Primeira trans no futebol deixou o esporte após redesignação sexual

Jaiyah Saelua jogou por Samoa Americana nas eliminatórias da Copa-14

Jaiyah Saelua se identifica como “fa’afafine” (na forma de mulher), minoria que é reconhecida em Samoa Americana como um terceiro gênero
Jaiyah Saelua se identifica como “fa’afafine” (na forma de mulher), minoria que é reconhecida em Samoa Americana como um terceiro gênero - Peter Parks - 7.jun.2014/AFP
Edoardo Ghirotto
São Paulo

A primeira transgênero a jogar futebol de maneira profissional abandonou o esporte depois de ter iniciado sua redesignação sexual pela via hormonal.

Jaiyah Saelua, 29, que defendeu o time masculino da Samoa Americana nas eliminatórias para a Copa de 2014, tomou a decisão em 2015 por não conseguir mais acompanhar a intensidade dos treinamentos dos homens em razão das transformações pelas quais seu corpo passou. 

A Fifa não possui uma política voltada para transgêneros e evita emitir um posicionamento público sobre o assunto. A entidade diz que não tem o que declarar por nunca ter precisado analisar uma questão dessa natureza.

O caso de Saelua ganhou repercussão em 2011. Ela já se identificava com o sexo feminino quando esteve em campo na primeira vitória da história da seleção de futebol de seu país —considerada a pior do mundo, na ocasião.

“Eu não escolhi atuar pela seleção masculina. Era o time que eu tinha de jogar, considerando que fui convocada quando tinha 14 anos. Naquela idade, não tinha começado o tratamento hormonal e era considerada homem.”

Saelua diz que cogita entrar com um pedido para defender a seleção feminina da Samoa Americana.

“Considerando que a Fifa não tem uma política para apoiar ou negar este entendimento, creio que isso seja possível”, disse.

Nascida Johnny Saelua, a jogadora se identifica como “fa’afafine” (na forma de mulher, em tradução livre), minoria reconhecida em seu país como um terceiro gênero. 

“Embora no papel esta não seja uma identidade legal, ela é tradicionalmente e culturalmente reconhecida pelas pessoas da Samoa e da Samoa Americana”, afirmou Saelua. 

“A influência da religião e das ideologias ocidentais afetou a percepção sobre as ‘fa’afafine’, mas geralmente somos respeitadas em nossas comunidades e contamos com as mesmas oportunidades que qualquer outra pessoa”, afirma Saelua.

Ela iniciou o tratamento hormonal há três anos. As mudanças decorrentes do tratamento a fizeram deixar o esporte profissional.

“Eu me tornei menos capaz de seguir o ritmo do time masculino. Eu não consigo mais acompanhar as habilidades e técnicas necessárias para jogar numa equipe competitiva de homens”, afirma.

Hoje ela vive no Havaí e joga futebol apenas como um passatempo. “A maior parte do meu tempo é em casa, tomando conta do meu tio idoso. Uma das responsabilidades culturais mais antigas das ‘fa’afafine’ é cuidar dos mais velhos, então eu estou mantendo a tradição”, disse.

Em suas redes sociais, Saelua diz ser a primeira jogadora transgênero reconhecida pela Fifa. A entidade afirmou que convidou a atleta para campanhas de inclusão às minorias no futebol, mas diz que não houve um reconhecimento formal de sua identidade como mulher. 

“A Fifa foi muito acolhedora com meu envolvimento no esporte, mas acredito que isso aconteceu porque sou uma mulher transgênero que jogou pelo time masculino. O mundo do futebol não seria tão receptivo se eu quisesse atuar pela equipe feminina”, afirmou Saelua.

“Um dia, eu ou outra transgênero irá jogar com as mulheres, então nós veremos o quão acolhedora a Fifa será.”

No site da entidade, o perfil de Saelua ainda é apresentado com seu nome masculino. “Iria agradecer se a Fifa mudasse meu nome nos registros oficiais. Enviarei uma cópia da minha ordem judicial se é o que eles precisam para alterá-lo”, afirmou.

NA JUSTIÇA

Pessoas com trânsito entre comitês médico e jurídico da Fifa disseram à Folha, em caráter reservado, que o órgão considera desenvolver uma política específica para transgêneros assim que houver uma decisão definitiva da CAS (Corte Arbitral do Esporte) sobre a suspensão aplicada à política da IAAF (Associação Internacional de Federações de Atletismo) para atletas com hiperandrogenismo, um distúrbio endocrinológico que pode aumentar a presença de testosterona no organismo feminino.

O processo se refere ao caso da indiana Dutee Chand, impedida de competir nos Jogos da Commonwealth de 2014. Em julho de 2015, a CAS contestou a alegação da IAAF de que o distúrbio hormonal dava vantagens para Chand frente a outras atletas e suspendeu a regra.

Em janeiro, a CAS suspendeu o trâmite do processo por seis meses para que a IAAF mostre como irá implementar novas regulamentações. Caso a entidade mantenha as regras que foram suspensas, o julgamento será retomado. 

As audiências serão encerradas se a federação retirar as atuais diretrizes ou trocá-las pelas regras que ela mesma propôs no ano passado.

Publicamente, a Fifa disse que a atual abordagem para questões de gênero está refletida em documento da federação intitulado “Verificação de Gênero”. Não há nenhuma menção a transgêneros na cartilha da entidade. 

“Para competições masculinas da Fifa, apenas homens são elegíveis para jogar. Para competições femininas, apenas mulheres são elegíveis para jogar”, diz a entidade no artigo que trata sobre a elegibilidade de gênero.

Saelua afirma apoiar os esforços da atual administração da Fifa para combater discriminações de qualquer natureza, mas sugere que a entidade se antecipe a eventuais polêmicas e firme posição com relação a transgêneros.

“Não deveríamos esperar a controvérsia surgir para criar políticas. Deveríamos criar políticas para prevenir as controvérsias”, afirma.

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