Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Ex-jogador inglês que cumpriu pena por esquema de apostas quer dar palestra no Brasil

Moses Swaibu quer alertar os jovens jogadores brasileiros sobre o submundo das manipulações

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São Paulo

Moses Swaibu, 33, lembra-se da primeira vez que recebeu uma visita de sua filha na prisão. Ele vestia um uniforme laranja, estava com barba por fazer e cabelo grande, naquela que ele descreve como a versão mais vulnerável de si mesmo. Uma versão que ele jamais gostaria de apresentar à filha, com dois anos à época.

"Embora ela não se lembre desses momentos, eu terei que conviver com eles pelo resto da minha vida", diz à Folha o ex-jogador inglês, com passagem pela base do Crystal Palace.

Swaibu havia sido condenado em um julgamento por manipulações de resultados em 2015, descrito pela juíza Mary Stacey como algo que "atingiu o coração dos fãs de futebol".

A pena dele foi de 16 meses de prisão, período em que dividiu cela com Delroy Facey, o ex-companheiro de time no Lincoln City que o apresentou para o submundo das apostas esportivas —o ex-atacante havia sido condenado a dois anos e meio por participar do esquema para subornar jogadores.

O confinamento ao lado de Facey fazia o ex-zagueiro refletir todos os dias sobre o erro que havia cometido durante o período em que jogava pelo Bromley, entre 2011 e 2013, em divisões inferiores da Inglaterra.

Moses Swaibu, ex-jogador inglês que foi preso por participar de um esquema de manipulação de resultados
Moses Swaibu, ex-jogador inglês que foi preso por participar de um esquema de manipulação de resultados - Arquivo Pessoal

Foi aquela primeira visita de sua filha, no entanto, que o fez tomar a decisão de usar sua experiência para evitar que outros jovens atletas cometessem os mesmos erros que ele.

"Eu não consigo nem descrever a dor e o desgosto de ver minha filha ali. Desencadeou algo em mim para ajudar a resolver o problema que eu já sabia que era maior e mais amplo do que eu imaginava", conta.

O inglês tinha apenas 19 anos quando lhe ofereceram pela primeira vez um suborno. Estava dando os primeiros passos na carreira profissional atuando na League Two, terceira divisão inglesa, com o Lincoln, quando ele e mais dois atletas receberam uma oferta de um outro jogador do próprio clube.

"No dia em que o meu companheiro de equipe me apresentou para os organizadores de partidas, ele era o profissional mais antigo que o clube tinha", recorda-se. "Ele ofereceu 60 mil euros para a gente perder um jogo", o que, segundo ele, todos negaram. "A minha intuição disse para nunca falar sobre aquela noite com ninguém no clube."

"Lembro que fiquei confuso sobre o motivo de ele ter nos contatado, três atletas da mesma comunidade. Descobri muitos anos depois que ele tinha dívidas, era viciado em jogos de azar e apostas."

Swaibu nasceu no bairro londrino de Islington, "lugar que não me permitiam ter nenhum sentimento em relação ao que me ofereceram naquela noite", ele diz. Na infância, ele se apaixonou pelo futebol vendo os grandes jogadores brasileiros. "O maior de todos, na minha opinião, o Ronaldo, o original."

Em campo, suas referências eram seu irmão mais velho, também atleta, e o volante francês Patrick Vieira, ídolo do Arsenal. "Era quem eu queria ser no futebol", afirma.

Ele tinha 16 anos quando começou a buscar o sonho. Na época, entrou para a equipe do Crystal Palace. A maioria dos meninos de sua idade estava no clube desde a escola primária. Para ter mais chances, treinava todos os dias para mostrar seu potencial ao técnico Peter Taylor.

O ex-zagueiro, porém, não chegou a ter chance no profissional. Em vez disso, acabou emprestado para equipes menores, iniciando uma trajetória que o levaria a ter contatos com os apostadores —as máfias de manipuladores, em geral, concentram suas atuações em ligas menores, pois são menos vigiadas tanto por autoridades quanto pela mídia.

Antes daquela noite no hotel do Lincoln, o ex-zagueiro afirma que nunca tinha ouvido falar de esquemas para manipular jogos, nem recebido qualquer orientação dos clubes pelos quais passou para saber como lidar com este tipo de situação. Anos depois, diante de uma nova oferta de apostadores, ele se encontrava num momento um pouco mais difícil para resistir, alega.

"O clube pelo qual assinei parou de pagar os salários dos jogadores. Ficamos sem receber por três meses. Minha namorada estava grávida e o meu agente na época ameaçou me multar por salários não pagos. Foi quando fui reintroduzido a novos manipuladores", algo que abreviaria a carreira, encerrada aos 24 anos.

Swaibu descreve uma situação com a qual muitos atletas ao redor do mundo, inclusive no Brasil, podem se identificar. Apesar de ser frequentemente associado a um universo de riquezas, o futebol nem sempre garante aos atletas uma remuneração digna, sobretudo em ligas inferiores, onde é comum os jogadores terem problemas financeiros. São eles os principais alvos dos aliciadores das quadrilhas.

Nenhum país está imune a isso, como tem mostrado a Operação Penalidade Máxima, deflagrada no Brasil há algumas semanas.

Por isso o ex-jogador inglês resolveu compartilhar sua história viajando como um palestrante, além de ter criado a empresa MS5 Solutions, especializada no combate de manipulação de resultado e na promoção da integridade do esporte.

Swaibu diz que pretende, inclusive, conversar com jovens atletas brasileiros para dar a eles os conselhos que ele mesmo não recebeu durante sua formação esportiva.

"O Brasil é a casa do futebol, do Ronaldinho, Ronaldo, Rivaldo, Cafu, Roberto Carlos, Adriano. É por causa dos brasileiros que todos nós nos apaixonamos pelo futebol. Por isso todos nós temos o dever de cuidar para colocar a integridade na vanguarda do esporte, especialmente aqueles que têm o poder de fazê-lo."

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