Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

Qatar constrói cidade do zero para sediar Copa do Mundo de 2022

Lusail, que receberá abertura e decisão do Mundial, integra estratégia nacional

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Doha

“Você não enxerga?”, pergunta o segurança de jaleco verde, apontando para o cartaz colocado na grade de metal: proibido fotografar ou filmar.

Ele pede em seguida para a reportagem da Folha apagar as imagens feitas do canteiro de obras que protege: o do Lusail Iconic Stadium. Pronto, o local terá capacidade para 86.250 pessoas e deverá ser um símbolo do país. Será o palco da abertura e da final da Copa do Mundo do Qatar, em 2022.

A construção começou em 2017, e o discurso da organização do torneio é que estará pronto até o final de 2020. Cerca de 40 mil operários trabalham em turnos diurnos e noturnos, menos em datas religiosas.

O estádio também será o principal cartão postar de Lusail, uma cidade construída a partir do zero pelo governo do Qatar em 2005, quando ser sede do Mundial de 2022 era apenas um sonho distante.

Após a Fifa dar à nação árabe o direito de sediar o evento, a meta passou a ser preparar a nova cidade para uma audiência global que em 2018, na Rússia, foi de 3,5 bilhões de pessoas.

Lusail foi idealizada pelo antigo emir xeque Hamad bin Khalifa al Thani para receber população de 200 mil habitantes quando finalizada, ao custo de US$ 45 bilhões (R$ 184 bilhões) para a Qatari Diar, uma construtora estatal.

“Eu cheguei aqui há três meses e eu vejo muita gente nova o tempo inteiro, pessoas que vêm para cá por causa da tranquilidade. Todos pensam no estádio, mas é muito mais do que isso. É um projeto que pode mudar o Qatar”, afirma o inglês Ian Roberts, 43, que se mudou para Doha para trabalhar em empresa de petróleo.

Lusail é a imagem do seu estádio, que carrega o nome “icônico” antes mesmo da inauguração: prédios em construção, entulhos e obras de infraestrutura. Mas há partes adiantadas, como a que Roberts reside, perto da marina, ao lado do golfo West Bay. A área deverá ser repleta de shoppings e parques em seus 38 quilômetros de costa.

O projeto engloba 175 km de tubos que vão formar um sistema de refrigeração em toda a região durante o verão, quando as temperaturas podem ultrapassar os 50ºC.

A relação da cidade (ou distrito, como alguns qataris a chamam) com a Copa do Mundo se dá porque, embora projetada em 2005, ela esteve deixada em segundo plano até o país ser anunciado como sede do torneio, em 2010.

Quando a competição começar, o governo deseja oferecer a visão de Lusail como referência de crescimento sustentável. A ligação com Doha será feita em um sistema de 15 km de linhas de trem e metrô.

O que o Qatar almeja é diversificar a sua economia, se aproximar cada vez mais do turismo e se afastar da dependência do petróleo e gás natural.

Canteiro de obras do estádio em Lusail, no Qatar, onde vão acontecer a abertura e final da Copa do Mundo de 2022
Canteiro de obras do estádio em Lusail, no Qatar, onde vão acontecer a abertura e final da Copa do Mundo de 2022 - Ricardo Moreira/Folhapress

"Lusail vai ficar muito bonita e aumentar o apelo de Doha. Mas não é para gente como eu morar”, diz, com inglês arrastado, Jahangir (ele não revela o sobrenome), imigrante de Bangladesh e funcionário de um café próximo à baía.

O que ele deixa subentendido é que Lusail foi planejada para ser residência de uma elite e inacessível a quem trabalha em cafés, restaurantes, supermercados ou nas obras de engenharia civil. Entre elas, a construção do Iconic Stadium.

O local da final da Copa do Mundo vai servir para desafogar a pressão sobre Doha. A presença de imigrantes fez a população do Qatar crescer quase 150% nos últimos nove anos. De um total de 2,7 milhões habitantes, apenas 320 mil são qataris. Mas formam a elite econômica e social.

Com projetos como o de Lusail, o Qatar tenta também mudar sua imagem. A cidade é, além de tudo, também uma ofensiva de relações públicas.

O país vive disputa diplomática e sofre embargo político e econômico de Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito e Bahrein. Continua como nação com a melhor renda per capita do mundo, apesar disso. Na média, cada cidadão ganhou US$ 130.475 (R$ 531,5 mil) em 2018, segundo dados do Banco Mundial.

Texto do "Qatar National Vision 2030", plano de transformação local em um centro de desenvolvimento sustentável, diz que o objetivo é fazer o país “se tornar uma sociedade capaz de sustentar o seu desenvolvimento e oferecer alta qualidade de vida para as pessoas”.

O desejo se choca com as acusações de que mão de obra oriunda de países como Índia, Bangladesh e Paquistão é usada em situações análogas à escravidão, com jornadas exaustivas, condições precárias e baixa remuneração.

Segundo a Anistia Internacional, 11 operários que trabalhavam nos estádios planejados para a Copa morreram, 10 deles de forma súbita ou por falhas cardíacas não explicadas. 

Em dezembro do ano passado, a Al Jazeera, canal de TV que pertence ao governo do Qatar, divulgou o número de três mortes de operários em futuros estádios do Mundial.

A organização da Copa do Mundo de 2022 nega as acusações e afirma ter melhorado sistematicamente as condições de trabalho nos estádios desde o início das obras.

​Não há um número divulgado a respeito de acidentes no estádio de Lusail.

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