Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

Posicionamento do Qatar é motor para palestinos irem à Copa do Mundo

País-sede é a favor da Palestina como Estado soberano e independente

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Doha (Qatar)

Safi Al Masri, 36, estava há cerca de 30 minutos no telefone enquanto a Folha esperava para entrevistá-la. A palestina conversava com os filhos, que haviam ficado com a família em um território controlado por Israel.

A conversa girava em torno do bem-estar das crianças, uma vez que não se sentem seguros em sua casa. "Qualquer um do Exército de Israel pode vir e me matar e matar meus filhos enquanto estivermos dormindo ou quando eu estiver dirigindo para o trabalho. Não é um lugar seguro", diz Al Masri.

Ela veio para o Qatar pela primeira vez para conhecer parentes e, de lambuja, assistir alguns jogos da Copa do Mundo. O visto foi aprovado devido a um histórico acordo entre as nações em decorrência do Mundial.

Torcedores marroquinos com bandeiras da Palestina, na partida contra Portugal, neste sábado (10)
Torcedores marroquinos com bandeiras da Palestina, na partida contra Portugal, neste sábado (10) - Gabriela Biló/Folhapress

Parte de sua família vive no país-sede. Foi a oportunidade que encontrou para conhecer a prima Marah AlBustami, 36, cujos pais migraram para o Qatar ainda na adolescência.

AlBustami, que também é palestina, tenta há anos visitar sua família. Seu visto, porém, é sempre negado —mesmo tentando com o passaporte da Jordânia, que possui acordo de paz com Israel.

"Eles não permitem que eu visite a Palestina. É muito difícil, na verdade, ir à embaixada de Israel e eles apenas negarem meu visto só porque eu quero visitar meu país e meus parentes", diz.

O contexto vivido pelas primas fez a bandeira da Palestina se tornar um dos principais símbolos políticos da Copa do Mundo no Qatar. A solidariedade que ultrapassou as fronteiras árabes não era esperada pelos nativos, mas o apoio do governo foi decisivo para que viessem celebrar o campeonato.

Nos muros das casas, nas sacadas dos apartamentos e em broches vendidos como suvenires em mercados centenários do país, flâmulas da Palestina e do Qatar são ora intercaladas, ora colocadas lado a lado.

A bandeira vermelha, preta, branca e verde está também nas costas dos turistas que andam pelas ruas de Doha, nas mãos dos torcedores nos estádios, e representada nos gritos pela sua liberdade, que ocorrem em todos esses lugares.

O governo do Qatar apoia a Palestina como um Estado soberano e independente. O conflito remonta a 1947, quando a ONU votou pela divisão da Palestina em dois Estados, um judeu e um árabe. A criação de Israel por líderes judeus, em 1948, forçou milhares de palestinos a fugir ou deixar suas casas. O evento é conhecido em árabe como "nakba" ou "catástrofe".

A autoproclamação de Israel como Estado fez com que países árabes como Jordânia, Egito, Síria, Líbano e Iraque iniciassem uma guerra contra o recém-independente. Após meses de batalha, Israel saiu vencedor e passou a controlar a maior parte do território.

Anos depois, em 1967, o país tomou também a Cisjordânia, região que coloniza desde então com a construção de assentamentos. Sua justificativa para o controle do território, em detrimento de direitos de palestinos, é a segurança da nação.

Hoje, grande parte dos palestinos vivem em Gaza, controlada pelo Hamas, ou na Cisjordânia. Mas muitos também migraram para países próximos como Jordânia, Líbano e Síria.

Era esperado que árabes demonstrassem solidariedade com a Palestina durante o Mundial. O gesto se solidificou em campo com jogadores de Marrocos ondulando a bandeira do território após a vitória sobre a Espanha.

A manifestação ganhou ainda mais peso pois Marrocos foi um dos países que, em 2020, assinou os acordos de aproximação com Israel mediados pelo governo de Donald Trump, e também celebrados pelo seu sucessor, Joe Biden.

Logo após a partida, o ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, parabenizou os "amigos marroquinos" pela "grande vitória".

Ver a bandeira nas mãos dos jogadores marroquinos após o jogo foi a "melhor coisa que aconteceu" na viagem de Layali Obrahim, 56. A palestina, que atualmente vive na Jordânia, também veio ao país motivada pelo posicionamento do regime local, mas tem se surpreendido com a onda de apoio que vê nas ruas.

"Eles [Marrocos] nos deixaram orgulhosos. E sabe, o Qatar também nos deixa orgulhosos como árabes. Eles nos devolveram nossa nacionalidade perante todo o mundo", diz.

Mas mesmo a preferência de nações árabes em relação a Israel, no contexto do acordo assinado, não tem sido um ponto de tensão durante o Mundial.

O apoio aos palestinos no Qatar é popular. Embora o posicionamento do governo tenha sido um motor para que participassem da celebração, nas ruas a causa tem simpatizantes locais –não apenas no regime– e entre demais torcedores da Copa.

Turistas de diversas nacionalidades vestem sua bandeira, assim como faixas com as cores da flâmula e os dizeres "Palestina livre". Eles são principalmente árabes, mas não se resumem a uma etnia ou nacionalidade.

Mesmo no jogo do Brasil contra a Croácia, nesta sexta-feira (9) —um país sul-americano e outro europeu— torcedores carregavam nas costas bandeiras do território no estádio Cidade da Educação, em Al Rayyan, onde ocorreu a partida.

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