Descrição de chapéu Tóquio 2020

Marlon Zanotelli vive auge no hipismo após (outro) vírus e temor de perder cavalo

Cavaleiro brasileiro e o cobiçado VDL Edgar fazem país vislumbrar bons saltos em Tóquio

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Santos e São Paulo

Marlon Zanotelli, 32, conta com orgulho o longo caminho percorrido ao lado da família para consolidar a carreira de cavaleiro internacional.

Custou ao maranhense, nascido em Imperatriz (cidade de cerca de 360 mil habitantes a 633 km de São Luís), passar por idas e vindas à Europa, além de ver o pai dirigir por quatro dias e depois vender o carro para conseguir comprar passagens para as competições. Mário foi o grande entusiasta de Marlon até ele conseguir, enfim, a estabilidade.

“Hoje [no esporte] há muitos casos como o meu. No Brasil, bem menos, porque rotulam o hipismo como algo para rico, que só consegue chegar e acontecer quem é rico. É um esporte de alto nível, sim, mas caro como muitos outros. Sou de família normal e o meu exemplo mostra que é possível acreditar”, diz à Folha. “Devo tudo, de verdade, aos meus pais."

Sem “berço de ouro”, Zanotelli por diversos momentos esteve em dúvidas se, de fato, conseguiria chegar lá. Após o título na prova individual de saltos nos Jogos Pan-Americanos de Lima-2019, contou ter “tirado um peso dos ombros”.

Radicado na Europa, atualmente reside em Hechtel-Eksel, na Bélgica, junto com a sueca Angelica Augustsson, sua esposa e também amazona.

Ele é atualmente o principal nome do país na modalidade. Alcançou neste mês, pela primeira vez na carreira, o top 10 do ranking mundial da Federação Equestre Internacional (FEI), além de resultados animadores em provas cinco estrelas.

O caminho, no entanto, teve percalços. O principal deles foi a incerteza se poderia continuar montando VDL Edgar, um cavalo de 12 anos. O conjunto formado por eles fez o brasileiro despontar. De propriedade de um haras holandês, o animal passou a ser alvo de cobiça no mercado.

“O cavalo precisa estar em propriedade do cavaleiro até 15 de janeiro do ano olímpico e, no ano passado, existiam muitos interessados em sua compra, isso era uma coisa que me deixava inquieto. Em nenhum momento poderia dizer não por ele, pois veio à minha cocheira de um haras para isso, para ser vendido”, conta Marlon.

A certeza de que poderia, enfim, chegar à primeira Olimpíada com o melhor parceiro da carreira aconteceu somente em janeiro, quando o cavalo foi adquirido de surpresa pelo empresário norueguês Bjorn Rune Gjelsten. A filha dele, Ingrid, treina com Zanotelli.

“São pessoas que sempre tiveram admiração por nossa história e trabalho. A Ingrid terminou a escola e veio morar conosco, ama saltos. O pai dela decidiu fazer parte do nosso sonho”, explica Marlon.

“Existiam negociações e o Edgar esteve próximo de nos deixar. Não teria como evitar. Fizemos contas, era algo impossível para nós”, acrescenta Mário, sobre os milhões de euros que vale um animal desse porte.

Com Edgar garantido, o sonho de medalha continuou a ser palpável. Desde 1900 nos Jogos, a competição rendeu ao país três conquistas: duas de bronze por equipes, em Atlanta-1996 e Sydney-2000, e um ouro individual com Rodrigo Pessoa, em Atenas-2004, conquista marcada pela superação após a refugada com o cavalo Baloubet du Rouet, quatro anos antes. Aos 48, Rodrigo Pessoa inclusive é candidato a integrar o time para sua sétima Olimpíada.

“Hoje é, sim, possível pensar em dupla medalha, tanto na prova individual, como na por equipes”, define Marlon. A convocação de quatro cavaleiros (três titulares e um reserva) ainda não foi divulgada pela Confederação Brasileira de Hipismo (CBH).

Além da pandemia da Covid-19, ele também passou pela sombra de um surto do vírus de herpes equino (EHV-1), que matou 17 cavalos e chegou a colocar em xeque a modalidade em Tóquio. A instabilidade provocou quarentena entre os animais para evitar a disseminação da doença.

“Já estávamos passando por uma grande quantidade de testes envolvendo toda a equipe, tratadores e veterinários constantemente. A doença atingiu muitos cavalos, reduziu os eventos. Tivemos ainda mais esse problema. Graças a Deus, não atingiu os meus. Tivemos duas quarentenas ao mesmo tempo, foi difícil”, relata o cavaleiro. “Pararam tudo para que o vírus fosse controlado."

O vírus equino não afeta humanos, mas é de rápido contágio, transmitido pelo ar e encontrado em diversas partes do mundo. A nova cepa foi registrada em Valência, na Espanha, levando cavalos a distúrbios respiratórios, febres e problemas neurológicos.

“Eu, particularmente, gosto de ter uma programação para a minha preparação mental, também. Ficamos muito inquietos com tudo isso”, conta o cavaleiro.

Marlon trabalha em seu entorno com uma coach, a suíça Esther Mueller, especializada em psicologia voltada para o esporte e nome conhecido entre atletas de diversas modalidades, além de um preparador físico, o espanhol Diego Andres Linares, e uma osteopata, a belga Robyn van Lijsdonk.

O trabalho diário envolve ainda toda a família e conta com o apoio dos seus três irmãos. Marcel, o mais velho, é dono de um restaurante e ajuda no trabalho nas cocheiras. Mário, chamado de stable manager, cuida de testagens, tratadores, ração e tudo o que é relacionado ao dia a dia. Marcos, o mais novo, faz compra e venda de cavalos, além de ajudar clientes em competições. O pai e a mãe também acompanham em viagens e cuidam da fazenda.

“O trabalho, agora, é acertar o ápice físico do cavalo. Ele não fala, por isso é necessário conhecer muito e estar atento aos sinais”, explica Marlon.

“Algo que o Nelson Pessoa [pai de Rodrigo Pessoa] dizia é que o cavalo é 70% e o cavaleiro 30%, mas tem um porém. O cavaleiro tem que ser 30. Não pode ser 29, 28...”, sintetiza Mário.

Com muitas provas superadas, Marlon já vislumbra os obstáculos que deverá ter no Japão, logo na sua primeira Olimpíada, para dar o maior salto da carreira.

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