Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Perto da Série A, técnico do Cruzeiro se acostumou a quebrar muros e sonha com seleção do Uruguai

Paulo Pezzolano se diz um 'bom rebelde' e exalta raça uruguaia: 'Não sabemos jogar amistosos'

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Santos

Paulo Pezzolano, 38, aparentava confiança na entrevista de apresentação como técnico do Cruzeiro, em 5 de janeiro deste ano.

Logo nas primeiras falas, surpreendeu ao dizer que o time mineiro brigaria pelos títulos do Campeonato Mineiro e da Copa do Brasil.

"Eu sou uruguaio. E o problema do uruguaio é que não sabemos jogar amistosos", respondeu.

O discurso poderia soar descolado da realidade pelo contexto vivido pelo clube –embora recém-adquirido por Ronaldo Fenômeno. Nas duas séries B disputadas, em 2020 e 2021, resultados nada animadores: 11º e 14º lugar, respectivamente.

Além disso, somente um técnico dos 14 anteriores durara mais de seis meses no cargo: Mano Menezes, bicampeão estadual e vencedor da Copa do Brasil, que permaneceu por três anos e três dias.

"Digo que sou um bom rebelde. Quando surge algo ruim, tento mais. E se acontecer algo ruim de novo? Mais ainda. Vou quebrar o muro que estiver pela frente. Sempre fui assim", disse à Folha.

Paulo Pezzolano conduz o Cruzeiro em ótima campanha na Série B - Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Nesta quarta-feira (21), Pezzolano pode quebrar mais muro no Campeonato Brasileiro da Série B. Se vencer o Vasco, a equipe confirmará matematicamente o sonhado acesso de volta à elite do futebol nacional após a queda em 2019.

Mesmo diante da edição mais concorrida de toda a história —com Bahia, Grêmio e Vasco, também campeões brasileiros—, o treinador registra um feito respeitável.

O time, até aqui, tem 20 pontos de vantagem para o Londrina, primeiro clube fora do G4, e ainda luta pela melhor campanha da história da segunda divisão. Para isso, precisa somar 21 dos 24 pontos possíveis, ultrapassando a marca dos 74,5% de aproveitamento do Corinthians de 2008.

"Estou perto, sem dúvida. As estatísticas mostram que estamos perto, não posso mentir, mas até fechar isso não vou olhar para a frente", afirmou.

Pezzolano se acostumou bem cedo a vencer dificuldades, a quebrar muros na carreira.

Ainda na formação como jogador, aos 15 anos, foi dispensado das categorias de base do Peñarol, apontado por treinadores como incompatível com o futebol profissional. A justificativa era que a baixa estatura e a fragilidade física o impediriam de seguir adiante.

"Eu era pequenino, baixinho, magrinho... Mas sempre fui camisa dez, batia as faltas e era canhoto. Depois que trocaram os treinadores, eles queriam jogadores mais fortes fisicamente, para ganhar jogos. Não pensaram muito no futuro", recordou.

Meses após a dispensa, Pezzolano não só seguiu no futebol como já treinava entre os profissionais do Rentistas, também da primeira divisão uruguaia, clube onde iniciou efetivamente a carreira.

"Isso não mudou o que vejo como treinador, mas me fez entender que precisamos respeitar sempre o crescimento dos jogadores", contou. "Sinto que cada um tem que ficar com algo meu. Tem que se lembrar de mim, tem que ser melhor do que era antes. E digo isso se é menino ou se tem 30 anos."

Como jogador, o atual treinador do Cruzeiro atuou a maior parte da carreira no próprio futebol uruguaio. Estreou pelo Rentistas, em 2001, e teve passagens por Defensor, Peñarol, Liverpool e Montevideo City Torque.

Fora do país, jogou por Mallorca, da Espanha, Hangzhou Nabel, da China, e Necaxa, do México, e Atlético Paranaense, do Brasil. Ele chegou em 2005 à equipe brasileira, onde conheceu o então zagueiro Paulo André, hoje dirigente e um dos responsáveis por levá-lo como treinador ao Cruzeiro.

A carreira como técnico surgiu quase por um acaso. No Torque, pensava em virar dirigente quando recebeu uma proposta inesperada para substituir Ricardo "Murmullo" Perdomo nos cinco jogos finais da segunda divisão, em 2016.

"Fiquei em dúvida, pois tinha mais um ano de contrato [como atleta]. Faltavam cinco rodadas, e eu pensava mais em ser diretor esportivo. Eu, como jogador, já não tinha muito mais para dar. Sou uma pessoa ambiciosa. Vi abrir uma porta para começar."

Ele ligou para antigos conhecidos, formou a sua comissão técnica e iniciou o trabalho. Ainda atuou em um jogo acumulando as funções de treinador e jogador, apenas para se despedir dos gramados, e depois começou o processo de remontagem da equipe. Dispensou 14 antigos companheiros.

"Foi a parte mais difícil de todas, fui falando com cada um. Esse primeiro ato me marcou muito, mas se tivesse usado o coração ali eu teria errado, sei disso", relatou.

As mudanças surtiram efeito imediato. Foi campeão no primeiro ano e trocou o Torque pelo Liverpool, mas com um novo desafio a quebrar: o da mentalidade do novo clube.

O estilo de jogo ofensivo, com toques de bola desde a saída com o goleiro, sem chutões, não agradava aos torcedores e dirigentes de um clube centenário e mais conservador.

"Eu ouvia da tribuna os gritos de ‘uh’ a cada passe que dávamos. Eles sofriam de verdade, foi um caminho muito duro, mas que valeu um título. Esse caminho valeu a pena, virou a história do clube", lembrou.

A equipe conquistou o Torneo Intermedio –competição curta disputada entre o Apertura e o Clausura, as duas edições anuais do campeonato nacional. O estilo de jogo ofensivo e de posse de bola foi uma influência direta de Líber Vespa, seu mentor, meia que defendeu a seleção uruguaia nos anos 90 e morreu em 2018.

"Eu o tive como treinador no Torque, e era só posse de bola. Eu me sentia incrível por correr do jeito certo, por nunca correr demais. Era um líder e um cara espetacular. E depois me marcou ver o Guardiola", disse, antes de citar outra inspiração. "Meu pai me dizia: ‘Você quer ser treinador? Então seja diferente'. Até hoje recebo mensagens dele me cobrando."

Paulo Pezzolano tem o desejo de trabalhar na Europa - Gustavo Aleixo/Cruzeiro

No Cruzeiro, Pezzolano chegou em poucos meses à final do Mineiro. Perdeu a decisão para o Atlético-MG, mas ganhou a aprovação da torcida devido à campanha.

Precisou, dias depois, quebrar novamente os muros para remontar a estratégia com a perda de Vitor Roque, maior joia do clube, contratado pelo Athletico Paranaense pelo valor da multa rescisória de R$ 24 milhões.

"O torcedor está contente sempre? Tenho convicção de que não, mas também tenho certeza de que faço o melhor para ganhar, para transformar o time em mais competitivo."

O time não perde desde a eliminação para o Fluminense, nas oitavas de final da Copa do Brasil, em 12 de julho. Foram 13 jogos, com sete vitórias e seis empates no período. Entre abril e junho, conquistou nove vitórias consecutivas, com sete jogos sem tomar gol, levando o goleiro Rafael Cabral a bater as marcas dos ídolos Fábio e Dida.

Com contrato estendido até o fim de 2023, falta bem pouco para Pezzolano, enfim, poder olhar para a Série A e se deparar com novos muros para quebrar. Um deles é o do futebol europeu.

"O meu sonho é a seleção uruguaia, mais para a frente, em algum momento futuro, ou triunfar na Europa. Isso vai chegar, estou convencido de que vai."

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