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Paralisação expõe problemas de contratos curtos no esporte brasileiro

Dificuldades atingem melhor time do Paulista de futebol, além de vôlei e basquete

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São Paulo

A paralisação do esporte brasileiro em razão da pandemia do coronavírus impacta não só a realização das competições, mas o planejamento de clubes e atletas, que serão forçados a rever os seus contratos.

No futebol, é comum que os times que participam de menos competições no ano tenham no elenco jogadores com vínculos assinados somente até o fim dos torneios estaduais. É o caso, por exemplo, do Santo André, equipe de melhor campanha no Campeonato Paulista.

Após a Federação Paulista de Futebol (FPF) anunciar a suspensão das séries A1, A2 e A3 por tempo indeterminado, o clube do ABC entrou em alerta.

"É aterrorizante. Se o campeonato voltar em alguns meses, grande parte dos atletas que eu tenho vai estar em outros clubes", diz o presidente do Santo André, Sidney Riquetto, que nem por isso deixa de defender a paralisação, à Folha.

Dos 26 jogadores inscritos pela equipe no Paulista que compõem a lista A (principal), 21 têm contratos que se encerram até a primeira semana de maio, quando o campeonato, de acordo com o calendário previsto inicialmente, já teria terminado. Dez desses atletas possuem vínculo somente até 7 de abril, logo após a data original das quartas de final do estadual.

Um dos jogadores com situação indefinida é Luizão, 33, cujo contrato termina no fim de março. Segundo ele, todo o elenco do Santo André está preocupado.

“Já tinha feito contratos por estadual, é uma situação que estou acostumado, mas não como agora. A gente tem conversado no nosso grupo [de Whatsapp] e está todo mundo meio perdido, sem saber o que fazer. Os jogadores ficam com uma mão na frente e outra atrás”, relata o zagueiro.

Por não participar de nenhuma das quatro divisões do Campeonato Brasileiro, o Santo André corre o risco de perder o atleta, mesmo tendo a melhor campanha do Paulista —lidera o Grupo B com 19 pontos, à frente do Palmeiras.

O zagueiro revela que recebeu sondagens de outras equipes do país, que por disputarem o Nacional oferecem contratos mais longos. Já o clube do ABC tem apenas a Copa Paulista no segundo semestre –o campeão escolhe entre uma vaga na Série D do Brasileiro ou na Copa do Brasil.

“Se volta o campeonato no fim de abril, não terei contrato. Vou optar por ficar [no Santo André] com mais um mês de contrato ou optar pela estabilidade de seis meses ou um ano? Por isso está muito confuso”, diz Luizão.

Prevista inicialmente para acabar em 26 de abril, a Série A1 do Paulista tem 28% dos jogadores inscritos na lista A dos clubes com contratos que se encerram até o fim de abril. Em Santo André, Água Santa e Inter de Limeira, clubes da elite paulista que não disputam nenhuma divisão do Brasileiro em 2020, esse índice sobe para 74%.

Inter de Limeira tem 17 atletas com contratos que se encerram até o fim de abril, quando terminaria o Paulista
Inter de Limeira tem 17 atletas com contratos que se encerram até o fim de abril, quando terminaria o Paulista - Inter de Limeira

Diante da perspectiva de não ter atletas em uma possível retomada do torneio, o presidente do Santo André afirma que cobrará da Federação Paulista uma solução para a inscrição de novos jogadores.

“A ideia é essa, garantir o contrato dos atletas, mas também a possibilidade de pagamento dos clubes. É trabalhar, entender a situação de cada clube para poder chegar a uma definição”, disse o presidente do Sindicato Estadual dos Atletas, Rinaldo Martorelli.

Se a situação na elite do estado é complicada, o quadro nas divisões de acesso é ainda pior.

Com a interrupção do campeonato, o XV de Piracicaba (5º colocado da Série A2) se verá forçado a estudar a reformulação do time, que tem 11 jogadores sob contrato até o fim do estadual. Prorrogar esses vínculos, caso a competição dure mais que o previsto, acarretaria mais gastos.

"Hoje eu trabalho no escuro", diz o gerente de futebol Beto Souza, cuja equipe tem folha salarial de cerca de R$ 300 mil. "Terminando o contrato [dos atletas], como eu chego para eles e prorrogo por mais um mês?", questiona.

"Na Série A1 acho até mais difícil essa situação, porque grande parte dos jogadores vai estar depois em Série B, Série C e Série D do Brasileiro. No fim das contas, todo mundo vai perder. Clube, jogador, empresários", afirma Leandro Asato, presidente do Linense, que disputa a Série A3.

Esportes olímpicos sofrem com o mesmo problema

Equipes de vôlei e basquete, mesmo as da elite do país, também têm que lidar com a realidade dos contratos em geral feitos por temporada.

Nesta quinta (19), os clubes optaram por encerrar o torneio feminino da Superliga de vôlei, cujos playoffs ainda não haviam sido iniciados.

A decisão foi motivada principalmente pelo fato de que boa parte dos contratos das atletas vale por apenas uma temporada nacional (de agosto até abril). Assim, sem uma perspectiva de retorno do esporte no país tão cedo, as equipes não teriam como manter o vínculo com as jogadoras e continuar pagando seus salários.

A Superliga masculina parou faltando apenas um jogo para o fim da primeira fase. Nesta quinta, as equipes optaram por manter a suspensão por um mês e depois decidir o que fazer. A Confederação Brasileira de Voleibol, que queria encerrar a competição, foi voto vencido.

O Maringá, 10º colocado e que não tinha mais chances de ir aos playoffs ou ser rebaixado, é um dos que terão problemas para manter seus atletas.

A equipe, gerida pelo campeão olímpico Ricardinho, não recebe de seu principal patrocinador há cinco meses. As dívidas causaram uma debandada de jogadores que fez até o levantador voltar às quadras.

“O que ficou combinado na reunião que tivemos, eu como jogador inclusive, foi que todo mundo vai ficar de prontidão [caso o torneio volte], os oito atletas que permaneceram. Vamos cumprir até o final do compromisso oficial, e acredito que todos estão comprometidos, mesmo se o contrato acabar”, disse o levantador.

“Como manter os jogadores? Eu tenho um patrocínio de longo prazo, mas sou contra a maré, 90% dos contratos com clubes são anuais ou pontuais" disse o gestor do Vedacit Vôlei Guarulhos, Anderson Marsili. A equipe, que terminou a primeira fase da Superliga B na liderança, subiu de divisão automaticamente com o fim antecipado do torneio.

Com 32 jogos a serem disputados antes do mata-mata, os clubes do NBB (Novo Basquete Brasil) devem enfrentar o mesmo problema. O último jogo da final, segundo o calendário, está marcado para 15 de junho. A LBF (Liga de Basquete feminino) havia acabado de começar sua temporada e já precisou ser suspensa.

A Associação dos Atletas Profissionais de Basquete disse que ainda há muita coisa a ser definida antes de qualquer iniciativa por parte da entidade e que o número de contratos com risco de acabar brevemente está sendo apurado.

No handebol, com as atividades nos clubes suspensas, o Campeonato Paulista já teve que adiar seu início de 31 de março para no mínimo 18 de abril. “Essas próximas duas semanas [de paralisação] já vão atrapalhar a preparação dos atletas e acredito que as equipes peçam para que se postergue o começo dos jogos”, disse o preparador físico do Pinheiros, Rodrigo Rocha Ribeiro.

Como a temporada da modalidade costuma acontecer de março a dezembro (o Brasileiro, por exemplo, começa em agosto), os contratos com jogadores não devem ser afetados pela pausa.

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