Mercado de apostas cresceu no Brasil em zona cinzenta deixada pelo governo Bolsonaro

Lei de 2018 deveria ter sido regulamentada até 2022, mas isso não aconteceu

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São Paulo

O mercado de apostas esportivas cresceu no Brasil em meio a um vácuo deixado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), uma espécie de zona cinzenta da legalidade.

É que, em 12 de dezembro de 2018, quando já se preparava para passar a faixa presidencial, Michel Temer (MDB) sancionou a lei 13.756, aprovada dias antes pelo Congresso e que, entre outras coisas, criou essa espécie de loteria das "bets".

Só que a lei não veio com regras específicas para o setor. Em vez disso, estabeleceu que, em até quatro anos, o Ministério da Fazenda cuidaria da regulamentação. E isso nunca aconteceu.

Jogadores do Botafogo e do Fluminense disputam a bola em partida do Campeonato Brasileiro; casas de aposta esportiva aparecem na camisa de ambos e ao fundo, na placa
Jogadores do Botafogo e do Fluminense em partida do Campeonato Brasileiro; casas de aposta esportiva aparecem na camisa de ambos e ao fundo, na placa - Sérgio Moraes - 20.mai.2023/Reuters

Para quem oferece esses serviços, a ausência de regulamentação parece ter feito pouca diferença. Os sites se multiplicaram como nunca no país e se tornaram patrocinadores quase onipresentes em diversas modalidades, a começar pelo futebol.

"Uma vez autorizados pela lei, os sites podem entrar no mercado brasileiro. A regulamentação seria uma segunda etapa", diz o advogado João Vitor Kanufre Xavier, que abordou os jogos de azar em sua dissertação de mestrado pela USP.

De acordo com ele, a norma aprovada no governo Temer abriu uma exceção tácita à Lei das Contravenções Penais, que proíbe jogos de azar no Brasil desde 1941.

Essa lei octogenária veta "estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público", definindo jogos de azar da seguinte forma:

"a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva".

A mesma lei determina multa de até R$ 200 mil a quem participar do jogo como apostador, mas, segundo o advogado, a penalidade não cabe nesse novo mercado de "bets".

"A lei 13.756/2018 autoriza as apostas esportivas, logo, não faria sentido cobrar multa dos usuários", diz Xavier, que é sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.

A exceção criada pela lei de 2018 vale apenas para as chamadas apostas de quota fixa, aquelas em que o valor a ser ganho é predefinido no momento do palpite. E desde que a aposta seja relativa a evento real de temática esportiva –jogo do bicho e bingo continuam interditados.

Mas, para o advogado Matheus Puppe, o fato de a lei de 2018 não ter revogado explicitamente a Lei das Contravenções Penais deixa um cenário de insegurança jurídica.

"Em termos de legalidade no Brasil, a aposta esportiva online se encontra em uma zona cinzenta", diz Puppe, que é especialista em novas tecnologias e sócio do escritório Maneira Advogados.

"É possível argumentar que a lei 13.756/2018, ao estabelecer uma nova modalidade de apostas esportivas, efetivamente ‘legalizou’ essa atividade e, portanto, tornou irrelevantes as disposições da Lei das Contravenções Penais sobre o assunto", afirma o advogado. "Entretanto, é uma questão a ser resolvida pelo Judiciário."

Esse ambiente de incerteza ajuda a explicar por que os operadores do setor estão sediados no exterior, em países nos quais as apostas esportivas são legalizadas de forma explícita.

"Embora a aposta possa ser feita de dentro do Brasil, a transação financeira e a operação ocorrem em um local onde isso é legal", diz Puppe. O apostador brasileiro, nesse caso, não comete contravenção penal.

A ausência de regras específicas para esse mercado bilionário traz uma série de outros problemas. Segundo Guilherme de Carvalho Doval, sócio do escritório Almeida Advogados, são incertezas que afetam todos os atores direta e indiretamente envolvidos no setor.

"Além dos temas comuns à regulação de qualquer atividade econômica, o caso das apostas envolve questões sensíveis, como preocupações com lavagem de dinheiro, direitos de propriedade intelectual de terceiros e a questão da manipulação de resultados", afirma Doval, que é presidente do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Mineira de Futebol.

Em tese, a regulamentação lidaria com várias dessas questões. De acordo com a lei, para explorar apostas esportivas de quota fixa no Brasil, os sites receberão autorização ou concessão do Ministério da Fazenda.

"Para atuarem regularmente no Brasil, as casas de apostas deverão cumprir os requisitos da regulamentação, saindo da zona cinzenta hoje existente", diz Doval.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu regular o mercado de apostas, e o Ministério da Fazenda diz estar finalizando uma proposta de medida provisória com esse objetivo.

A iniciativa é do interesse do governo porque, atualmente, as casas de aposta esportiva são sediadas no exterior e não pagam impostos no Brasil.

Assim, a definição de regras representaria nova fonte de receita –um montante que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estima em até R$ 15 bilhões.

A regulamentação também deve tratar de fiscalização, um tema sensível diante das acusações recentes de manipulação de resultados.

Além disso, outros temas que estão na mira do governo são a publicidade dos sites e as ações informativas e preventivas relacionadas ao transtorno do jogo patológico.

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