Consideramos muitos cenários, diz presidente do COI sobre Olimpíada

Bach afirma ao New York Times que seria prematuro decidir agora sobre adiamento

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Matthew Futterman
The New York Times

O coronavírus está varrendo o planeta e resultou em quarentenas em muitas cidades e países, cancelando o calendário esportivo do segundo trimestre e colocando sob ameaça todos os grandes eventos marcados para 2020.

Mas Thomas Bach, o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), não vacila em sua determinação de realizar a Olimpíada em Tóquio.

A cerimônia de abertura está marcada para o dia 24 de julho, com a presença de 11 mil atletas e número muito maior de torcedores, voluntários, jornalistas, diplomatas e outros, na capital japonesa.

No entanto, as queixas sobre levar o evento adiante estão ganhando intensidade, por parte de atletas e outras pessoas conectadas aos Jogos, especialmente nos países mais atingidos pela doença.

Em uma entrevista na quinta-feira, Bach reconheceu que a situação é cada vez mais perturbadora, mas declarou que está otimista quanto a uma redução no ritmo de contágio que poderia permitir que o evento fosse realizado.

“Somos afetados pela crise, como todo mundo, e estamos preocupados, como todo mundo”, ele disse. “Não vivemos em uma bolha ou em outro planeta. Estamos no meio de nossas sociedades."

O presidente do COI, Thomas Bach
O presidente do COI, Thomas Bach - Fabrice Coffrini - 3.mar.20/AFP

Há uma data em que você tenha de decidir se os Jogos Olímpicos acontecerão ou não? O que torna essa crise tão única e tão difícil de superar é a incerteza. Ninguém é capaz de dizer hoje quais serão os desdobramentos amanhã, quais serão os desdobramentos em um mês, quanto mais dentro de mais de quatro meses. Portanto, não seria responsável, de maneira alguma, estabelecer já uma data para tomar uma decisão, já que esta se basearia em especulação sobre futuros desdobramentos.

Mas se você ouvir os cientistas e epidemiologistas, eles na verdade têm uma ideia clara do que acontecerá dentro de um mês, dada a trajetória da doença e o padrão de contágio. Surpreende-me que você diga que ninguém sabe o que vai acontecer quando na verdade existe uma grande comunidade de pessoas que diriam que sabemos exatamente o que vai acontecer. Há muitos prognósticos diferentes. Alguns dizem que a doença seguirá a mesma curva em toda parte. Outros dizem que o processo demorará muito mais. Ainda outros dizem que haverá ondas diferentes e que teremos de conviver com a doença por muito tempo. É por isso que confiamos em nosso grupo de trabalho, que inclui representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e nos diz que é cedo demais para tomar uma decisão, e ao mesmo tempo estamos monitorando de perto o que está acontecendo.

Vocês têm um grupo que esteja calculando como seria e o que seria necessário para transferir os Jogos para o quarto trimestre, ou para a metade de 2021, ou para 2022 ou qualquer outra possível data que tenha sido discutida? Isso significaria que estamos especulando sobre os desdobramentos. Não sabemos qual será a situação. É claro que estamos considerando muitos cenários diferentes, mas diferimos de outras organizações esportivas e ligas profissionais porque a Olimpíada está a quatro meses e meio de distância. Essas organizações estão sendo ainda mais otimistas do que nós, porque adiaram seus eventos até abril ou o final de maio. Já nós estamos falando do final de julho.

O primeiro-ministro japonês Shinzo Abe disse que estava interessado em realizar uma “Olimpíada perfeita”, e que tinha o compromisso dos demais líderes do G7 nesse sentido, mas ele não especificou uma data. Isso lhes dá liberdade para buscar uma data alternativa? Fizeram essa pergunta ao governo japonês depois [de Abe ter feito o comentário] e a resposta foi que um adiamento não havia sido mencionado na reunião do G7. Para nós, não seria responsável agora e seria prematuro começar a especular ou tomar uma decisão em um momento em que nosso grupo de trabalho ainda não fez uma recomendação.

Você instruiu o grupo de trabalho a fazer uma recomendação até determinada data? Não. Eles são especialistas. Têm de saber com base em sua experiência científica quando é que terão informação suficiente para nos oferecer sua recomendação baseada em provas científicas.

O que você diz a pessoas que o acusam de estar defasado com relação a tudo o que está acontecendo, já que todos os grandes eventos esportivos foram adiados? Os jogos que foram adiados aconteceriam no próximo sábado ou dentro de duas semanas. Algumas organizações adiaram eventos a fim de abrir espaço para que outros eventos possam acontecer. A Eurocopa de futebol deveria começar em junho, na Itália. O torneio foi adiado por um ano, o que foi recebido com aprovação pelas ligas profissionais da Europa porque isso lhes dá a oportunidade de concluir suas temporadas.

Você poderia fazer o mesmo. Afinal, está contando com a presença de alguns dos maiores tenistas e de alguns integrantes dessas ligas de futebol. A NBA quer concluir sua temporada durante o que seriam suas férias de verão [no hemisfério norte] e muitos dos jogadores que jogariam no torneio olímpico de basquete não estariam disponíveis para ele, se isso acontecer. Por que não seguir esse exemplo e zerar a agenda? Isso é muito diferente. Não temos os jogos olímpicos em curso agora, e por isso não precisamos zerar a agenda.

Quando é que não será cedo demais para cancelar, ou a partir de que data, caso não haja uma decisão de adiar os Jogos, seria possível arriscar um cancelamento? Não vou especular, mas devemos oferecer a todos os atletas, e à metade da população mundial que assiste às Olimpíadas, a garantia de que não vamos colocar o cancelamento na agenda.

Ou seja, em algum momento haverá uma olimpíada no Japão? Já respondi.

Os Jogos Olímpicos são uma grande empreitada financeira, mas em sua raiz são um movimento pela paz, cujo objetivo é unir as pessoas e tentar resolver os problemas do mundo. Você está preocupado com a possibilidade de que, ao forçar tanta gente a continuar planejando para esse evento, em lugar de permitir que se concentrem em outras necessidades, o COI pode estar causando um mal? Há três coisas. Estabelecemos esse princípio claro, de que estamos agindo responsavelmente. Acima de tudo, o que importa é proteger a saúde de todos os envolvidos e apoiar a contenção do vírus. Segundo, a decisão do COI não será determinada por qualquer interesse financeiro. Graças a nossas políticas de administração de riscos, que estão em vigor há quatro anos, e a nossa cobertura de seguros, o COI de qualquer forma poderá continuar a operar e poderá continuar a realizar sua missão.

Os 206 comitês olímpicos nacionais e as federações esportivas internacionais expressaram que, nessa situação extremamente difícil e preocupante, o mundo precisa de um símbolo de esperança. Assim, para nós, embora não saibamos que comprimento terá esse túnel, gostaríamos de ver a tocha olímpica como a luz em seu final, e de enviar uma mensagem de paz, o que sempre fazemos, mas, nessas circunstâncias muito difíceis, também uma mensagem de esperança e de comunidade da humanidade.

Financeiramente, qual seria o custo de um adiamento por um ou dois anos? Temos políticas de administração de risco em operação e nosso seguro, e isso tornaria possível para nós continuar a operar e organizar futuros Jogos Olímpicos.

Muitos dos pagamentos dos direitos de transmissão só acontecem logo antes da abertura dos Jogos. O COI ou Tóquio precisam desse dinheiro até julho a fim de evitar repercussões financeiras significativas e para continuar a cobrir as despesas correntes? O COI não tem problemas de fluxo de caixa.

E o comitê organizador de Tóquio? Não tenho indicações quanto a isso, mas, até onde estou informado, a resposta também é não.

Você foi atleta olímpico. Como você teria se sentido se eu o trancasse em uma sala entre março e maio de 1976 [ano em que Bach defendeu a Alemanha na esgrima] e lhe dissesse que estava proibido de treinar? Simpatizo com os atletas por causa de minha experiência. Tive uma situação semelhante antes dos Jogos de Moscou em 1980, quando também existia muita incerteza. Não sabíamos se os Jogos aconteceriam em Moscou. Se poderíamos ir. E, se fôssemos autorizados a ir, sob que circunstâncias? Para um atleta, a pior coisa na temporada de preparação é uma incerteza que os distraia dos treinos e preparativos. Eu disse aos 220 atletas com quem falei em uma conferência telefônica na quarta-feira (18) que não podíamos fingir que tínhamos respostas para todas as questões deles. Estamos na mesma situação que eles e que todo o resto do mundo.

Você se sente confortável ao organizar uma Olimpíada na qual pode haver desequilíbrio na competição porque atletas de determinados países não terão podido treinar? Aconselhamos os atletas a entrarem em contato com (seus comitês olímpicos nacionais) e autoridades nacionais para obter informação em primeira mão sobre o que é possível em seu treinamento, sem desrespeitar as restrições que possam existir. Vimos que existem oportunidades, em alguns países. Também vimos que os atletas são muito criativos para superar as dificuldades, treinando em casa e usando outros métodos de treinamento. É uma situação única e excepcional, que requer soluções excepcionais.

Quando você disse aos atletas que deveriam ir em frente a todo vapor, em certos casos o que estava dizendo, às zonas de contágio intenso, era “arrisquem suas vidas para treinar”, já que é essa a realidade agora. Vou ser muito claro. Dissemos que aconselhávamos fortemente os atletas a respeitarem as restrições vigentes em seus países e consultar as autoridades nacionais. Temos um compromisso para com a saúde dos atletas e a contenção do vírus.

O que você teria de ver para dizer “não, não dá para levar os Jogos adiante”? Um cancelamento não está na agenda.

E um adiamento? Já respondi. Nosso compromisso é para com o sucesso dos Jogos.

Tradução de Paulo Migliacci

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