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Domínio do Bayern de Munique reforça o mito da competição no futebol

Adversários acreditavam que o clube bávaro estaria mais fraco e se enganaram

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Rory Smith
The New York Times

Simples assim, acabou. Durante mais ou menos dois meses, houve apenas um lampejo de esperança para os clubes do Campeonato Alemão. Fazia tempo que não sentiam isso. Eles não queriam admitir o sentimento agora, não em público: era frágil, culpado, provavelmente desesperado, mas ainda assim era esperança.

Robert Lewandowski se foi. Serge Gnabry, por algum tempo, parecia que poderia segui-lo. Thomas Müller e Manuel Neuer estavam um ano mais velhos. Pela primeira vez em uma década, o Bayern de Munique não parecia fraco –o Bayern de Munique nunca é fraco–, mas apenas um pouco diminuído, apenas um pouco mais humano.

Jogadores do Bayern com o troféu da Supercopa da Alemanha deste ano, ao derrotarem o RB Leipzig
Jogadores do Bayern celebram título da Supercopa da Alemanha - Ronny Hartmann - 30.jul.22/AFP

No Borussia Dortmund, no Bayer Leverkusen, no RB Leipzig, a ideia teria se formado, espontânea e silenciosa. E se os reforços do Dortmund dessem certo? E se Florian Wirtz florescesse? E se Christopher Nkunku estivesse apenas começando? E se este fosse um daqueles anos, os intermediários, os liminares, quando o Bayern declina e outro sobe?

Então, a fria realidade se intrometeu. O primeiro jogo do Bayern na temporada foi no estádio do Eintracht Frankfurt: um campo intimidador, completamente lotado, torcendo por um time que havia vencido a Liga Europa apenas alguns meses antes. Não foi um começo suave. Não nos primeiros cinco minutos, pelo menos.

Aí, Joshua Kimmich marcou. Cinco minutos depois, Benjamin Pavard também. Na sequência, foram à rede Sadio mané, em sua estreia, Jamal Musiala e Gnabry. A temporada da Bundesliga tinha exatamente 43 minutos, e toda a esperança se extinguiu e todos os "se" foram respondidos. O placar apontava 5 a 0 e terminaria o dia apontando 6 a 1. Assim, por mais um ano, tinha terminado.

A esperança é um pouco mais resistente que isso, claro. Ninguém, nem mesmo o Bayern de Munique, ganha um campeonato em agosto. Sua vitória sobre o Eintracht foi apenas um jogo. Talvez nos próximos meses as táticas de Julian Nagelsmann deem errado. Talvez a equipe do Bayern entre numa grande rebelião. Talvez seja afligida por uma epidemia de lesões. Talvez a Copa do Mundo divida a temporada em duas metades, ambas perturbadas pelo acaso.

Ainda assim, a impressão deixada por aquela goleada no primeiro dia foi indelével. A saída de Lewandowski e a persistente sensação de mudança geracional que provocou no Bayern não fez nada para mudar a dinâmica de poder na Bundesliga. O destino de seu campeonato parece predeterminado, se não desde o momento em que a temporada começou, certamente a partir dos 43 minutos.

Isso, é claro, passou a ser visto como o erro fatal do futebol alemão. O Bayern tem mais torcedores, mais influência comercial e mais prêmios em dinheiro na Champions League, e por isso tem uma supremacia que agora se aproxima do absoluto. Ganhou todos os títulos do Alemão nos últimos dez anos. Às vezes, a diferença para o candidato mais próximo é de 25 pontos. Não há drama. Não há duvidas. Não parece certo, no topo da tabela, descrever a Bundesliga como uma competição.

A Alemanha, pelo menos, não é a única. Na França, o Paris Saint-Germain começou sua temporada marcando três gols em 38 minutos contra o Clermont e acabou vencendo por 5 a 0. O PSG ganhou oito dos últimos dez títulos disponíveis na França. Seu orçamento, inchado pela beneficência do Qatar, não tem semelhança com o de nenhum de seus rivais. O ar na Ligue 1 também está carregado de inevitabilidade.

Na teoria, é claro, isso não apenas reflete mal em ambas as ligas, como também limita seu apelo e sua ambição. Os esportes, somos levados a acreditar, exigem duas coisas para manter os torcedores antigos e atrair novos, para encher os estádios, para chamar a atenção de audiências de televisão à deriva e distraídas.

Elas são relacionadas (e muitas vezes confusas), mas distintas. Uma é o que geralmente se chama de equilíbrio competitivo: a ideia de que vários participantes de um torneio podem, no final, vencê-lo. A outra é conhecida, academicamente, como a hipótese da incerteza do resultado: a crença de que um jogo individual dentro de qualquer competição só é atraente se os torcedores sentirem –ou pelo menos puderem se enganar– que ambos os lados têm uma chance.

A melhor medida de quão importantes esses conceitos são considerados pelas próprias ligas está na estratégia de marketing profundamente arrogante, embora inegavelmente bem-sucedida, do Campeonato Inglês.

Na Premier League, o sentido de identidade da primeira divisão está inextricavelmente ligado à ideia de que não apenas qualquer time pode vencer qualquer outro time a qualquer momento como também que só ele possui uma multiplicidade de desafiantes pela coroa final.

A Alemanha e a França, afinal, têm apenas um. A Espanha tem três: Real Madrid, Atlético Madrid e qualquer parte do Barcelona que não tenha sido vendida para contratar Marcos Alonso. Os candidatos da Itália podem chegar a quatro hoje em dia, mas isso é apenas porque a Juventus gentilmente decidiu passar três anos implodindo.

A Inglaterra, no entanto, tem ao menos seis, meia dúzia de equipes que entram na temporada com uma chance de vencer o campeonato. A realidade, é claro, é substancialmente mais complexa: não apenas porque alguns dos seis são mais iguais que outros mas também porque ter uma amostra comparativamente ampla de candidatos significa uma temporada menos previsível, mas jogos mais previsíveis.

A verdade, nesse caso, importa menos do que a crença. É amplamente aceito que o sucesso da Premier League se deve ao fato de ela ser menos processional do que todas as competições rivais. Segue-se, então, que a perspectiva de mais uma temporada em que o Bayern de Munique e o PSG caminhem para suas coroas domésticas é uma marca negativa contra as ligas que os abrigam.

Isso, para a maioria dos torcedores, parece certo. Parece justo. É obviamente uma desvantagem saber, quase desde o início, qual equipe sairá vitoriosa. É como ir ao cinema sabendo que um amante deixa o outro se afogar apesar de haver muito espaço no barco, ou na verdade o cara é um fantasma, não faz muito sentido ficar até o fim. Deve haver equilíbrio competitivo. Deve haver incerteza do resultado. Afinal, é por isso que assistimos.

Exceto que, na verdade, não é. Um trabalho publicado em 2020 por pesquisadores da Universidade de Liverpool –e com base em uma série de pesquisas acadêmicas sobre as motivações dos fãs de esportes– descobriu que não havia correlação entre quão incerto era o resultado de qualquer jogo e quantas pessoas o viam. A ligação, escreveram eles, era "decididamente insignificante".

Acontece que não é por isso que a maioria das pessoas assiste a eventos esportivos, quer queiramos admitir, quer não. De acordo com os pesquisadores, havia uma conexão entre a audiência e a qualidade dos atletas em exibição. Ainda mais importante, porém, era o nome das equipes envolvidas. O poder da marca, eles escreveram, tendia a "dominar qualquer contribuição para o tamanho do público".

No entanto, há uma outra conclusão nesse relatório de 2020 que vale a pena notar. "Espera-se que uma partida com a maior importância no campeonato observada em nosso conjunto de dados atraia um público agregado 96% maior do que uma sem implicações quanto aos prêmios a serem entregues no final da temporada", mesmo que os times envolvidos fossem os mesmos, escreveram os pesquisadores.

Em outras palavras, o que os fãs realmente querem –mais que equilíbrio competitivo, mais que a incerteza do resultado, mais que rostos famosos e nomes poderosos– é disputa. Eles querem, nós queremos, o máximo de disputa possível: jogos em que parece que tudo está sob ameaça. É isso o que vende os campeonatos. É o que atrai os torcedores.

Em última análise, nem a Alemanha nem a França podem oferecer isso. É o que está se tornando mais raro a cada temporada no restante das principais ligas da Europa e em algumas das menores também, devido aos efeitos distorcidos da receita da Liga dos Campeões em todo o continente.

Mas é isso o que queremos, mais que tudo. Ver o Bayern e o PSG passarem atropelando tudo e todos oferece um sucesso de curto prazo, a satisfação fugaz da admiração, mas ao custo do prêmio maior. Provavelmente não haverá decisão na Bundesliga nesta temporada. Não haverá confronto final. Como pode haver, quando tudo parecia resolvido em 43 minutos?

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