Qatar faz contagem regressiva para início da Copa do Mundo após investir US$ 200 bilhões

Dúvidas sobre se o país rico em gás terá sucesso persistem desde que ganhou os direitos de sediar os jogos, em 2010

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Simeon Kerr
Doha (Qatar) | Financial Times

Os sons de obras e maquinário pesado enchem o ar em toda a capital do Qatar, e painéis de vídeo contam os dias até que o rico estado do Golfo esteja no centro do mundo esportivo.

Em pouco mais de um mês, o Qatar sediará a Copa do Mundo da Fifa, o evento de maior prestígio do futebol internacional, encerrando uma jornada que começou em 2010, quando o país rico em gás conquistou o direito de sediar os jogos, numa votação que hoje é amplamente desacreditada.

No entanto, dúvidas sobre se o Qatar pode entregar resultados à Fifa, aos 32 países competidores, ao estimado 1,5 milhão de torcedores ou aos bilhões que assistirão pela televisão persistiram ao longo desses 12 anos. A infraestrutura leve, como hospedagem e lazer, é vista como uma fraqueza particular.

Mulher passa em frente a ilustração do mascote da Copa do Mundo do Qatar - Giuseppe Cacace - 13.out.22/AFP

"Estamos a um mês do evento, e algumas dessas perguntas ainda são feitas", disse Tarik Yousef, diretor do Conselho de Assuntos Globais do Oriente Médio, com sede no Qatar.

O Qatar marca uma ruptura nas tradições do futebol, esporte que valoriza sua herança. Será a primeira vez que uma Copa do Mundo será realizada no Oriente Médio, e a primeira vez que um país com um pedigree tão limitado no futebol –os jogadores do Qatar ocupam o 50º lugar no mundo– é escolhido como anfitrião. O esporte também rasgou sua programação para disputar o torneio de um mês no meio da temporada de clubes europeus, porque os verões no Oriente Médio são simplesmente quentes demais.

No entanto, é um momento seminal para o pequeno Estado, que gastou US$ 200 bilhões (mais de R$ 1 trilhão, em cotação atual) em infraestrutura para a Copa do Mundo num esforço para garantir o sucesso do projeto. Oito estádios, sete dos quais com ar-condicionado, foram construídos ou reformados, juntamente com um novo sistema de metrô e aeroporto internacional.

"Para o Qatar, a Copa do Mundo se tornou um catalisador para focar atenção, recursos e alinhar todos no sistema e na sociedade em todos os níveis para cumprir esse compromisso", disse Yousef.

A Copa do Mundo é o ápice da estratégia de "soft power" do Qatar, alimentada por petrodólares, para projetar sua influência global, mas trouxe a atenção indesejável do escrutínio internacional.

Doha foi acusada de suborno e de não fazer o suficiente para melhorar as condições dos trabalhadores estrangeiros mal pagos que construíram os estádios e a infraestrutura.

Seu histórico questionável de direitos humanos, incluindo a repressão aos direitos LGBTQIA+ e um sistema autoritário de governo que tolera pouca oposição ou dissidência foram destacados. O governo negou as acusações de corrupção e aponta melhorias na legislação que afeta os trabalhadores.

A Anistia Internacional pediu que a Fifa igualasse o prêmio em dinheiro do torneio com um fundo de US$ 440 milhões (R$ 2,3 bilhões, na cotação atual) para recompensar trabalhadores vítimas de abusos. "O passado não pode ser desfeito, mas um programa de compensação é uma maneira clara e simples que a Fifa e o Qatar podem dar pelo menos certa medida de reparação", disse Steve Cockburn, chefe de justiça econômica e social do grupo ativista.

O fluxo de visitantes na Copa do Mundo aplicará uma pressão sem precedentes no país de 3 milhões de habitantes, principalmente expatriados, desacostumados ao turismo de massa. Encontrar lugares para os torcedores dormirem, comerem e beberem –os torcedores de futebol são famosos por consumir grandes quantidades de álcool durante os jogos– criou uma enorme dor de cabeça.

"Os estádios estão lá, mas o ponto fraco pode ser a infraestrutura leve", disse um consultor que trabalha em projetos da Copa do Mundo. "Eles tiveram 12 anos para se preparar, mas ainda estão remendando as coisas."

Os contratos para montar restaurantes e outras atrações foram concedidos tarde demais, explicou o consultor, com as empresas incapazes de recrutar novos funcionários suficientes e, assim, canibalizando uma força de trabalho já pressionada.

O xeque Jassim bin Hamad al-Thani, irmão do emir governante do Qatar, assumiu um papel de liderança na supervisão dos preparativos finais por meio de um executivo de confiança que está "preenchendo cheques" e "intervindo em todos os lugares" para garantir a entrega no prazo, acrescentou o consultor.

A partir de 1º de novembro, os escritórios em todo o Qatar adotarão acordos de trabalho em casa sob um bloqueio contínuo para criar mais espaço para os visitantes. As escolas se fecharão durante o período, enquanto os trabalhadores não essenciais estão sendo enviados de volta a seus países de origem, e os veículos, retirados das ruas para facilitar o tráfego.

Estádio Lusail, com capacidade para cerca de 80 mil pessoas e que vai receber a final da Copa - Mustafa Abumunes - 11.ago.22/AFP

Os estádios foram concluídos antes do previsto. O estádio Lusail, que sediará a final da Copa do Mundo em 18 de dezembro, recebeu os campeões da Arábia Saudita e do Egito no mês passado, mas a partida foi marcada por filas, problemas no ar-condicionado e falta de água que deixaram os torcedores sufocados.

Uma força de segurança multinacional, sob o comando do Qatar, foi montada para manter a paz, com milhares de policiais de Jordânia, Marrocos e Turquia, além de soldados do Paquistão. Mas eles não foram testados trabalhando juntos, o que provocou preocupação entre algumas autoridades ocidentais.

O governo prometeu adotar uma abordagem pragmática ao controle de multidões, como lidar com torcedores bêbados não violentos, protestos de ativistas LGBTQIA+ que levantam a bandeira do arco-íris ou outras declarações políticas.

Mas muitos moradores muçulmanos do Qatar expressaram preocupação com a perspectiva de pessoas bebendo durante o dia, durante o chamado para oração. Muitas famílias estão saindo da cidade durante todo o mês para evitar qualquer confusão.

O Qatar disse que tem 130 mil quartos, o equivalente a 3,64 milhões de noites durante o torneio, o suficiente para fornecer "inventário confortável" para torcedores e equipes. O que os visitantes farão quando não estiverem assistindo às partidas é outra questão.

O país do Golfo não é conhecido pelas atrações turísticas, além de seus museus de arte, ou pela qualidade da vida noturna. Os organizadores incentivarão os torcedores a aproveitar as curtas distâncias entre os estádios, indo a mais de um jogo por dia. Visitas turísticas a países vizinhos, como a Arábia Saudita, também foram promovidas como algo para preencher as horas.

Espera-se que muitos fãs se hospedem em Dubai, local mais descontraído, a uma hora de voo de distância. A Qatar Airways está operando 16 voos diários especiais de Dubai para Doha durante a primeira fase dos jogos, até 2 de dezembro.

Enquanto o relógio avança para a abertura em 20 de novembro, quando os anfitriões enfrentarão o Equador, a tarefa de transformar o antigo Ministério do Interior à beira-mar em Doha numa filial da reluzente rede de hotéis Ned está em andamento. Espera-se que os dignitários sejam alojados lá durante o torneio.

Os torcedores comuns optarão entre apartamentos, mansões e hotéis, além de cabines de navios de cruzeiro e até tendas montadas em zonas especiais para torcedores, embora muitos potenciais visitantes tenham reclamado de preços exorbitantes, e empreiteiros digam que alguns ainda estão em construção.

"Sim, é tudo um pouco de última hora", admitiu uma autoridade, antes de acrescentar: "Mas o Qatar tem dinheiro para fazer tudo dar certo".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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