O surfe brasileiro tem R$ 3 milhões empacados. O recurso é proveniente das loterias esportivas para o ano de 2021 e ainda não foi utilizado. Caso o dinheiro siga parado até março de 2022, ele não será mais da modalidade.
A quantia consta no orçamento do COB (Comitê Olímpico do Brasil) para ser repassada à Confederação Brasileira de Surf (CBSurf), mas a entidade não pode recebê-lo porque está sem as certidões 18 e 18A emitidas pela Secretaria Especial do Esporte.
Esse documento comprova que uma instituição se enquadra no texto da Lei Pelé e, portanto, pode receber dinheiro público.
Atualmente, a CBSurf está em situação irregular porque não apresentou à Secretaria do Esporte a sua prestação de contas referente ao ano de 2020.
As contas têm o parecer favorável do conselho fiscal da própria confederação. Porém, elas precisam ser aprovadas em uma assembleia geral, um rito que ainda não foi sequer convocado em meio à briga pelo poder no surfe.
Participam da assembleia, com poder de voto, as federações estaduais e a comissão de atletas.
Procurada, a atual gestão explicou que o que impede a realização da assembleia geral, hoje, é um impasse (inclusive com desdobramentos na Justiça) sobre essa comissão.
A Lei Pelé estabelece que a comissão de atletas precisa ser composta por um número de integrantes equivalente a um terço do colégio eleitoral de cada confederação esportiva —no caso do surfe, seriam oito atletas.
No entanto, uma decisão da Justiça deste ano determina que a comissão de atletas da CBSurf deveria ter seis membros, e não oito.
A entidade afirma que precisou acatar o parecer judicial, o que a deixou em desacordo com a exigência da Lei Pelé, impedindo a convocação da assembleia —enquanto isso, sem aprovar suas contas, não pode receber dinheiro público, como a verba das loterias.
Para confederações sem as certidões 18 e 18A, o COB oferece uma alternativa: o próprio comitê pode executar diretamente esses recursos, desde que as entidades submetam a ele projetos exclusivamente esportivos, por exemplo campeonatos ou temporadas de treino fora do país —é uma maneira de garantir que as modalidades não fiquem congeladas por problemas institucionais.
Questionada, a CBSurf afirmou que apresentou 12 projetos para o ano de 2021 e conseguiu usufruir de R$ 1,4 milhão. Como o repasse das loterias prevê R$ 4,4 milhões para o surfe, restam ainda cerca de R$ 3 milhões das verbas federais que não foram utilizadas.
O COB explicou que a entidade tem até março de 2022 para apresentar projetos que utilizem a verba referentes ao orçamento deste ano. O que não for utilizado fica para o comitê.
A CBSurf ainda tenta regularizar a sua certidão para poder receber diretamente os recursos, mas é difícil que aconteça neste ano, já que a atual comissão de atletas (com seis membros), tem mandato até 31 de dezembro. Já foi convocada uma eleição para escolher a próxima comissão, agora com oito atletas.
"Esse ano não há mais possibilidade. Acontecendo essa eleição, dia primeiro [de janeiro] em diante [quando a próxima comissão assume] a gente já pode chamar uma assembleia [para aprovar as contas]. E aí a Secretaria pode aceitar isso ou não", respondeu Adalvo Argolo, presidente da CBSurf desde 2010.
A decisão que determinou o número de seis membros para a comissão de atletas é referente a um processo movido por opositores de Argolo, que contestam sua última eleição, em dezembro de 2020.
No entanto, a CBSurf está sem as certidões 18 e 18A da Secretaria de Esporte há mais de um ano.
O atual entrave já é o terceiro obstáculo que a confederação enfrenta na tentativa de renovar seu documento desde junho de 2020, quando a última versão válida dele venceu.
Naquela ocasião, a certidão não foi renovada (as entidades precisam atualizá-lo anualmente) porque o novo estatuto da entidade não havia sido registrado em cartório —e o anterior, registrado, estava em desacordo com a Lei Pelé.
Quando conseguiu regularizar essa situação, em 7 de dezembro de 2020, a CBSurf teve outro problema.
Naquele momento, a entidade passava por um processo eleitoral turbulento no qual Adalvo Argolo buscava se reeleger —o que de fato aconteceu, no dia 30 de dezembro.
Mas então a CBSurf teve novamente sua certidão negada porque "verificou-se por meio das atas de Assembleia Eletivas que o atual presidente exerce o terceiro mandato, violando o preceito legal de alternância de poder", explicou a Secretaria do Esporte, em nota.
O preceito em questão está no dispositivo da Lei Pelé que estipula que um mesmo presidente só pode exercer dois mandatos seguidos.
Argolo contestou o entendimento da secretaria, argumentando o seguinte: uma vez que o dispositivo que limita a dois mandatos seguidos só entrou em vigor em abril de 2014, a lei não poderia retroagir; a regra deveria passar a contar apenas para os pleitos posteriores à sua aplicação —sendo esta, então, sua segunda eleição.
Essa interpretação da lei era corroborada por outras confederações e pelo COB.
Já a secretaria entendia que todos os mandatos deveriam ser considerados, independente de quando o dispositivo entrou em vigor.
Em 2021, a Justiça entendeu que a interpretação correta sobre o caso era a das confederações, o que, em tese, liberaria a certidão para a CBSurf.
O problema é que a eleição de dezembro de 2020 foi contestada pela chapa de oposição em outra ação judicial e acabou anulada.
Nesse processo, a Justiça determinou, dentre outras coisas, que fosse realizado um novo pleito, que deveria contar com uma comissão de atletas formada por seis membros.
O novo pleito ainda não aconteceu, mas essa comissão já foi eleita, com mandato até 31 de dezembro de 2021. A não ser que sua composição seja alterada, ela deve seguir impedindo uma assembleia para aprovar as contas da entidade e regularização as certidões da confederação.
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