Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

Penso mais no total de medalhas do que em ouro, diz Rogério Sampaio, diretor do COB e ex-judoca

Cartola espera que país evolua e conquiste pódios em mais modalidades do que em Tóquio

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Paris e São Paulo

"Penso mais no número de medalhas [no total] do que no número de ouros". A afirmação é de Rogério Sampaio, ex-judoca (de ouro) e diretor-geral do Comitê Olímpico Brasileiro desde 2018, que será o principal dirigente do Time Brasil nos Jogos de Paris. "Estamos indo animados", avisa.

Para o dirigente, é possível bater o recorde de Tóquio, quando a delegação alcançou 21 medalhas, com sete ouros e pódios em 13 modalidades (também recordes). Essa versatilidade da equipe é vista como fundamental para alcançar o êxito: "São poucos os países no mundo que conseguem ter destaques em tantas modalidades."

O ex-judoca relembra também seu título, em Barcelona, quando surpreendeu os rivais. "Quando eu fui aos Jogos de 1992, tinha companheiros de seleção com resultados excepcionais, mas eles não conseguiram. É difícil, é um esporte individual."

A imagem mostra um homem careca usando uma jaqueta jeans, falando em um púlpito com um microfone. Ele está gesticulando com a mão esquerda levantada.
Medalhista olímpico e, atualmente, cartola do COB, Rogério Sampaio, durante evento no Rio; ex-atleta faz planos para o Brasil nas Olimpíadas de Paris - Mauro Pimentel - 18.abr.24/AFP

Sampaio chegou para aquela Olimpíada após um ciclo conturbado e lutou até com quimono emprestado. A conquista foi uma das três de toda a delegação na Espanha —ganhou outro ouro com o vôlei masculino e uma prata com o nadador Gustavo Borges, nos 100 m.

O que o torcedor pode esperar?
Embora os resultados estejam sendo positivos, temos que entender que todos os nossos adversários estão trabalhando para evoluir. Precisamos continuar trabalhando duro para evoluir também e chegar nos Jogos Olímpicos voando. Essa é a nossa expectativa. Agora, claro, há muita ansiedade também, né? São muitos anos de organização, de preparação por conta dos atletas, exatamente para esse momento.

Em Tóquio foram 21 medalhas, com sete de ouro. Dá para chamar o Brasil de potência olímpica?
Depende do que nós definimos como uma potência olímpica. No passado, a Jamaica conquistou sete, oito medalhas de ouro, em apenas uma modalidade. Isso é uma potência olímpica? [no Rio, a Jamaica conquistou 11 medalhas, todas no atletismo, com seis ouros]. Essa questão da potência olímpica não me preocupa.

O que me preocupa é poder fazer amanhã melhor do que fizemos ontem. Precisamos, de alguma maneira, evoluir. Nós temos vários índices de análise para entendermos essa evolução. E sabemos que não teremos evolução em todos os critérios, mas é importante evoluir em alguns deles. Por exemplo, pela primeira vez nós chegamos a uma Olimpíada com chances de medalhas em modalidades que antes não eram realidade.

Se vamos ganhar medalha ou não, não sabemos. Mas quando você vê a ginástica rítmica, o tiro com arco, que são modalidades que pela primeira vez chegam com essa expectativa, houve uma evolução. Mas a gente tem que medir a evolução, não só nos analisando como uma potência olímpica.

Vocês devem ter uma conta de medalhas, até pelo critério de produtividade do COB.
Voltamos de Tóquio com medalhas em 13 modalidades. Eu acho que isso é fundamental para o Brasil. Atingir um bom número de medalhas é, também, conseguir medalhas em um grande número de modalidades. São poucos os países no mundo que conseguem ter destaques em tantas modalidades.

E, logicamente, estamos em busca de ter uma participação que nos coloque novamente nessa situação com várias modalidades, talvez, ampliando. Em algumas modalidades nós já fomos medalhistas, mas não conquistamos nada em 2021, caso do taekwondo, do tiro esportivo… Estamos chegando forte novamente no vôlei de praia, estou muito confiante em relação às nossas duplas, e do vôlei de quadra também. Enfim, eu acho que o número de modalidades pode aumentar em relação aos Jogos de Tóquio.

Para você, então, o sucesso para o Time Brasil nessa Olimpíada seria o aumento das modalidades com pódios, acima das medalhas de ouro?
Eu penso mais no número de medalhas [no total] do que no número de ouros. A gente sabe que a medalha de ouro é algo inesquecível. Mas a decisão pelo ouro, pelo bronze, e até a perda de alguma medalha, se desenha na hora.

Quando você pega uma prova como os 50 m da natação, às vezes, sem uma câmera, você não sabe quem foi o primeiro e quem foi o sexto, chega todo mundo junto.

Se eu transfiro isso para outras provas, de outras modalidades, a gente começa a observar que o equilíbrio é muito grande do primeiro para o quinto, para o sexto. Então, prefiro muito mais pensar em número de medalhas, entendendo que nós temos chance de ganhar ouro em várias provas, e que essas medalhas vão se construir ali, na hora da competição. E que nós estamos preparando a nossa organização para esse momento da competição.

Estaremos lá com todos os nossos profissionais, da área médica, da área de tecnologia, da área mental, que é um trabalho que a gente já faz há muitos anos, e a gente sabe que isso contribui muito para a participação dos atletas.

Eu penso mais no número de medalhas [no total] do que no número de ouros. A gente sabe que a medalha de ouro é algo inesquecível. Mas a decisão pelo ouro, pelo bronze, e até a perda de alguma medalha, se desenha na hora

Rogério Sampaio

Diretor-geral do COB

O Brasil sempre foi um país voltado para os esportes coletivos, como futebol e vôlei. Para subir no quadro, não seria preciso mais investimento em esportes que distribuem muitas medalhas? Como o seu judô, o levantamento de peso, a natação…
Em relação a investimentos, o COB tem uma política, com regras meritocráticas de distribuição de recursos. Então, as modalidades que têm melhores resultados recebem mais recursos. A utilização desse recurso é feita através de um plano de trabalho no final do ano para o ano seguinte, e na montagem desse plano se reúnem os profissionais responsáveis das confederações com os profissionais do COB. Quando eu comparo a distribuição do recurso em 2024 com 2017 —quando o presidente Paulo Wanderley assumiu o Comitê Olímpico do Brasil—, o aumento da arrecadação com as loterias foi de aproximadamente 80%.

E o aumento de recursos repassados para o investimento nos atletas, para a preparação das equipes, foi de 160%, ou seja, o dobro. Então, a gente tem procurado cada vez mais investir.

Além do recurso, temos o Programa de Preparação Olímpica, com o qual tentamos enxergar lacunas na preparação de atletas e equipes, e a gente faz o investimento exatamente nessa lacuna.

Agora, quem define quem são os principais atletas são os resultados esportivos, a participação nos campeonatos mundiais, pan-americanos.

Eu gostaria de ter modalidades muito fortes entre as que mais distribuem medalhas, mas nem sempre isso é possível. O Brasil está com destaque no boxe, esporte que dá muitas medalhas.

Nos Jogos Pan-Americanos [Santiago, em 2023], o país ganhou todas as medalhas de ouro que estavam em disputa. Eu não sei se foram oito, dez, ou se foram mais [foram oito]. Mas foi 100% das medalhas. Mas lógico que é difícil transportar isso para os Jogos Olímpicos.

Você falou de meritocracia. Em um esporte como o halterofilismo, que não temos tradição, mas que dá muitas medalhas, precisa esperar algum atleta se desenvolver para ganhar o investimento?
Independentemente de você ter um atleta de destaque na modalidade, o investimento tem crescido. Quando eu falo que dobrou o investimento em relação ao recurso recebido das loterias, naturalmente o recurso nas modalidades têm investido. Então, não é que nós aguardamos que algum atleta se destaque. O aumento de recurso tem sido a cada ano. Logicamente, aqueles que têm um destaque maior, recebem um olhar um pouco mais atento. Eu acho que todas as modalidades têm crescido. Algumas em nível sul-americano, outras em nível pan-americano e outras em nível olímpico.

Tivemos, em 2016, 12 modalidades que conquistaram medalhas na Olimpíada. Em 2021, foram 13. Quem sabe agora a gente não aumente esse número?

Estamos num nível em que esse aumento do número de medalhas, ou o aumento do número de medalhas de ouro, ou o aumento do número de modalidades que buscam medalhas numa edição de Jogos Olímpicos, é passo a passo. Não vamos dar aquele salto de 20 medalhas para 40. O avanço é passo a passo, é mais lento. Mas o importante é ver a evolução.

Qual o valor investido para se chegar a uma medalha de ouro? Do processo de descobrimento do atleta até o momento em que ele chega ao ápice.
É difícil você fazer esse tipo de conta, porque você tem um investimento na modalidade. Vamos falar do judô. É difícil fazer uma conta dessa, porque o Fulano de Tal que treina, precisa de um grupo para treinar. Eu poderia fazer a conta somente do custo de ele viajar, do valor do quimono, da passagem, da estadia… Ou eu posso buscar o valor de quanto custa ele treinando nos últimos oito anos, com cem pessoas.

A imagem em preto e branco mostra dois judocas em ação durante uma luta. Um dos judocas está no ar, sendo arremessado pelo outro, que está no tatame. Ambos estão vestindo quimonos brancos e faixas pretas.
Rogerio Sampaio aplica um golpe no húngaro József Csák na final dos Jogos Olimpícos de Barcelona-1992 - Cliff Schiappa - 1º.ago.1992/AFP

Hoje se fala muito em saúde mental. Na sua época, você perdeu seu irmão pouco antes dos Jogos. Como lidou com a questão?
O meu irmão morreu no dia 28 de abril e eu competi no dia 1º de agosto. Foi um ano e três meses depois.

Foi um ciclo muito difícll pra mim. Eu fiquei afastado das competições e treinamentos internacionais por dois anos e quatro meses por conta de um movimento em que eu participei, dos atletas contra a Confederação Brasileira de Judô. Aquele movimento nós pleiteávamos uma estrutura melhor para o judô.

Para você ter uma ideia, a gente treinava em tatame de palha no Brasil e competia no exterior em tatame sintético. Imagina você treinar num piso que não é o mesmo que você vai encontrar na disputa dos Jogos Olímpicos?

Eu competi, em Barcelona, com um quimono emprestado. Enfim, as dificuldades eram muitas. Essa dificuldade toda me fortaleceu emocionalmente. O trabalho que eu fiz também com esse meu amigo psicólogo também contribuiu.

Me lembro de um momento na luta semifinal [contra o alemão Udo Quellmalz]. Rapaz, eu estava cansado, o alemão era o atual campeão do mundo. Olhei no relógio e faltava 1 minuto e 36 segundos. Me lembro até hoje de olhar no placar. Pensei que estava cansado, mas que ele também estava.

Ele estava com o olho arregalado, a boca aberta, puxando oxigênio, como eu também estava. E aí você pensa assim, "só saio daqui morto".

De certa forma, sua vitória foi uma surpresa.
Acho que o que contribuiu é que eu era um atleta de bom nível técnico, e eu era muito perigoso.

Na época a gente não tinha o Youtube, alguns poucos países filmavam os adversários para fazer um estudo. Mas como eu fiquei afastado por dois anos e meio, poucos tinham me filmado.

Então, o fato de eu ter ficado afastado, em alguns aspectos atrapalhou. Mas ao mesmo tempo contribuiu porque os meus adversários não me conheciam. E eu era perigoso. O atleta, se tivesse qualquer erro, eu conseguia fazer as técnicas.


Raio-X | Rogério Sampaio, 56

Nascido em Santos, conquistou a medalha de ouro nos Jogos de Barcelona-1992 no judô (até 65 kg) e o bronze no Mundial de 1993 (até 72 kg). Desde 2018 é diretor-geral do COB.

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