O novo ato de racismo de que Vinicius Jr. foi vítima em Madri, na madrugada de quinta-feira (26) —em que um boneco vestindo uma camiseta com seu nome foi pendurado em uma ponte, como se tivesse sido enforcado— horrorizou boa parte dos fãs de futebol e também os meios de comunicação.
Mas, se no Brasil, o caso mereceu a capa da edição impressa dos principais jornais, o interesse da mídia espanhola parece ter sido inversamente proporcional.
Os maiores jornais da Espanha não levaram o assunto à capa, preferindo noticiar o resultado do jogo entre Real Madrid, para quem Vinicius Jr. joga, contra Atlético de Madrid, que aconteceu no mesmo dia em que o boneco foi retirado pela polícia.
Os três maiores diários, El País, El Mundo e o gratuito 20 Minutos, por exemplo, preferiram festejar o jogo que terminou em 3 a 1, inclusive com um gol de Vinicius, do que expor à sociedade espanhola um ato vergonhoso perpetrado por torcedores que fazem parte dessa mesma sociedade.
A primeira página de um jornal impresso, pode-se dizer hoje, não é tão importante quanto era no século passado. A maioria dos leitores consome notícias em pílulas em seu celular e nem sequer dá "um vistazo", como se diz por aqui, na capa do jornal que está lendo.
Entretanto, a primeira página de um jornal ainda é o que os jornalistas daquele título consideraram de mais importante que aconteceu no dia anterior.
E, nas edições desta sexta, o boneco (também negro) de um jogador negro pendurado pelo pescoço em uma ponte em plena capital, como os mortos pelos narcotraficantes mexicanos, não foi visto como uma afronta aos direitos humanos digna de ser estampada e denunciada o máximo possível.
Em seus sites, e também nas páginas internas desta sexta, todos os veículos noticiaram o caso, inclusive com adjetivos condenatórios ao ato bárbaro.
O mesmo se passou com jornais esportivos. As três maiores publicações de futebol do país, Marca, As e Mundo Deportivo, igualmente exibiram o caso apenas em suas páginas internas. Como se o racismo das torcidas de futebol fosse um problema menor na Espanha.
Vinicius Junior tem enfrentado constantes agressões por parte de torcidas. Em setembro passado, em jogo contra o mesmo Alético de Madrid, a torcida o chamou de "macaco".
No início deste mês, La Liga, instituição que organiza o campeonato espanhol, anunciou que acompanhava duas denúncias de racismo ocorridas durante jogo do Real Madrid com o Valladolid.
Essa última notícia levou ao jornalista Luís Curro, desta Folha, a perguntar em título de seu blog O Mundo É uma Bola: "Espanha negou 3 vezes ações contra racismo a Vini Jr.; negará a quarta?".
Pois nesta semana chegamos à quinta. Nesta sexta (27), a Polícia Nacional de Madrid confirmou à reportagem que está investigando o caso como um "possível de delito de ódio". Mas a policial fez notar que não houve denúncia, seja por parte do Real Madrid, seja por parte de Vinicius Jr.
Na próxima segunda, o Conselho Superior de Esportes vai se reunir extraordinariamente para discutir o assunto. "Nesse encontro, serão discutidos os episódios desprezíveis de violência que continuam ocorrendo no meio esportivo e social", confirmou o conselho.
Solicitado, Vinicius Jr. negou dar entrevista, ainda que seja a um diário de seu país. Um membro de sua equipe em Madri chegou a dizer na conversa que "os jornais brasileiros têm ajudado nesses casos, o problema são os espanhóis".
Para um brasileiro que vive em Madri, e deveria ser para o espanhol também, arrisco a dizer, é muito estranho que o resultado de um jogo seja mais importante do que a exibição selvagem de linchamento público de um jogador, mesmo que teatral.
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