Atacantes superam desânimo e dificuldades para ser goleadores do Brasil

Mário Sérgio, do Fluminense-PI, puxa fila de artilheiros que batalham por espaço no futebol

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Santos

O gerente de futebol do Fluminense-PI, Vicente Medeiros, ainda se lembra de como encontrou o atacante Mário Sérgio, maior artilheiro do Brasil na temporada com 16 gols.

Em outubro do último ano, o dirigente tinha a mesa abarrotada por pilhas de DVDs com melhores momentos de quase 200 jogadores, currículos enviados por empresários e relatórios feitos por analistas do clube.

Causava estranheza a Medeiros um insistente lobby do agente Edi Souza por uma chance ao jogador revelado pelo Bahia e com a sua melhor temporada na carreira como reserva do Botafogo-PB, em 2018, quando fez cinco gols em 24 partidas.

"Analisamos o nome com o Marcelo Vilar [treinador] e decidimos tentar. Faltava ao Fluminense um jogador de área, procurávamos alguém com esse perfil. Oferecemos a ele um pré-contrato, um período de testes entre novembro e dezembro. Ninguém sabia ao certo o que viria", conta Medeiros à Folha.

Mário Sérgio, do Fluminense-PI, artilheiro do Brasil em 2022 até 21 de março
Mário Sérgio, do Fluminense-PI, é o artilheiro do Brasil no ano - Neyla Monteiro/Fluminense EC

Vilar, o dirigente e todos no clube ficaram impressionados com o faro de gol do atacante, até então desconhecido, durante os amistosos na pré-temporada. Nos dois primeiros jogos do Piauiense, quatro gols.

O Super Mário, como ficou conhecido pela torcida, já tem 16 gols em 13 jogos, média de 1,23, superior à de nomes como Hulk e Gabigol, que têm seis e nove, respectivamente.

A caminhada do atacante de 26 anos até a melhor fase na carreira foi espinhosa. No último ano, após dez meses sem clube, ele cogitava largar o futebol.

"Fui para o Boa Esporte no começo do ano, mas acabou não dando certo. Cheguei lá, e não era o que esperava, voltei para casa. Estava tudo bem encaminhado para ir para o Egito, só que a situação esfriou pela pandemia. Comecei a ficar desanimado", explica.

O baiano de Candeias (a 33 km de Salvador) recordou, então, a lesão que superou nas categorias de base. E buscou força para mais uma reviravolta.

Em 2013, ficou mais de um ano sem jogar futebol devido a uma luxação patelar. Voltou em 2014, mas não conseguia parar de mancar. "Ali foi ainda pior. Eu via meus amigos jogando e treinando e só chorava." Deu a volta por cima em boa aparição na Copa São Paulo de juniores de 2015.

Mário tem contrato até novembro e boa vantagem sobre o colombiano Hugo Rodallega, do Bahia, agora segundo colocado na corrida pela artilharia do país, com 12 gols, mas vê concorrentes crescerem com histórias de superação semelhantes.

No Campeonato Paulista, Ronaldo, da Inter de Limeira, lidera de forma isolada a artilharia com nove gols, mas passou por duras dificuldades no último ano, no Avaí. Ele conviveu com salários atrasados e ainda precisou lutar contra a depressão.

Ronaldo, da Inter de Limeira, um dos artilheiros do Brasil em 2022
Ronaldo, da Inter, tem 14 clubes no currículo - Divulgação/AA Internacional de Limeira

"Fiquei, de cara, quatro meses sem receber. Depois, voltei a sentir uma pubalgia, lesão antiga, e acabei me entregando. Creio que só não me afundei porque procurei logo auxílio profissional. Minha mãe e minha esposa também me ajudaram muito. Chegava em casa querendo desistir, parar", relata.

Ronaldo sonhava deslanchar na Série A do Campeonato Brasileiro. Em 2020, era o destaque da surpreendente campanha do Santo André até a paralisação da competição devido ao agravamento da pandemia de Covid-19. Foi negociado com o Sport, mas logo perdeu espaço com a mudança de treinadores.

Aos 30 anos, o atacante formado pela Portuguesa tem no currículo 14 clubes. Em 2013, no Joinville, marcou 11 gols em 36 jogos. Pelo Ituano, no ano seguinte, balançou a rede oito vezes em 16 partidas. Jogou ainda no Japão e na Malásia.

"Bastante gente me pergunta por que estou bem agora, aos 30. Digo que é a junção de fatores espirituais, mentais e de confiança. Aqui, em Limeira, sei que vão me bancar, que não vou fazer um jogo e ser sacado", explica o jogador, que tem contato até 4 de abril.

Outro concorrente é o já experiente Edson Cariús, 33. Ele tem nove gols em 15 partidas disputadas pelo Ferroviário, do Ceará, em 2022 com uma rota ainda mais improvável no futebol.

O atacante se tornou profissional em 2008, mas largou o esporte por quatro anos para ajudar os pais na colheita em Cariús, no interior cearense. Em 2012, foi chamado para trabalhar em uma loja de motos em Iguatu, município vizinho. Ganhava de R$ 50 a R$ 100 para jogar por times de várzea da cidade.

Edson Cariús, do Ferroviário, um dos artilheiros do Brasil em 2022
Para Cariús, 'verdadeiro camisa 9 está em extinção' - Lenilson Santos/Ferroviário AC

Recebeu a primeira chance no Iguatu Futebol Clube, onde conquistou o acesso da terceira para a segunda divisão cearense. O salário era de R$ 600.

"Comecei com idade avançada para o futebol, com 23 anos. Graças a Deus, nunca fiquei mais de três meses sem um clube desde então. O verdadeiro camisa 9 está em extinção, por isso acho que há espaço ainda para muitos. Cresci em cima de dificuldades", conta.

Foi no Barbalha, em 2013, que o atacante começou a ver a carreira mudar de rumo. Desde então, rodou por uma série de clubes pequenos até chegar ao Fortaleza, em 2020, e ao Remo, no último ano.

Também com nove gols está Renan Gorne, artilheiro do Confiança, do Sergipe. Revelado no Botafogo, jamais conseguiu o espaço que sonhou mesmo com anos como destaque do clube e passagens por seleções de base. Em 2016, disputava com Pedro, hoje no Flamengo, a artilharia no Rio de Janeiro.

"Não penso muito no que se passou, mas tem coisa que é quase impossível de entender. Fui emprestado a um time dos Estados Unidos, voltei com seis gols em 13 jogos, e nem para a pré-temporada quiseram me levar", diz.

Hoje com 26 anos e boas temporadas recentes, ele espera, enfim, atrair olhares de outros clubes. Em 2020, em passagem pelo Confiança, marcou dez gols em 41 jogos. Em 2021, pelo Remo, foram nove em 44. Agora, a marca é a melhor da carreira.

"Questionam sempre a competitividade, mas jogo em campos no interior com situações muito difíceis. É tudo mais raiz, mais complicado, e valorizo isso. Recuperei aqui a felicidade de jogar futebol e sei que tudo acontecerá naturalmente", conta.

Renan Gorne, do Confiança, um dos artilheiros do Brasil em 2022
Renan Gorne tem a esperança de ver a carreira decolar - Lucas Almeida/AD Confiança

Atualmente, Gorne, Ronaldo e Cariús dividem a terceira colocação na corrida pela artilharia do país com Gabigol, do Flamengo, Zé Vitor, do Marcílio Dias, Alex Sandro, do Brusque, Rodriguinho, do Cuiabá, e Nicolas, do Goiás.

Confira os artilheiros do Brasil em 2022

1. Mário Sérgio (Fluminense-PI)
16 gols, 13 jogos (1,23 gol por jogo)

2. Hugo Rodallega (Bahia)
12 gols, 13 jogos (0,92)

3. Renan Gorne (Confiança)
9 gols, 8 jogos (1,12)

3. Alex Sandro (Brusque)
9 gols, 11 jogos (0,81)

3. Zé Vitor (Marcílio Dias)
9 gols, 11 jogos (0,81)

3. Ronaldo (Inter de Limeira)
9 gols, 11 jogos (0,81)

3. Gabigol (Flamengo)
9 gols, 11 jogos (0,81)

3. Rodriguinho (Cuiabá)
9 gols, 11 jogos (0,81)

3. Nicolas (Goiás)
9 gols, 14 jogos (0,64)

3. Edson Cariús (Ferroviário)
9 gols, 15 jogos (0,6)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.