Descrição de chapéu Tóquio 2020

Luto na pandemia de Covid-19 deixa marcas na delegação brasileira em Tóquio

Atletas que tiveram perdas próximas contam como processaram sentimento em meio à preparação

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Tóquio

Após 4,1 milhões de mortes em decorrência da Covid-19 em todo o mundo, das quais mais de 540 mil no Brasil, a Olimpíada de Tóquio-2020 terá como uma de suas marcas histórias de luto e superação.

Esse sentimento pode ser mais forte para aqueles que conviveram com perdas próximas, mas não se restringe a eles. Desde o ano passado, a sociedade está coletivamente enlutada pela pandemia.

No meio esportivo, uma das vítimas do coronavírus foi o jogador de vôlei Jean Luc Rosat, conhecido como Suíço, que defendeu o Brasil em Montreal-1976 e Moscou-1980. Ele morreu no dia 2 de abril, aos 67 anos.

Amigo do treinador Bernardinho desde a época de atletas, Suíço foi padrinho de batismo do filho dele, o levantador Bruninho, capitão da equipe brasileira e porta-bandeira na cerimônia de abertura em Tóquio.

“Ele seguia muito o vôlei, mandava mensagem, a gente falava bastante sobre os jogos. Quando ele recebeu o diagnóstico, falei muito com a minha madrinha, e as coisas foram piorando bem na época das finais da Superliga, quando eu estava na ‘bolha’ em Saquarema”, relembra Bruninho à Folha.

"A morte dele foi um baque grande para nós. Era um cara alegre, querido."

Bruninho faz um levantamento
Bruninho, levantador da seleção brasileira, durante treino no Japão - Míriam Jeske - 16.jul.21/COB

A apreensão tomou conta do esporte devido à sequência de acontecimentos. No mesmo mês, o técnico da seleção masculina, Renan Dal Zotto, e o vice-presidente da CBV (Confederação Brasileira de Voleibol), Radamés Lattari, tiveram que ser intubados devido à Covid-19. O quadro do treinador foi gravíssimo, e ele ficou mais de um mês internado. Recuperado, conseguiu retomar as atividades no comando da seleção e protagonizará uma das histórias mais emblemáticas dos Jogos de Tóquio.

“Tudo foi se acumulando, assim como para muitas famílias que passaram por isso. Quando o Renan foi internado, tínhamos que valorizar nosso trabalho por ele. Sabíamos o quanto ele gostaria que a gente estivesse fazendo isso”, diz o levantador de 35 anos, dono de três medalhas olímpicas.

Após passar pelo luto e pela apreensão, Bruninho pôde comemorar com a seleção o título da Liga das Nações, em junho. Nas próximas semanas, ele terá pela frente uma edição dos Jogos que encontra dificuldade para fazer com que mensagens de esperança se sobreponham às preocupações da pandemia.

“Representar nosso país é sempre uma honra e um orgulho muito grandes, agora talvez tenha uma vontade de fazer ainda mais por saber o quanto nosso país sofreu. O que a gente pode fazer não é nada perto da vida das pessoas, mas nós esperamos dar alguma alegria ao país. Sentimos isso na Liga das Nações, e na Olimpíada vai ser ainda maior”, afirma.

Renan Dal Zotto de máscara e braços cruzados ao lado da rede
Renan Dal Zotto, treinador da seleção masculina de vôlei, na base do COB em Ota, no Japão - Rafael Bello - 12.jul.21/COB

O velocista Felipe Bardi, 22, alcançou desde a retomada das competições de atletismo, no segundo semestre de 2020, os melhores momentos de sua carreira. Mas na vida pessoal os últimos meses tiveram a marca da tristeza pelas mortes de um tio, em abril, uma avó e uma tia, em junho, todos vítimas da Covid.

“Eu era muito apegado ao meu tio [Luiz Fernando Bardi], ele jogou futebol e me ensinou muito sobre alto rendimento. Já estava sem vê-lo devido ao distanciamento e fiquei sabendo que ele tinha ficado mal e ido para o hospital”, conta. “Justo no dia em que ele morreu eu queria dar um presente e corri minha melhor marca, 10s10, na Califórnia. Mas por dentro eu estava destruído, não era eu. Fui no instinto.”

A avó e a tia maternas morreram na mesma semana, antes do início do Troféu Brasil. “Cheguei bem mais ou menos, porque ainda estava abalado. Perdi três familiares em cerca de dois meses.”

Bardi teve o acompanhamento da psicóloga do Sesi-SP, Marina Gusson, e relata que se permitiu viver a tristeza. “A gente tem que sofrer o luto no momento, mas não pode deixar tomar conta.”

Outro episódio marcante deste ciclo foi a morte de Jesús Morlán, treinador e mentor do canoísta brasileiro Isaquias Queiroz nas três medalhas que conquistou nos Jogos do Rio —o espanhol foi vítima de um câncer em 2018. Isaquias sempre diz que buscará não apenas sua quarta e quinta medalhas em Tóquio, mas a décima de Morlán, que também levou o espanhol David Cal a cinco conquistas ao longo da carreira.

“O COB [Comitê Olímpico do Brasil] ficou bem preocupado com a questão do luto, como a gente iria se comportar, se iria pegar muito no psicológico. Mas o Jesús forjou a gente na dor, e acabamos aprendendo a conviver com o sofrimento da perda mesmo de uma pessoa muito querida como ele”, diz Isaquias.

Jesús Morlán, técnico espanhol da canoagem brasileira que morreu em 2018, vítima de câncer
Jesús Morlán, técnico espanhol da canoagem brasileira que morreu em 2018, vítima de câncer - Zanone Fraissat - 19.dez.16/Folhapress

Neste ano, a canoagem ainda sofreu com a morte do presidente de sua confederação, João Tomasini, que estava no cargo havia mais de 30 anos, vítima da Covid. Isaquias teve um histórico de desentendimentos com o dirigente, mas, de acordo com o atleta, nos últimos anos as rusgas foram superadas, e eles nutriam boa relação. “Nesta Olimpíada vamos poder honrar todo esse trabalho do Jesús e do Tomasini.”

A psicóloga Aline Wolff, líder da área de preparação mental do COB, afirma que a pandemia, somada ao adiamento dos Jogos e às dificuldades enfrentadas na preparação, formaram um cenário inédito no esporte. Principalmente no primeiro semestre de 2020, com as dúvidas sobre o que estava acontecendo.

“Luto envolve sentir tristeza, raiva, negar cenários, se debater com aquilo. É um turbilhão que visita a pessoa naquele momento. Tivemos a preocupação de oferecer apoio para que isso fosse processado com olhar atento e o suporte de profissionais. OK, eu sinto, entristeço, choro, mas e agora, o que eu faço?”, diz.

Cada atleta vive a pandemia e os desafios que essa situação acarreta à sua maneira. Wolff destaca que o trabalho de sua área no COB continuará no Japão, com dez psicólogos no total, quatro integrantes da delegação no país asiático e outros seis disponíveis para consultas a distância.

“É um ponto de preocupação. Teremos uma equipe de preparação mental à disposição, porque um atleta que está lá pode perder um familiar, por exemplo. É sempre muita dor, mas que eles tenham a certeza de que não estarão sozinhos e que sempre haverá uma equipe para ajudar."

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