo, seleção inglesa de rúgbi, esportistas que estiveram na Olimpíada do Rio e Cristiano Ronaldo, atual dono do título de melhor jogador do mundo e finalista do prêmio em 2017.

Ex-golfista, ele estuda os processos do sono há 30 anos e espalha seu credo: oito horas ininterruptas de sono não são reparadoras, estar confortável demais no colchão não é bom, dormir de barriga para cima não é o mais indicado para relaxar articulações.

"O atleta precisa ter o conhecimento do que é o sono. A maior recuperação física possível traz vantagens nas competições. Para esportistas de alto nível qualquer vantagem faz diferença", defende o especialista.

Os atletas que o procuram ouvem que devem dividir o sono em três períodos e é preciso adaptar o corpo a isso.

Foi conselho oferecido a Cristiano Ronaldo em 2007, quando deu consultoria ao Manchester United e reforçado em 2014, quando se reencontraram no Real Madrid.

"Não é uma fórmula fechada. Depende do país em que a pessoa vive, do período do ano, dos seus hábitos de treinamentos", completa.

A teoria de Littlehales é que ao despertar, o atleta começa a gastar a energia acumulada. Na metade do dia, esta começa a acabar, então é necessário dormir por 60 ou 90 minutos para recuperá-la.

Após o treinamento à tarde ou no começo da noite, em dias que não são de competição, deve-se adaptar o corpo a tirar mais um cochilo. Depois, ficaria o tempo restante para completar o sono.

"A serotonina [neurotransmissor que atua no cérebro] nos é trazida pela luz solar e nos faz ter energia, estar ativo e ter apetite. No meio do dia, em relação ao momento que o sol nasce, você está na metade desse processo e o nível [de serotonina] começa a baixar. É quando, para o cérebro, a necessidade de dormir é grande. Se você descansa, renova-se", afirma.

Ao agir desta forma, o atleta tira "pressão" do sono da noite, acorda mais cedo para aproveitar a luz solar e, por consequência, a serotonina.

Esportistas de alto nível são de adaptação mais difícil às recomendações por causa do estilo de vida que levam, afirma Littlehales. Quanto mais famoso, pior, pelos compromissos que têm, redes sociais, marketing e atividades que lhe tomam o tempo.

"Eles precisam saber do poder que ganham se dormirem na hora ideal pelo tempo ideal", completa.

Não é apenas a questão das horas. Ele pede que seus clientes durmam em posição fetal, de preferência sobre o lado esquerdo do corpo. Diz ser o hábito do ser humano desde o homem das cavernas. É a situação em que o corpo mais consegue relaxar.

"A sensação que passa para o cérebro é de conforto porque teoricamente está protegendo o coração e os órgãos genitais. O processo de recuperação de energia é maior."

Carta
Sua primeira intervenção no esporte aconteceu em 1997, quando leu em jornal que o zagueiro Gary Pallister, do Manchester United, sofria com dores crônicas nas costas. Escreveu para o técnico Alex Ferguson sugerindo que o problema poderia ser a cama usada pelo defensor.

O escocês não apenas leu a carta como lhe telefonou pedindo recomendação. Littlehales sugeriu que o jogador começasse a dormir em um colchão de, no máximo, 10 centímetros de espuma.

A melhora física de Pallister abriu as portas para o especialista no futebol. Algumas vezes, ele confessa ter encontrado problemas. Sua apresentação no Arsenal foi ridicularizada até que o francês Thierry Henry disse que experimentaria os métodos e os recomendou aos outros.

Na Volta da França, por recomendação de Littlehales, os ciclistas dormem em colchões finos, encomendados pelo Team Sky, que reúne os principais nomes do país.

"O esporte pode ser um ambiente estressante e cansativo. Os atletas muitas vezes apelam para suplementos e vitaminas quando, na realidade, precisam dormir direito", afirma Littlehales.

A recomendação mais difícil de ser seguida e que ele imagina ser a mais burlada pelos esportistas é o pedido para se desligar aparelhos eletrônicos e luzes artificiais uma hora antes de dormir.
"São os problemas do mundo moderno", admite.

Em 2016, Littlehales lançou o livro "Sleep: The Myth of 8 Hours, The Power of Naps... And The New Plan to Recharge Your Body And Mind" ("Dormir: o mito das oito horas, o poder das sonecas... e o novo plano para recarregar seu corpo mente"), ainda sem edição no Brasil.

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