Histórico, doping de Ben Johnson que mudou o esporte completa 30 anos

Canadense trabalha hoje como personal trainer e cobra mais de R$ 10 mil para dar entrevistas

Marcelo Laguna
São Paulo

Há exatos 30 anos, a trapaça foi incorporada definitivamente no vocabulário do esporte olímpico. E precisou de apenas 9s79 para isso. 

Três décadas já se passaram desde que o canadense Ben Johnson cruzou, com o braço direito erguido e o dedo indicador mostrando o número um, a linha de chagada da final dos 100 metros na Olimpíada de Seul, em 1988.

A então consagradora vitória de Johnson lhe trazia a satisfação de levar a medalha de ouro com direito ao recorde mundial da prova e ainda por cima superando o americano Carl Lewis, que chegou em segundo lugar. Mais do que adversário, Lewis era quase um inimigo, tal o nível de rivalidade que ambos nutriam na época.

Em apenas 48 horas, contudo, Ben Johnson se transformou de herói para vilão do esporte mundial. O motivo: ter sido flagrado no exame antidoping por uso de esteroides anabolizantes.

Foi em Seul, pela primeira vez em uma Olimpíada, que o COI (Comitê Olímpico Internacional) retirava uma medalha como punição por uso de substância proibida.

Mesmo depois de 30 anos, o caso do doping de Ben Jonhson ainda desperta discussões acaloradas e até teorias de que o canadense foi vítima de uma armação.

Para um dos personagens que participou daquela final, o brasileiro Robson Caetano, 54, quinto colocado na final, a hipótese de contaminação, levantada pelo canadense, não é tão descabida assim.

“Era muito fácil entrar na sala de doping ou chegar próximo a ela naquela época. Quando eu ganhei o bronze nos 200 metros, um repórter da Globo conseguiu entrar num corredor antes da sala de coleta, para me colocar ao vivo no Jornal Nacional. Hoje isso não existe, o contato é zero”, conta o ex-velocista, atualmente trabalhando como jornalista e professor de educação física.

 Ben Johnson posa para foto ao lado de lista com assinaturas contra o doping  no mesmo estádio que venceu a final a final olímpica
Ben Johnson posa para foto ao lado de lista com assinaturas contra o doping no mesmo estádio que venceu a final a final olímpica - 24.set.2013 - Reuters

Mesmo tendo admitido em sua biografia, lançada em 2011, que tomava esteroides regularmente desde 1981, Ben Johnson sustenta que sua bebida foi “batizada” na sala do antidoping em Seul.

“Fui massacrado, carreguei um fardo enorme sozinho por vários atletas. Isso é injusto”, disse o atleta canadense, em uma entrevista ao programa Esporte Espetacular, da TV Globo, em 2011.

Segundo Caetano, o próprio Johnson lhe contou esta versão do caso. “Conversei com ele há alguns anos.Ele me disse que não seria tão estúpido de comparecer a uma final dopado daquele jeito. Para mim, a história da contaminação não parece ser mentirosa, embora isso não o livre da culpa”, afirmou o ex-velocista brasileiro.

Há quem não engula a tal tese de conspiração contada pelo canadense. “Não acredito na história da contaminação, que aliás é muito utilizada hoje em dia para casos positivos, inclusive no Brasil. Sabemos que há suplementos contaminados, mas acredito que esta desculpa é utilizada muitas vezes sem que seja plausível”, afirmou o médico português Luís Horta, ex-integrante da Wada (Agência Mundial Antidoping) e que atuou como consultor na implantação da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem).

Atualmente, ele trabalha como consultor antidopagem do Benfica (POR).

Embora o método de dopagem utilizado por Johson e sua equipe nem fosse tão sofisticado assim, a farsa só foi descoberta, segundo o médico português, graças a uma evolução tecnológica.

“O que houve é que surgiu na época uma nova metodologia de testes nos laboratórios e que foi guardada em segredo. Os atletas e equipes técnicas não sabiam desta inovação, que permitia testar quantidades ínfimas das substâncias, mesmo depois de um maior período de tempo após terem sido utilizadas”, explicou.

Na opinião de Horta, Johnson e sua equipe —composta pelo treinador Charles Francis e o médico Jamie Astaphan, ambos já mortos— teriam usado os esteroides anabolizantes dias antes da final dando como certo que as drogas não apareceriam no antidoping. Como desconheciam a nova tecnologia, tiveram o plano desmascarado.

Ex-atleta de provas de fundo (10.000 m e maratona), Horta foi contemporâneo de Ben Johnson e sempre desconfiou que havia algo de errado no atleta canadense.

“Cheguei a encontrá-lo em alguns meetings que participei. Era pouco provável que com o desenvolvimento muscular que ele tinha e a forma como evoluiu do ponto de vista físico, essencialmente em sua massa muscular, que tivesse sido apenas por causa de treino e estratégias de nutrição”, explicou Horta.

A extrema força física de Ben Johnson, especialmente em relação à Olimpíada de Los Angeles-1984, quando ficou com o bronze nos 100 metros e no revezamento 4 x 100 m, também impressionava Robson Caetano.

“Dava para perceber a mudança física facilmente. Eu sempre treinei bastante e mesmo fazendo muita musculação, não conseguiria ficar do tamanho dele”, recordou o brasileiro, que ainda é o recordista sul-americano dos 100 m, com  o tempo de 10s00.

Caetano orgulha-se, inclusive, de ter sido um dos únicos atletas na final olímpica de Seul, ao lado do também americano Calvin Smith, que terminou com o bronze, jamais acusado de envolvimento com o doping. Todos os demais foram flagrados em exames tempos depois.

Até mesmo o astro Carl  Lewis teve seu nome ligado ao doping, após uma denúncia de Wade Exum, ex-dirigente do comitê olímpico americano em 2003. Segundo ele, Lewis teve três exames positivos para estimulantes nas seletivas americanas para a Olimpíada de Seul.

“Eu me orgulho de andar de cabeça erguida nos corredores dos Jogos Olímpicos, sem medo de olhar na cara de ninguém. O meu quinto lugar não teve turbo, foi fruto de muito treino”, afirmou.

Expulso da Vila Olímpica, Ben Johnson saiu dos Jogos de Seul sob o estigma de trapaceiro. Cumpriu uma suspensão de dois anos e teve suas marcas anuladas —entre elas o recorde mundial obtido um ano antes, no Mundial de 1987, em Roma, de 9s83.

O canadense tentou retomar sua carreira, mas sem o mesmo sucesso. Na Olimpíada de Barcelona-1992, chegou no máximo à semifinal, tendo ficado em último lugar em sua série, com a modesta marca de 10s70.

Johnson acabou banido definitivamente do esporte após novamente testar positivo em uma prova indoor (pista coberta), em 1993.

Aos 56 anos, Ben Johnson vive na cidade de Markham, próxima a Toronto (CAN), onde trabalha como personal trainer e participa de campanhas de prevenção ao uso de drogas no esporte.
 

Johnson foi procurado por e-mail pela Folha para falar sobre os 30 anos da final dos 100 m em Seul-1988. Sua assessora agradeceu o interesse, mas respondeu que ele só dá entrevistas mediante pagamento de US$ 2.500 (R$ 10.120).

 

A trajetória de Ben Johnson no atletismo

1970 - Bem Johnson é descoberto para o atletismo pelo técnico Charles Francis e integra a equipe Scarborough Optimists.

1981- Por influência de Francis, Johnson inicia o uso de consumo de esteroides anabolizantes.

1982 - Conquista seus primeiros resultados internacionais relevantes, duas medalhas de prata nos 100 m e revezamento 4 x 100 m nos Jogos da Comunidade Britânica, em Brusbane (AUS).

1984 - Conquista duas medalhas de bronze (100m e 4x 100 m) na Olimpíada de Los Angeles.

1986 - Ganha a medalha de ouro nos Jogos da Amizade, em Moscou (RUS), derrotando pela primeira vez o americano Carl Lewis.

1987 - Conquista o ouro no Mundial de Roma (ITA) na prova dos 100 m, superando novamente Lewis e batendo o recorde mundial da prova (9s83).

24.set.1988 - Ben Johnson faz uma corrida perfeita e vence a final dos 100 m na Olimpíada de Seul, com o tempo de 9s79. Carl Lewis novamente chega em segundo lugar.

26.set.1988 - O COI (Comitê Olímpico Internacional) anuncia a eliminação de Ben Johnson, por ter testado positivo para esteriodes anabolizantes. Foi automaticamente suspenso por dois anos.

1989 - Em depoimento a autoridades canadenses, Johnson admitiu o uso de esteroides desde 1981. A Iaaf (Associação Internacional das Federações de Atletismo) cassou todas as suas marcas entre 1987 e 88.

1991 - Após o final da suspensão, Ben Johnson retorna ao atletismo, na prova indoor (pista coberta) dos 50 m.

1992 - Participa da Olimpíada de Barcelona, mas chega apenas à semifinal dos 100 m, sem vencer nenhuma das baterias que disputou.

7.jan.1993 - Após vencer um meeting indoor em Grenoble (FRA), Johnson é flagrado em novo teste antidoping e é banido pela vida toda do atletismo.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.