"Paris 2024 será a primeira edição dos Jogos da história a alcançar a paridade numérica de gênero nas competições, com o mesmo número de atletas femininos e masculinos participando do maior evento esportivo do mundo."
Só que não. A afirmação, que consta do site oficial dos Jogos Olímpicos, não é totalmente precisa. Encerradas as inscrições para o megaevento, segundo a plataforma online do Comitê Olímpico Internacional, Paris-2024 terá 5.815 homens e 5.604 mulheres, ou 50,9% a 49,1%.
O COI alerta, porém, que as inscrições ainda não estão totalmente fechadas, e os números podem sofrer variações.
A paridade entre homens e mulheres é um importante aspecto da narrativa positiva que a organização dos Jogos tem procurado transmitir.
A culpa por essa diferença de 211 atletas é, em boa parte, do futebol. Enquanto o torneio masculino tem 16 equipes, o feminino conta com apenas 12. Como cada seleção pode inscrever 22 atletas (sendo 18 efetivamente convocados e 4 substitutos eventuais), isso significa que há 87 homens a mais apenas em um esporte (normalmente seriam 88, mas a seleção masculina da República Dominicana inscreveu um jogador a menos).
Outro motivo é a equitação, modalidade mista. São 130 homens e 70 mulheres nas diferentes provas de saltos, adestramento e concurso completo.
O restante pode ser explicado por diferenças no número de inscritos em certos esportes, como o atletismo, onde, mesmo havendo igualdade no número de vagas, pode haver mais competidores entre os homens.
A Folha consultou, sobre essa discrepância entre o discurso e a realidade, o Centro de Estudos Olímpicos do COI, que faz a pesquisa histórica de estatísticas como essa. O órgão explicou que não tinha autorização para se pronunciar oficialmente. Mas ressalvou: "As cotas por evento mostram que haverá um número igual de participantes masculinos e femininos."
A pequena diferença não invalida o esforço feito ao longo das últimas edições para atingir a paridade. Nos últimos Jogos realizados em Paris, exatos cem anos atrás, apenas 4% dos atletas eram do sexo feminino. Esse índice era de 34% em Atlanta-1996 e 48% na última edição dos Jogos, Tóquio-2020 (disputada em 2021 devido à pandemia de Covid-19).
As mulheres ganharam espaço ao cabo de décadas de luta. Um caso emblemático é o boxe, esporte onde no passado a prática feminina era considerada impensável. O boxe feminino estreou nos Jogos em Londres-2012. Embora haja uma divisão de peso a mais no boxe olímpico masculino (sete contra seis), o número total de vagas disponíveis era o mesmo, 124 para cada gênero.
A questão binária não é a única relacionada ao gênero nos Jogos Olímpicos. O status dos atletas trans e intersexuais ainda é um tema polêmico.
Em 2021, o Comitê Olímpico Internacional anunciou novas diretrizes a respeito, em um documento intitulado "Enquadramento do COI sobre justiça, inclusão e não discriminação com base em identidade de gênero e variações sexuais". O texto procura equilibrar o direito de todo atleta a competir com o princípio de uma competição justa e segura para todos.
Segundo o documento, os atletas devem ter permissão para competir "na categoria que se alinhe melhor com a identidade de gênero autodeterminada". Porém, prossegue o COI, "critérios para determinar uma vantagem competitiva desproporcional podem, às vezes, exigir testes da performance e da capacidade física de um atleta".
Já dentro dessas novas diretrizes, nestes Jogos, Nikki Hiltz, atleta trans não binária dos EUA, classificou-se para a prova feminina dos 1.500 metros no atletismo. É possível que no futuro a plataforma online do COI tenha que incluir outras categorias, além de masculino/feminino, em suas estatísticas.
Além disso, o COI tem feito campanhas de conscientização da imprensa para reduzir o viés de gênero na cobertura esportiva. Incentiva, por exemplo, que se dê espaço igual às competições masculinas e femininas.
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