Mbappé nega mandar no PSG e diz estar perto de ser o melhor do mundo

Francês fala sobre busca pela Champions, tentativa de superar Messi como jogador do ano e negociações com o Real Madrid

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Tariq Panja
The New York Times

Kylian Mbappé aparece para a entrevista num veículo enorme com vidros escuros e acompanhado por sua mãe, dois representantes de relações públicas, dois advogados, uma pequena equipe de documentário, um estilista e um amigo, cujo papel, inicialmente, não fica claro. É assim que uma das maiores estrelas do esporte mundial viaja hoje em dia. Kylian Mbappé não apenas entra pela porta. Ele chega.

Mas não ainda.

Primeiro vem um grande segurança que pede educadamente –e esse pedido claramente não é opcional– para fazer uma varredura nos espaços que seu cliente visitará, percorrer os corredores onde Mbappé passará, verificar as rotas de fuga mais diretas "se eu tiver que retirar meu cara com pressa". O segurança deve ter feito a mesma coisa algumas noites atrás, num restaurante em Manhattan onde Mbappé e sua comitiva pretendiam jantar, e provavelmente fará o mesmo mais tarde para um evento da Nike na Times Square.

Somente quando o segurança está satisfeito é que um celular aparece e uma ligação é feita. Só então dizem para o motorista entregar Kylian Mbappé na sede do jornal The New York Times em Manhattan.

Paris-St. Germain forward Kylian Mbappé in New York on June 21, 2022.  In a rare interview, the French soccer star discusses chasing the Champions League title, supplanting his teammate Lionel Messi as world player of the year and the possibility of a move to Real Madrid. (Josefina Santos/The New York Times)
Mbappé, durante entrevista a The New York Times - Josefina Santos/NYT

Neste verão, Mbappé, um dos atletas mais famosos do mundo, também se tornou um dos mais valiosos. Foi quando um astro do futebol extremamente talentoso lucrou com um plano de sucesso posto em prática antes de ele entrar na adolescência, resultado de um cabo de guerra entre o Paris Saint-Germain e o Real Madrid. Ele fechou um contrato que deverá lhe render mais de US$ 250 milhões (R$ 1,3 bilhão) nos próximos três anos.

O acordo deu a Mbappé um novo poder em seu clube, novos recursos para financiar seu império de negócios em expansão e novo destaque dentro e fora do esporte. A certa altura neste verão, a luta por sua assinatura ficou tão intensa que o presidente francês, Emmanuel Macron, interveio para inclinar a balança a favor do PSG e da nação.

Nos próximos meses, o perfil de Mbappé deverá crescer ainda mais. Ele é a peça central de seu time repleto de estrelas em Paris, o primeiro entre iguais que incluem o superastro brasileiro Neymar e o craque argentino Lionel Messi, enquanto busca encerrar seus esforços até agora infrutíferos para vencer a Champions League.

Em novembro, Mbappé viajará para o Qatar, onde a seleção francesa tentará se tornar a primeira desde o Brasil de Pelé a defender com sucesso o título da Copa do Mundo.

Mas primeiro ele concordou com uma entrevista. Ele tem muito o que falar.

O início

Era uma daquelas tarefas eternas que os professores dão, um estímulo para que os alunos façam uma pausa e reflitam sobre seu futuro, explorem o que eles querem ser. Em maio de 2014, Kylian Mbappé, com 15 anos, e seus colegas da academia do clube de futebol francês Monaco foram convidados a desenhar uma capa de revista com uma imagem deles mesmos.

Uma ideia se formou rapidamente na mente de Mbappé. Ele não imitaria uma versão da Paris Match, da GQ ou da Vogue francesa, como alguns de seus amigos tinham feito, mas sim da revista Time. Como foco central da capa, Mbappé escolheu uma imagem sua, sentado com a cabeça levemente inclinada para o lado e as mãos cruzadas sob o queixo. A manchete, em negrito em fonte branca, declarava-o "El maestro" –o mestre. Chamadas menores, nos cantos superiores e em letras maiúsculas, rotulavam-no como o melhor jovem jogador do mundo, uma prioridade para o técnico da seleção francesa, o futuro do futebol.

Mbappé apareceu muito bem no Monaco - Valery Hache - 20.fev.16/AFP

Como um voo de fantasia de criança, a capa de revista simulada não poderia ter sido mais presciente. Quatro anos depois de apresentar a tarefa, Mbappé saiu na capa da Time. Essas manchetes também se mostraram proféticas. Aos 19 anos, Mbappé já tinha levado a França ao título da Copa do Mundo, tornando-se o primeiro adolescente desde Pelé a marcar na final. Ele foi amplamente considerado o melhor jovem jogador do mundo e, na avaliação de quase todos, representava o futuro.

"Louco", disse Mbappé, 23, quando lhe foi mostrada a imagem da capa da revista no início de uma entrevista em julho. É uma palavra que ele usa frequentemente para descrever seu percurso de vida. "Porque, sabe, quando você tem 15 anos, você tem ambição", disse ele. "Toda criança tem ambição. Mas, quando isso se torna realidade, depois de apenas alguns anos, é louco."

No entanto, mesmo nesse ambiente, Mbappé sempre foi um pouco diferente dos outros aspirantes em suas classes, disseram seus professores: inteligente e equilibrado, dotado de uma confiança e maturidade que o faziam se destacar. "Para nós", disse um professor depois de ver Mbappé entrevistado em vídeo para outro projeto escolar aos 16 anos, "parecia que ele estava fazendo aquilo fazia dez anos".

A ascensão

Muito antes de se tornar profissional, Mbappé era visto com admiração muito além de seu subúrbio de Paris. Aos 14 anos, foi convidado pelo Real Madrid, time de seus heróis da infância, para se juntar ao clube para uma semana de treinamento na Espanha. Impedido de contratar um jogador estrangeiro tão jovem, o clube ainda estendeu um tapete vermelho que incluiu encontros com estrelas do primeiro time e passeios ao centro de treinamento num carro esportivo dirigido pela lenda do Real e da França, Zinédine Zidane.

A primeira decisão importante de sua carreira –assinar com o Monaco, equipe com uma forte tradição de descobrir e rastrear jovens talentosos– acabou sendo um golpe de mestre. Mbappé fez sua estreia pelo clube aos 16 anos, desempenhou um papel fundamental em sua improvável campanha para as semifinais da Champions League dois anos depois, e então se juntou ao PSG pelo segundo maior preço já pago por um jogador de futebol.

Tudo o que ele queria parecia estar lá para ser conquistado. "Para ser honesto, como sou um cara jovem, nunca tive limites em minha ambição, porque sempre digo que você não precisa colocar um limite para si mesmo."

Essa ambição, apoiada pela credibilidade de uma Copa do Mundo e pelas opções inerentes ao contrato de US$ 250 milhões que ele recebeu do PSG para ficar neste verão, agora se estende à construção de seus significativos negócios e empreendimentos filantrópicos.

Mbappé também tem falado cada vez mais sobre os esforços –ou a falta deles– para combater o racismo no futebol, tanto que criticou publicamente o presidente da federação francesa de futebol por questões raciais e em certo ponto da entrevista pôs de lado os interesses de seus agentes para se engajar no tema. As críticas ao seu jogo, disse Mbappé, são boas. O que muitas vezes as acompanha não é. "Você tem que falar sobre isso, nós temos que acabar com isso", disse ele sobre a persistente incapacidade do futebol de erradicar o racismo. "Eu estou pronto. Estou pronto para ajudar."

O jovem espera não seguir o modelo do "cara que chuta a bola e termina a carreira, vai para o iate e pega seu dinheiro". "Não, eu quero ser mais que isso. E às vezes as pessoas podem pensar que é demais, que eu tenho que jogar futebol. Mas acho que não. Acho que o mundo mudou."

A escolha

O que quer que ele faça fora de campo, a posição de Mbappé continuará a ser definida por seus feitos no futebol: como ele joga e, talvez tão importante, onde ele joga.

Durante meses neste ano, pareceu a todos, incluindo Mbappé, que ele deixaria o Paris pelo Real Madrid, clube que o atraiu desde sua primeira visita quando menino. Ele tinha dito isso ao PSG no verão passado, quando encerrou as conversas sobre um novo contrato, e até a EA Sports havia planejado sua saída neste verão; preparou a versão mais recente de seu videogame FIFA –recorde de vendas– com Mbappé vestido com as cores do Real Madrid.

O PSG, no entanto, financiado pelo governo do Qatar, preparou-se para a luta. A diretoria tinha recusado uma oferta do Madrid de até 200 milhões de euros (pouco mais de R$ 1 bilhão) por Mbappé no ano passado, mesmo sabendo que ele poderia sair por nada como agente livre neste verão.

Dinheiro do Qatar foi decisivo para manter Mbappé no PSG - Stephane Mahe - 3.set.22/Reuters

Em junho, com o término do contrato de Mbappé com o PSG, o Real Madrid voltou novamente, montando o maior pacote de contratos de sua história. Mas o PSG rebateu uma última vez, a certa altura pedindo a ajuda do presidente Macron. A visão que este apresentou a Mbappé era a de ser o porta-estandarte de seu país, pelo menos por mais alguns anos –a chance de ser um herói da França e do PSG ao mesmo tempo.

A intervenção direta de Macron no planejamento de carreira de um jogador de futebol talvez tenha apenas um precedente. Em 1961, com todos os maiores times da Europa rondando, o governo do Brasil aprovou uma lei que designou Pelé um "tesouro nacional", um bem cultural de tamanha importância que ele não poderia ser transferido para fora do país. Embora Macron não tenha ido tão longe em seus esforços para manter Mbappé na França, suas palavras pesaram na decisão do atacante de ficar.

"Eu nunca imaginei que falaria com o presidente sobre meu futuro, sobre o futuro da minha carreira, então é algo louco, realmente louco. Ele me disse: 'Eu quero que você fique. Não quero que você vá embora agora. Você é muito importante para o país'."

Como trabalha sem agente, Mbappé disse que todas as decisões importantes –e muitas vezes menores– que toma seguem conversas profundas com os únicos dois conselheiros cujas opiniões realmente importam: seus pais. Sua mãe, que estava sentada em uma sala adjacente enquanto Mbappé era entrevistado na presença de um publicitário e de um advogado, foi uma figura central nas negociações com o Real Madrid e o PSG no ano passado. Ela se recusou a responder a perguntas para este artigo, mas sua influência é clara.

"Nós nos sentamos ao redor da mesa e conversamos sobre tudo", disse Mbappé, que inclui sua advogada, Delphine Verheyden, como outra parte vital de seu mecanismo de tomada de decisão. Mas no final é Mbappé quem assume o comando.

Algumas das manchetes que se seguiram à sua decisão de permanecer no PSG disseram que o dinheiro do Qatar provou ser demais para resistir –suas luvas de cerca de US$ 125 milhões (R$ 653 milhões) foram o maior pagamento único para um jogador sem contrato na história do futebol–, mas ele insistiu que as grandes somas oferecidas não foram o que guiou sua escolha. "Porque aonde quer que eu vá vou conseguir dinheiro. Sou esse tipo de jogador em todos os lugares a que vou."

Ainda assim, o status de Mbappé no PSG e seu investimento nele conferem agora um papel de liderança que lhe dão primazia mesmo entre estrelas como Neymar e Messi. Os torcedores e a mídia já estão atentos a qualquer indício de ego: frustração por não receber um passe, uma disputa com Neymar sobre quem cobraria o pênalti.

Mbappé disse que foi "irritante" ler as acusações de que ele exigiu opinar sobre quem o treinaria e até quem seriam seus companheiros de equipe como condição para assinar novamente.

"Esse não é o meu trabalho", disse ele. "E eu não quero fazer isso porque não sou bom nisso. Eu sou bom em campo. E fora do campo esse não é o meu papel. Há tantas pessoas que são melhores que eu."

Por enquanto, ele disse que está focado em consolidar sua posição de ícone nacional na França. Ele quer ganhar mais uma Copa do Mundo. Quer finalmente levantar o troféu da Champions com o PSG. E quer ser eleito o melhor jogador do mundo.

"Acho que estou prestes a ganhar", disse Mbappé sobre o troféu de jogador do ano. Ele faz seu depoimento em tom de fato consumado, apresentando-o como uma extensão lógica de sua trajetória.

Sempre digo que sonho com tudo. Não tenho limites. Então, é claro, como você diz, é uma nova geração. E Ronaldo, Messi –vocês vão parar. Temos que encontrar outra pessoa, alguém novo

Mbappé

23 anos

Vida diferente

"A única coisa de que me arrependo um pouco é crescer como homem muito rápido", diz Mbappé, enquanto quase uma dúzia de pessoas esperam que ele encerre seu último compromisso de trabalho.

Apesar de todas as descrições de si mesmo como "um cara normal" que faz "coisas normais", sua vida –marcada para o estrelato antes de ele completar 14 anos, um profissional completo aos 16, um tesouro nacional aos 23– é tudo menos normal.

"É a vida que eu sempre quis", disse ele sobre as caravanas itinerantes, os restaurantes vazios, os guarda-costas ao seu lado. "É uma vida diferente. Mas, como eu disse, estou feliz. E sou grato."

A contact sheet of portraits of Paris-St. Germain forward Kylian Mbappé in New York on June 21, 2022.  In a rare interview, the French soccer star discusses chasing the Champions League title, supplanting his teammate Lionel Messi as world player of the year and the possibility of a move to Real Madrid. (Josefina Santos/The New York Times)
Mbappé, em série de retratos para The New York Times - Josefina Santos/NYT

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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