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País do beach tennis? Por que número de praticantes quase triplicou no Brasil

Esporte é febre entre amadores 'profissionais', e Brasil se prepara para sediar terceira Copa do Mundo consecutiva

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Pâmela Carbonari
Florianópolis | BBC News Brasil

Rio de Janeiro, João Pessoa, Natal, Maceió, Vitória e sua vizinha Vila Velha. Também Balneário Camboriú e Guarujá, além de Marechal Deodoro e Aquiraz.

Essas são algumas das cidades brasileiras que sediaram ou vão sediar algum torneio do circuito internacional de beach tennis neste ano.

São cidades turísticas e litorâneas que já mostram que o Brasil está entre os países onde esse esporte é mais popular.

Praticantes de beach tennis em clube em São Paulo, uma das cidades não litorâneas do Brasil onde o esporte virou febre
Praticantes de beach tennis em clube em São Paulo, uma das cidades não litorâneas do Brasil onde o esporte virou febre - Nelson Almeida/AFP via Getty Images

Agora, o que escancara que o Brasil virou o país do beach tennis são as cidades-sede do circuito da Federação Internacional de Tênis (ITF, na sigla em inglês) espalhadas de norte a sul do país, em todas as regiões brasileiras.

Há capitais que não passam nem perto do mar, como São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Teresina e Palmas, e até a mais distante do litoral, Cuiabá.

E muitas outras cidades do interior do país, como Ribeirão Preto, Vinhedo e Sorocaba (SP) ou Maringá, Londrina e Foz do Iguaçu (PR) —e também em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, Goiás e Rio Grande do Norte.

O beach tennis é praticado no Brasil inteiro, em cada vez mais lugares, e por um número crescente de pessoas.

A Confederação Brasileira de Tênis (CBT) estima que o número de praticantes tenha quase triplicado nos últimos três anos, de 400 mil em 2021 para 1,1 milhão em 2023.


O beach tennis no Brasil

  • 1,1 milhão de praticantes no país (quase o triplo que em 2021)
  • 54% homens; 46% mulheres
  • 44% têm de 10 a 19 anos
  • 22% têm de 40 a 49 anos
  • 15% têm de 30 a 29 anos

Fonte: Confederação Brasileira de Tênis


A ilustradora Daphne Lambros, de 49 anos, começou a jogar em 2019 em Curitiba e não parou mais.

"Sempre gostei de praia, adoro colocar o pé na areia, mesmo morando em Curitiba. Aqui, sempre tivemos que fazer atividades em espaços fechados, por causa do frio e da chuva. Mas o beach tennis tem um astral praiano. Ao pisar na areia, mesmo sendo uma quadra coberta, eu já me sinto na praia, é muito bom", diz.

O Brasil também tem vários atletas entre a elite do esporte e se prepara para sediar a terceira Copa do Mundo de beach tennis consecutiva.

Rafael Westrupp, presidente da CBT, diz que mais de 65% dos torneios internacionais da modalidade hoje acontecem nas areias brasileiras e que isso acaba sendo uma vantagem para os atletas daqui.

"Os brasileiros competem no país, ganham em dólar e gastam em reais", resume Westrupp.

As origens

Uma vila italiana do século 3, em Enna, na Sicília, exibe afrescos com meninas em trajes semelhantes a biquínis jogando uma bola parecida com a de tênis em uma quadra. Elas usam só uma mão e parecem dar tapas na bola, como se os braços fossem raquetes.

Essa seria a pré-história do beach tennis, segundo a Federação Italiana de Tênis (ITF).

O esporte já não está mais moda no país que teria sido seu berço e que é a maior potência em competições.

Segundo a ITF, o beach tennis surgiu nas praias italianas nos anos 1970, quando praticantes de tênis aproveitaram redes de vôlei instaladas na areia e começaram a bater uma bolinha. Logo surgiram os primeiros torneios e regras. Nos anos 1990, os atletas se profissionalizaram. Mas o esporte ainda estava confinado ao Mediterrâneo europeu.

Ele cruzou o oceano só no século 21. Atualmente, é praticado em cerca de 50 países, Brasil entre eles. De acordo com a CBT, a prática chegou aqui pelo Rio de Janeiro, em 2008. Dois anos depois, Florianópolis sediou o primeiro torneio no país.

Mas, ao longo de toda a década passada, o beach tennis foi um nicho muito específico. Aí veio a pandemia de Covid-19, e a sua popularidade explodiu no Brasil.

História do beach tennis no Brasil começou no Rio de Janeiro
História do beach tennis no Brasil começou no Rio de Janeiro - Getty Images

País do beach tennis

Nos tempos mais agudos de confinamento, muita gente procurou novas atividades, e o temor do contágio direcionou essa busca para práticas mais seguras contra a Covid-19.

"Por ser um esporte ao ar livre, com turmas, em geral, de no máximo seis pessoas, o beach tennis ganhou força no fim da pandemia", diz Jassy Ribeiro, psicóloga do esporte da Federação Cearense de Tênis e Beach Tennis (FCTBT).

"Além disso, ter os pés na areia, o céu e o vento, sem dúvida traz uma sensação de liberdade, de conexão com a natureza."

Para a psicóloga do esporte Gabriella Finatti, o contexto pandêmico pode ter dado o pontapé inicial, mas o que sustenta sua popularidade hoje é que ele cria "grupos de pertencimento".

"Os praticantes se unem para jogar, mas também para socializar. Além disso, o fato de a modalidade ser relativamente nova despertou a curiosidade das pessoas, permitindo que todos possam aprender do zero quase que ao mesmo tempo em todos os cantos do país. É um jogo relativamente fácil, com poucos elementos técnicos complexos", explica.

Rafael Westrupp, da CBT, diz que o número de praticantes vinha crescendo desde 2013, mas a pandemia fez isso explodir.

"Houve um apelo exponencial em termos de número de praticantes, instalações esportivas e número de torneios internacionais oficiais realizados em território nacional", explica.

Ou seja, segundo ele, além da curiosidade e da demanda das pessoas, o beach tennis tem crescido no país também graças aos incentivos oficiais.

Em 2022, foram 59 eventos, cada um com dois ou três torneios. Neste ano, são 62.

O Brasil sediou a Copa do Mundo em 2021 e 2022, e em 2023 será sede novamente, em novembro. As prefeituras têm investido na criação de espaços: se antes reservar uma área para esportes de areia significava apenas vôlei e futevôlei, hoje as divisões são diferentes.

A Secretaria de Esporte de Florianópolis informa que "grande parte" dos projetos para futuros espaços públicos, como praças e parques, contará com quadras de areia.

Atualmente, a capital catarinense tem mais de 30 quadras desse tipo administradas pela prefeitura. O Rio de Janeiro regularizou as atividades em espaços públicos em 2021, mas, no ano passado, o beach tennis virou a ponta mais visível de uma disputa pelas praias.

Medalhistas da Copa do Mundo de Beach Tennis 2022, realizada na cidade do Rio
Medalhistas da Copa do Mundo de Beach Tennis 2022, realizada na cidade do Rio - Divulgação/Marcello Zambrana

O aumento do espaço ocupado por quadras esportivas na orla gerou uma onda de descontentamento que foi parar no Ministério Público.

Entidades como a organização não governamental Grupo Ação Ecológica alegam que a orla é uma área de proteção ambiental e que está havendo uma descaracterização da paisagem, um bem protegido por lei.

A polêmica é mais uma evidência da popularização do esporte. Entre todas as atividades físicas e esportivas licenciadas, o beach tennis é a mais comum na capital fluminense, com 80 espaços regularizados.

A Secretaria Municipal de Esportes defende que cada evento realizado na cidade, como a Copa do Mundo, atrai turistas e movimenta a economia.

O Brasil já ganhou quatro Copas da modalidade, mesmo número da Itália, e conta atualmente com três atletas no top 10 masculino no mundo e outras três no top 10 feminino.

Amadores, mas competitivos

O sucesso dos profissionais também tem impulsionado a competitividade entre amadores.

"Mesmo em praticantes por lazer, existe um desejo grande de querer evoluir dentro do esporte, seja por objetivo pessoal ou para participar de mais competições", diz a psicóloga Gabriella Finatti.

Jassy Ribeiro, da federação cearense, também vê muitos amadores levando o esporte bem a sério.

"Há atletas amadores que têm equipe multidisciplinar, com técnico, preparador físico, nutricionista, psicólogo do esporte. Eles têm investido na preparação com o desejo de estar cada vez mais completos para as competições."

Para encarar o esporte desse jeito, é preciso estar bem psicologicamente.

"Uma grande parte dos atletas que atendo me procurou para aprender a lidar com a frustração. Muitos deles sentiam raiva descontrolada na hora do erro, outros se exigiam demais, colocando sobre si uma cobrança excessiva", explica Ribeiro.

Entre os estimados 1,1 milhão de praticantes, porém, é claro que muita gente está nessa mais pela saúde, bem-estar e diversão.

"A areia traz uma percepção sensorial diferenciada ao nosso corpo, estimulando diferentes habilidades físicas e psicomotoras", explica Finatti.

"A pessoa desenvolve mais resistência física, tônus muscular e coordenação motora sem perceber, simplesmente estando focada na bola."

Daphne Lambros pratica o esporte na Vita Beach Sports, em Curitiba, escola de Marcela Vita, tricampeã mundial com a seleção brasileira.

Mesmo no inverno, houve um aumento de 6% de alunos em relação a maio, segundo a academia. O número de professores quase dobrou desde 2019.

Daphne conta que nunca foi muito de praticar esportes. Chegou a nadar e a fazer pilates, mas o beach tennis foi a feliz descoberta.

"Às vezes era frustrante no começo, como aprender a andar de bicicleta. Mas logo vi os resultados, fiz amizades, isso me motivou. Era o momento em que eu deixava de ser uma trabalhadora, de ser uma mãe. Lá, sou apenas uma mulher se divertindo com as amigas e com as novas amigas que fiz no esporte."

Disputa na Copa do Mundo de Beach Tennis 2022; já há quem torça para que prática se torne esporte olímpico
Disputa na Copa do Mundo de Beach Tennis 2022; já há quem torça para que prática se torne esporte olímpico - Divulgação/Marcello Zambrana

Moda passageira?

Westrupp, da CBT, acredita que há espaço para mais popularização.

De acordo com um estudo da Unicamp, caminhada, futebol e musculação são as atividades físicas mais praticadas no Brasil.

Cerca de 7% da população brasileira joga futebol regularmente, o que dá por volta de 14 milhões de praticantes.

O vôlei, o segundo esporte coletivo mais popular do país, corresponde a 0,3%, ou 610 mil pessoas. O tênis tradicional é praticado por 380 mil brasileiros. A pesquisa foi publicada no fim de 2019. O beach tennis não aparece nem entre as 15 atividades mais comuns.

Mas se o levantamento levasse em consideração os números mais atuais da CBT, o beach tennis estaria no top 10. Até onde o esporte consegue crescer depende, necessariamente, das condições socioeconômicas do país.

O beach tennis pode até não ser uma prática tão elitizada como o tênis, mas tem suas limitações.

Se não tiver uma quadra pública perto de casa, o praticante precisa pagar pelo uso. Ainda há os gastos com as aulas e o material.

Há raquetes que saem por menos de R$ 100, enquanto outras passam dos R$ 2 mil. Cada bola costuma sair por R$ 10 a R$ 20 cada. Daphne Lambros reconhece que o esporte tem um certo impacto em seu orçamento mensal. Mas não pensa em parar.

"Para mim, vale o investimento. Não é pelas competições, estou pela energia, pelo estado de espírito. Torço para que vire esporte olímpico", diz.


Este texto foi originalmente publicado aqui.

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