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Em oposição a Mourinho, Jesus representa Portugal rude e arcaico

Perfil proletário do técnico do Flamengo contrasta com país globalizado e elitista

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Lisboa

Um fadista no banco de reservas. Sempre vestido de preto dos pés à cabeça, uma homenagem à sua amada Mãe, Jorge Jesus costumava acompanhar o jogo sentado perto da linha lateral. A sua voz rouca de ex-fumante ecoava pelas arquibancadas dos estádios moribundos que frequentava.

Durante muito anos, o hoje técnico do Flamengo era apenas um treinador iconoclasta acostumado a baldear entre times pequenos, entre eles o Belenenses, um clube de bairro escondido atrás do Mosteiro dos Jerônimos, onde repousa Luís de Camões, outro grande poeta português.

Com a sua crista prateada e o seu jeito de taxista da Baixa lisboeta, Jesus destoa no universo do cada vez mais formatado e regulamentado do futebol mundial. Avesso a redes sociais, estranho quando sai na capa das revistas dos famosos, Jesus é um dos últimos representantes do Portugal rude e arcaico das casas em ruínas, do vinho tinto pesado e das tascas gordurosas, abandonado por uma nova geração de consumidores de Airbnb, latte e poke bowls.

Ícone desse Portugal limpinho e cheiroso, globalizado e elitista, José Mourinho passou pelos melhores clubes do mundo até ser relegado ao papel ingrato de anti-herói de outra figura do futebol pós-moderno, Pep Guardiola. Metrossexual poliglota, frequentador das galas filantrópicas e sócio de empresas de offshore, Mourinho anunciou recentemente que estava aprendendo a sua sexta língua, o alemão, com se estivesse se preparando para vencer o Nobel de economia.

Enquanto isso, Jesus ainda luta para pronunciar corretamente “I love you”. Se Mourinho é o herdeiro de Cesar Luis Menotti, o sofisticado argentino de terno bem cortado e palavreado refinado, Jesus é o sucessor dos apaixonantes e erráticos Zdenek Zeman e Marcelo Bielsa, pouco preocupados com a imagem pública e obsessivamente dedicados ao jogo.

 

A ascensão de Jesus, o proletário, começou tarde. Em 2010, ele era apenas mais uma vítima do capitalismo selvagem português. Nesse ano, ele declarou, atônito, na porta da sede do recém-falido Banco Privado Português, que tinha perdido todas as suas economias. A tragédia o levou para União de Leiria, Belenenses e Sporting de Braga, de onde foi promovido para técnico do mítico Benfica. Fez história conquistando mais títulos do que o lendário Otto Glória, mas nunca perdeu a fama de azarado.

Entre benfiquistas, ele continua sendo lembrado pelo famoso “minuto 92”, quando se ajoelhou no Estádio do Dragão depois de um gol fatal no último jogo do campeonato e pela “tragédia de Turim” —a perda de uma taça europeia para o Sevilla, após um triunfo épico contra a poderosa Juventus nas semifinais. Mourinho é o vencedor mal-amado, enquanto Jesus é o derrotado adorado.

Agora tudo pode mudar. Nas próximas semanas, ele terá a oportunidade de provar que os grandes portugueses só realizam o seu destino quando desembarcam no Atlântico Sul. Chegou a hora de Jesus viver a sua Grande Noite.

Jorge Jesus, técnico do Flamengo, durante partida contra o Fluminense pelo Brasileiro
Jorge Jesus, técnico do Flamengo, durante partida contra o Fluminense pelo Brasileiro - Sergio Moraes - 20.out.19/Reuters
Mathias Alencastro

Pesquisador do Cebrap, doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e colunista da Folha

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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